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O caso Diarra e as movimentações iniciais da FIFA

Nas colunas anteriores trabalhamos a dinâmica do caso Diarra, objeto de julgamento pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no dia 04 de outubro de 2024 e apontado por muitos como tendo potencial para se transformar no novo Caso Bosman, repercutindo o grande esforço dos canais especializados no sentido de se compreender adequadamente o alcance do recente julgado.

Vale repisar, o atleta francês Lassana Diarra rompeu seu contrato com o Lokomotiv Moscou em 2014, no último ano de vigência do mesmo. A DRC da FIFA condenou o atleta a indenizar o clube, como base no art. 17 do RSTP, criado também em resposta ao fim do passe, o qual trata da quebra de contrato sem justa causa. Segundo o referido dispositivo, o atleta responsável pelo rompimento fica sujeito a suspensão por tempo determinado em caso de não pagamento da respectiva compensação financeira, sendo que tal valor passa a ser devido solidariamente com o eventual novo clube do jogador, presumidamente indutor daquele descumprimento contratual. Diarra acabou ficando sem atuar por vários meses (eventuais interessados teriam evitado de contratá-lo por conta do risco de condenação solidária) e demandou o TJUE alegando ter sido vítima do referido sistema de transferências, que seria perverso e teria prejudicado o prosseguimento de sua carreira.

O TJUE deu ganho de causa ao atleta, declarando que o referido art. 17 viola o direito comunitário europeu, especialmente a liberdade laboral e a livre circulação de trabalhadores, além de asseverar que a espera que a FIFA reveja tal regramento, em similar roteiro ao ocorrido no julgamento do caso Bosman. Basicamente, a Corte Europeia reforçou que o atleta não poderia ser impedido de atuar via sanção disciplinar por conta de uma condenação financeira, o que solaparia o direito fundamental ao trabalho e que, indiretamente, poderia estimular o trabalho “forçado”.

De imediato, muito se especulou em torno de qual seria a movimentação da FIFA após o referido julgado. Nossa expectativa se confirmou. Assim como no pós-Bosman, a entidade vem demonstrando claro interesse readequar seus regulamentos. Era natural que o julgamento do TJUE, embora pouquíssimo repercutido nos veículos especializados mundo afora, aos poucos começasse a projetar reflexos na cadeia do futebol mundial comandada pela FIFA.

Eis que, de imediato, a FIFA deu início a tratativas envolvendo as vindouras mudanças regulamentares. Já no dia 18 de outubro de 2024, a entidade anunciou a criação de um fórum global de discussões[1] envolvendo o tema, indicando que o julgamento do caso Diarra pelo TJUE deveria ser encarado como uma oportunidade de engajamento com a comunidade internacional do futebol, no sentido de buscar e repercutir possíveis câmbios regulatórios na dinâmica do art. 17 do RSTP. Num primeiro momento, a iniciativa foi no sentido de convidar importantes stakeholders do futebol mundial, como a Associação de Clubes Europeus (ECA), a FIFPRO e a Associação Mundial de Ligas (WLA), para efeito de analisar as possíveis conclusões que poderiam ser extraídas do julgado.  Em paralelo, a FIFA criou uma plataforma online[2] destinada a acolher sugestões de reforma de eventuais partes interessadas. A consulta ficou aberta até o dia 15 de novembro último. Ao final do mês, a FIFA fechou a consulta e anunciou ter recebido importantes sugestões e feedbacks de ligas, clubes, federações e organizações representativas de todo o mundo, indicando que todas as construtivas visões compartilhadas no fórum serão devidamente consideradas quando da apresentação de um futuro marco legal pela entidade sobre o tema[3], especialmente levando em conta a integridade e regularidade das competições, a composição das equipes, os períodos de registro (janelas), a estabilidade contratual e os legítimos interesses dos atletas.

Na sequência, a entidade máxima do futebol determinou a suspensão dos processos em curso em seu Tribunal envolvendo treinadores e atletas que tenham rescindido seus contratos nos últimos anos de forma unilateral, os quais, em tese, atrairiam a aplicação do art. 17 do RSTP, derrubado pela Corte Europeia. Resta inequívoco que a FIFA, sabiamente, optou pela cautela em momento em que se discute quais normas serão editadas em substituição às atuais, evitando ainda mais insegurança jurídica no sistema de transferências. Some-se a isto o risco de a FIFA ser acionada no futuro no sentido de sua responsabilização por aqueles que pagaram indenizações e/ou foram punidos disciplinarmente em virtude de quebras contratuais ao longo dos últimos anos.

O debate continua. Poderão os atletas, a partir de uma possível nova regulamentação, romper unilateralmente seus contratos com os clubes sem a necessidade de uma compensação financeira? Em caso de persistir a obrigação indenizatória, poderão os atletas sofrer sanções disciplinares (como a proibição de atuar por tempo determinado) como mecanismo de coerção para pressionar pelo pagamento? Ainda é prematuro responder, mas nos aventuramos a supor que a resposta será negativa para ambas as indagações. O desafio regulatório para a FIFA será emendar o RSTP com o escopo de garantir a sempre almejada estabilidade contratual sem violar a liberdade laboral: um equilíbrio difícil. Seguiremos acompanhando e voltaremos ao tema após novos desdobramentos que certamente virão. A caminhada é lenta, mas já começou.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] https://inside.fifa.com/legal/football-regulatory/news/fifa-opens-global-dialogue-on-article-17-of-the-regulations-on-the-status-and-transfer-of-players. Acesso em 04/12/2024.

[2] https://inside.fifa.com/legal/football-regulatory/global-discussion-forum. Acesso em 04/12/2024.

[3] https://inside.fifa.com/legal/football-regulatory/news/fifa-receives-extensive-feedback-possible-modifications-regulations-status-transfer-players. Acesso em 04/12/2024.

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