Neste último final de semana duas notícias chamaram a atenção do mundo desportivo na medida em que estão relacionadas com o meio ambiente de trabalho do atleta.
O site “Lei em Campo”[1] trouxe a notícia revelada pela família de Sir Bobby Charlton, que o lendário jogador de futebol da Inglaterra, aos 83 anos de idade, está com demência. Poucos dias antes desta notícia, o também campeão mundial com a Inglaterra, Nobby Stiles, faleceu, vítima da mesma doença, aos 78 anos. Ainda neste ano de 2020, no mês de julho, Jack Charlton, outro veterano campeão da Copa do Mundo de 1966, e irmão de Bobby, morreu com o diagnóstico de demência.
A ocorrência de lesões é uma constante na vida do atleta, principalmente o de alto rendimento, na medida em que o desporto é incontroversamente uma profissão de desgaste rápido, potencializado pela grande competitividade, sujeita a contusões, lesões e acidentes de trabalho de atletas profissionais.
Nas palavras de José Melo Alexandrino, a integridade física é um bem particularmente vulnerável na atividade desportiva e que pode ser objeto de todo o tipo de lesões (voluntárias e involuntárias, expressamente consentidas, lícitas e ilícitas); basta pensar na sujeição a análises clínicas e colheitas de vestígios, na realização de exames ou nas sistemáticas intervenções cirúrgicas sofridas pelos desportistas.[2]
Ao escrever “Manual de Direito do Trabalho Desportivo”[3], tive a oportunidade de dedicar um capítulo ao tema relacionado ao meio ambiente de trabalho do atleta e as hipóteses mais frequentes de lesão.
Naquele trabalho mencionei que a concussão pode ser definida como o distúrbio das funções do cérebro devido a um trauma direto ou indireto na cabeça, gerando alterações na função cognitiva, como perda da memória e do raciocínio, dor de cabeça, alteração da visão e distúrbios do sono.
No livro em comento, argumentei que uma lesão que tem grande ocorrência em atletas do futebol americano, do boxe de do MMA é a encefalopatia traumática crônica, ou seja, patologia decorrente de traumas repetitivos no crânio.
Contudo, após trabalho realizado com 445 jogadores de futebol, restou observado que 25% destes atletas desenvolveram um quadro de lesão cerebral, lentidão de movimentos, raciocínio e fala. Em alguns casos como histórico de perda de memória recente e a perda do balanceamento do andar e dos movimentos associados.
O indivíduo passa a ter o semblante sério ou sisudo com face sebácea e oleosa. Ocorrem também lesões na área subcortical (parte interna do cérebro).
Em setembro de 2014 foi noticiado que o jogador da seleção brasileira de futebol e Capitão da Copa do Mundo de 1958, Bellini, durante muitos anos foi diagnosticado com Mal de Alzheimer, porém a causa da morte do notável jogador foi a encefalopatia traumática crônica.[4]
É considerável o número de jogadores de futebol que são diagnosticados com Mal de Alzheimer. Entretanto, em muitos dos casos não há uma investigação mais profunda. Á guisa de exemplo, no dia 03/03/2017, os jornais lamentavam a morte do brilhante jogador francês Raymond Kopa[5] que chegou a ser considerado um dos maiores jogadores franceses de futebol. Em nenhum momento se sugeriu que o atleta francês fosse portador de ETC. Todavia, era fato incontroverso que sofria de Alzheimer desde e a década de 1990.
Trata-se, portanto, de uma doença degenerativa associada a esportes que sujeitam os seus praticantes a pancadas na cabeça, mesmo que essas não sejam violentas, basta que sejam frequentes.
Tais fatos demonstram a necessidade de adoção de fixação de comandos legais voltados não apenas para a segurança do atleta, mas também para protegê-lo da tentação de esbanjar todo o fruto amealhado com o seu trabalho sem se preocupar com o futuro.
Dentro deste universo de medidas que visam assegurar uma tranquilidade para o atleta está a figura do seguro obrigatório, previsto no art. 45 da Lei Pelé, que é taxativo ao afirmar a obrigatoriedade da contratação, pelo clube empregador, de seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. Com efeito, trata-se de uma obrigação inafastável prevista na lex desportiva[6].
