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O Banimento nos esportes sob a visão do ordenamento jurídico brasileiro

Na ultima coluna, falamos sobre o famoso caso de banimento de Wanderley Silva do MMA.

Para colocar as coisas em perspectiva, os atletas que testaram positivo para esteroides em Nevada em 2014 receberam suspensões de nove meses a um ano se fosse sua primeira ofensa.

Silva não havia de fato testado positivo, mas recebeu um banimento vitalício. Para muitos, parecia que a Comissão Atlética de Nevada estava fazendo dele um exemplo.

 Praticamente da noite para o dia, ele passou de um lutador amado e uma lenda do seu esporte para um pária.

Após sua suspensão, e depois de uma disputa pública, ficou claro que o relacionamento do UFC com Silva havia se deteriorado. Por fim, ele foi dispensado de seu contrato.

Usando como exemplo tal situação, se o contrato de Wanderley fosse um contrato de trabalho nos moldes dos contratos de jogadores de futebol, como ficaria a questão do banimento vitalício do esporte aqui no Brasil?

Importante frisar que todas as penas de caráter perpétuo colidem frontal e diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, consolidado no art. 1º, III, da Constituição, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito. O referido artigo elenca, ainda, em seus incisos II e IV, a cidadania e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, respectivamente.

Desse modo, existem aqueles que consideram a pena de suspensão vitalícia como um banimento do esporte e ainda, com características de ser uma penalidade de caráter perpétuo, sendo inconstitucional e ainda ferindo o direito fundamental do exercício da livre profissão, ambos amparados no art. 5º da CFRB/88 (COSTA, 2012[1]).

Para Ledur (1998, 103[2]):

as normas que garantem os direitos econômicos devem assegurar, de sua parte, o direito a um nível de vida decente, como expressão e realização desse princípio fundamental. […] como primeiro princípio dos direitos fundamentais, ele (o princípio da dignidade da pessoa humana) não se harmoniza com a falta de trabalho justamente remunerado, sem o qual não é dado às pessoas prover adequadamente a sua existência, isto é, viver com dignidade.

A despeito do versado no art. 217, § 1º, da CF quanto à autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento, o que permite a absorção de leis esportivas transnacionais que prevejam regras de banimento esportivo pelo direito brasileiro através do procedimento de reenvio (NICOLAU, 2018, p. 385[3]), comitês e entidades internacionais do esporte não podem impor decisões à República Federativa do Brasil que violem o comando imperativo do art. 5º, inciso XLVII, da CF. Nem mesmo a eventual alegação da celebração de tratados ou convênios internacionais pelo Brasil poderiam conferir efetividade a essas penas inadmissíveis em nosso território.

Ao contrário, o art. 217 apenas confirma o postulado da inafastabilidade do controle jurisdicional, condicionado ao esgotamento das instâncias da justiça desportiva.

E, em que pese o Código Brasileiro de Justiça Desportiva dispõe da possibilidade de o atleta requerer a sua reabilitação[4], a qual é a busca da reinserção nas atividades desportivas da respectiva modalidade, isto não possuiria o condão de afastar o caráter de banimento da pena imposta.

E que não se alegue que não se trata de um banimento e sim de uma pena de “eliminação”. Se uma pessoa está afastada dos quadros de uma entidade para qual não pode mais fazer parte para trabalhar sem data para retorno, a “eliminação” pode ser considerada uma pena de caráter perpétuo, vedada por nossa legislação, uma vez que o profissional depende do vínculo esportivo para desempenhar seu mister. Deixar de usar a palavra “banimento” por constar na CF como pena proibida[5] não afasta o entendimento de que “eliminação” teria o mesmo sentido.

Nesse caso, a ruptura de relacionamento associativo ad eternum (se Wanderley pertencesse a uma federação, por exemplo, e a ela precisasse se filiar pra lutar) haveria de condenar o atleta ao ostracismo profissional na mesma forma do banimento. Em que pese a mudança de nomenclatura, o resultado permanece sendo o mesmo: uma pena perpétua.

Destarte, a despeito de uma reabilitação prevista em lei, a falta de uma data-fim para uma penalidade pode levá-la a questionamento em esferas além da desportiva. Se no Brasil um preso por ilícito criminal (que pode até trabalhar na cadeia!) sabe o tempo que precisa cumprir, por que com o desportista é diferente?

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REFERÊNCIAS:

AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Constituição brasileira não admite pena perpétua e de banimento do esporte. Jusbrasil, Site, 2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/constituicao-brasileira-nao-admite-pena-perpetua-e-de-banimento-do-esporte/347924887. Acesso em: 14 jun. 2023.

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

CRUZ, Jason J. Mixed martial arts and the law: Disputes, Suits and LegaL Issues. 1ª. ed. North Carolina: McFarland & Company, Inc., Publishers, 2020.

FERNANDES, João Leal Renda. O Mito EUA: Um País sem Direitos Trabalhistas. 2ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023.

PANISA, Aline Fernandes; DORIGON, Alessandro. A lei antidoping e os direitos fundamentais do atleta. Âmbito Jurídico, 1 fev. 2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-lei-antidoping-e-os-direitos-fundamentais-do-atleta/. Acesso em: 14 jun. 2023.

[1] COSTA, R. M. A Responsabilidade do Atleta Dopado Involuntariamente. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/K221541.pdf

[2] LEDUR, José Felipe. A realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998. p. 103

[3] NICOLAU, Jean Eduardo. Direito Internacional Privado do Esporte. 1ª. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2018. p. 385

[4] Da Reabilitação  Art. 99. A pessoa natural que houver sofrido eliminação poderá pedir reabilitação ao órgão judicante que lhe impôs a pena definitiva, se decorridos mais de dois anos do trânsito em julgado da decisão, instruindo o pedido com a documentação que julgar conveniente e, obrigatoriamente, com a prova do pagamento dos emolumentos, com a prova do exercício de profissão ou de atividade escolar e com a declaração de, no mínimo, três pessoas vinculadas ao desporto, de notória idoneidade, que atestem plenamente as condições de reabilitação.

[5] O artigo 5º, inciso XLVII, da CF prevê que não haverá penas: “a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”.

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