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O Banimento nos esportes de combates: o “caso Wanderley Silva”

Praticamente todas as sociedades humanas usaram o banimento – de alguma forma – para garantir a ordem social e a paz cívica e para punir os malfeitores.

A punição de expulsão retira o infrator da vista do público e, assim, diminui a probabilidade de uma espiral de vingança e retaliação que perturbaria a paz civil daqueles que foram prejudicados por atos ilegais, também incapacitando o ofensor, colocando-o fora dos limites da comunidade, protegendo os outros membros da comunidade dos atos ilícitos.

Sobre o banimento, assim leciona Beccaria (2001, p. 103[1]):

Aquele que perturba a tranquilidade pública, que não obedece às leis, que viola as condições sob as quais os homens se sustentam e se defendem mutuamente, esse deve ser excluído da sociedade, isto é, banido.

Embora penas de banimento – as quais demandam o afastamento total do atleta do ambiente esportivo – hoje estejam previstas em regulamentos esportivos, há muitos motivos pelos quais tais entidades não deveriam aplicá-las, todas envolvendo o direito do atleta ao trabalho.

Um banimento vitalício de um esporte organizado não deveria impedir o ofensor da prática esportiva, embora seja o que de fato se deseje. É forçoso lembrar que nem sempre o atleta tem outra alternativa como profissão que não a prática do esporte. Afinal, é disso que ele vive.

Em se tratando de esportes de combate, um dos casos mais famosos de banimento foi o de Wanderley Silva, lendário atleta da época dos primórdios do MMA.

Wanderlei Silva lutou pelo UFC nos primórdios da organização, mas se destacou no Japão lutando pelo Pride. Lá, ele conquistou o título dos médios e, apesar de ser oriundo do jiu jitsu brasileiro, era conhecido por seu estilo agressivo na luta em pé.

Em 2014, Wanderley estava escalado para enfrentar Chael Sonnen em uma luta especial entre os dois rivais no dia 5 de julho como parte do UFC 175. Devido a uma rixa pública, que incluía palavrões e uma constante briga que precisava ser interrompida (desde o célebre TUF Brasil I, reality show onde ambos foram técnicos de equipe), os fãs estavam ansiosos por esse confronto entre os dois ferozes adversários.

Porém, Wanderley acabaria evitando um teste de doping aleatório administrado pela Comissão Atlética de Nevada que fez com que ele fosse removido do card do evento.

De acordo com um relatório de um representante da Comissão Atlética de Nevada, este tentou coletar uma amostra aleatória de Silva em 24 de maio de 2014. Silva não estava presente em sua casa e o representante foi orientado pelo Diretor Executivo do NAC, Bob Bennett, para verificar se ele estava em sua academia. Ele encontrou Silva, mas após indicar que estaria com ele em um momento, Silva saiu do ginásio sem avisar o representante para onde estava indo[2].

Mais tarde, foi descoberto que ele havia usado diuréticos, uma droga proibida de acordo com a NAC 467.850 (Código Administrativo de Nevada, que rege os esportes de combate desarmados). Na audiência da Comissão Atlética de Nevada em 23 de setembro de 2014, na qual Silva não compareceu, a comissão aplicou-lhe uma punição em forma de banimento vitalício do esporte e uma multa de US$70.000.

Silva buscou a revisão judicial da penalidade sem precedentes da comissão entrando com uma ação no Tribunal Superior do Condado de Clark, Nevada (no Estado de Nevada, o processo de apelação de uma audiência administrativa é abrir uma ação em um tribunal superior).

Na ação movida, Silva alegou que a comissão não tinha jurisdição sobre ele porque este não havia solicitado sua licença de lutador.

Como resultado, seu advogado alegou que não poderia haver punição para um indivíduo que não se submetesse ao teste de doping. Ele também afirmou que a proibição vitalícia e a multa de US$70.000 foram “arbitrárias e caprichosas”, já que a punição não foi apoiada pelas evidências substanciais registradas.

O juiz do Tribunal Distrital Kerry Earley concluiu que a comissão exerceu sua jurisdição adequadamente sobre Silva. Ele determinou que Silva era um “combatente desarmado” nos termos da Comissão Atlética de Nevada, apesar do argumento de que Silva não era licenciado pelo estado e, portanto, não deveria ser considerado como tal. De acordo com o NAC 467.850(5), ele deveria se submeter a exames de urina ou testes técnicos, assim entendeu o magistrado.

No entanto, o juiz Earley observou que a comissão tinha suas próprias preocupações a resolver, no sentido de que a sanção era “arbitrária e não apoiada por nenhum tipo de diretriz de condenação ou dentro das normas padrão”, tendo o juízo anulado a punição com a ordem de que houvesse uma nova audiência sobre o assunto.

Por fim, foi concedida a Silva uma nova audiência em fevereiro de 2016. A comissão retirou a multa de US$ 70.000,00, argumentando que, como ele não lutou de fato no UFC 175, não havia o direito de se impor uma multa monetária.

Mais importante ainda, o banimento vitalício de Silva foi reduzido para uma suspensão de três anos retroativa a maio de 2014.

No Brasil, em relação ao futebol, o esporte não deveria estar cortejando a possibilidade de revisitar o debate sobre a proibição perpétua, pois, ao fazê-lo, mais uma vez desvia a atenção de seus próprios fracassos em relação ao tratamento do atleta, na forma de alvo para a mídia: o “atleta apostador”.

O esporte está jogando com o hype do público e da mídia, o que está desviando a atenção dos problemas reais que enfrenta.

Diante do exposto, como ficaria a questão se o caso Wanderley fosse derivado de um contrato de trabalho desportivo com o UFC, nos moldes dos jogadores de futebol brasileiros? Enfrentarei estas questões no “próximo capítulo”.

Crédito imagem: Getty Images

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REFERÊNCIAS:

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

CRUZ, Jason J. Mixed martial arts and the law: Disputes, Suits and LegaL Issues. 1ª. ed. North Carolina: McFarland & Company, Inc., Publishers, 2020.

FERNANDES, João Leal Renda. O Mito EUA: Um País sem Direitos Trabalhistas. 2ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023.

[1] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas. Tradução: Deocleciano Torrieri Guimarães. São Paulo: Rideel, 2003. p. 103

[2] Sobre a questão, o nêmesis de Silva, Chael Sonnen tem uma visão bem diferente, em defesa de Wanderley, que pode ser vista no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=_azaDlKMLTU&t=60s

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