Na lição do professor Álvaro Melo Filho[7], o seguro desportivo “tem o animus de cobrir os atletas profissionais, notadamente os de alto rendimento, contra o risco do óbito ou incapacidade desportiva, parcial ou total, temporária ou permanente, resultante de um acidente ou de uma agressão provocada pela rivalidade desportiva competitiva, posto que as disputas desportivas exigem dos atletas empenho, dedicação e esforço e, consequentemente, o risco próprio e inerente à atividade desportiva.”
Infelizmente, nem mesmo o seguro desportivo será suficiente para resguardar o atleta de problemas futuros, como, por exemplo, lesões cerebrais que se manifestem após idade avançada.
Desta forma é de se enaltecer a medida que a CBF apresentou no ano de 2019 para International Football Association Board, órgão responsável pela edição das regras do futebol mundial, no intuito de prevenir – ou atenuar – casos de concussão: substituição adicional, ou seja seriam possíveis 4 durante uma partida ou, ao menos, uma substituição circunstancial, de 10 minutos, para que possa haver uma avaliação mais criteriosa dos casos envolvendo choques na cabeça.
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[1] https://leiemcampo.com.br/novos-casos-mostram-como-futebol-tem-que-cuidar-melhor-das-concussoes/
[2] ALEXANDRINO, José Melo – O Discurso dos Direitos – P. 330 – Coimbra Editora – 2011.
[3] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de Direito do Trabalho Desportivo. Ed. LTr, São Paulo : 2020. P. 340/341.
[4] Estudo do cérebro aponta nova causa para morte de Bellini, capitão de 58
Seis meses após a morte de Bellini, capitão do Brasil na Copa do Mundo de 1958, um laudo revelou que a causa não foi o que se imaginava inicialmente e confirmou uma desconfiança da família. Tratado há 18 anos como se tivesse “Mal de Alzheimer”, o ex-jogador tinha, na verdade, Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), também conhecida como “Síndrome do Pugilista”, por ter grande incidência em lutadores de boxe. As conclusões foram feitas após o estudo do cérebro do ex-jogador, doado pela família justamente para colaborar nas pesquisas sobre o assunto. Parentes sempre cogitaram que os problemas de saúde do ex-jogador tivessem relação com os impactos na cabeça sofridos ao longo da carreira.
O caso de Bellini, que atuou pelo Vasco, São Paulo e Atlético-PR, e faleceu aos 83 anos, foi apresentado no Congresso Internacional de Neuropatologia, no Rio de Janeiro, e levantou uma preocupação para os especialistas: as cabeçadas são prejudiciais à saúde do jogador de futebol? O tema já é bastante discutido nos Estados Unidos, especialmente no futebol americano, esporte em que os choques de cabeça são ainda mais comuns.
Disponível em: http://sportv.globo.com/site/programas/sportv-news/noticia/2014/09/especialista-em-doenca-que-matou-bellini-sugere-fim-das-cabecadas.html
[5] De acordo com o site globoesporte.com, “Kopa iniciou a carreira no Angers, mas foi no Reims que acabou revelado para o mundo. Convocado pela primeira vez para a seleção francesa em 1952, o avante disputou a Copa de 58 já como jogador do Real, caindo para o Brasil na semifinal em um ataque que contava também com Roger Piantoni e o grande Just Fontaine, goleador daquele Mundial com 13 gols (até hoje recorde da competição).
Após cinco temporada defendendo o Reims, Kopa foi para o futebol espanhol, onde atingiu fama internacional. Com a camisa merengue,atuou ao lados de outras lendas do futebol internacional, alinhando na ponta direita de uma histórica linha ofensiva com Alfredo di Stefano, Héctor Rial e Francisco Gento, responsável pelo tri da Liga dos Campeões (1956/57, 1957/58 e 1958/59).
Ídolo no Santiago Bernabéu, Raymond Kopa retornou ao Reims em 1959, encerrando a carreira no clube francês oito anos depois. Pela seleção, foram 45 partidas e 18 gols, conquistando o terceiro lugar no Mundial da Suécia, em 1958.
Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2017/03/lenda-do-real-e-do-futebol-europeu-raymond-kopa-morre-aos-85-anos.html . Acesso em 05.03.2017
[6] Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
§ 1º. A importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
§ 2º. A entidade de prática desportiva é responsável pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere o § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
[7] FILHO, Álvaro Melo – Nova Lei Pelé – Avanços e Impactos – Ed. Maquinaria – 2011 – P. 217.