Em disputa válida pela 15ª rodada do campeonato português, o atleta conhecido como João Palinha recebeu cartão amarelo no final do jogo vencido pelo seu clube, o Sporting, contra o Boavista. Por ter sido o quinto cartão amarelo recebido pelo jogador durante a competição, a penalidade o impediria de disputar o clássico contra o Benfica.
No final daquela partida os jogadores ponderaram com o árbitro, com base nas imagens televisivas, que houve erro no capítulo disciplinar ao mostrar o cartão amarelo, fato este que teria sido confirmado pelo próprio árbitro.
Com base nesta reação do juiz da partida, o clube ajuizou medida perante o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (equivalente a Comissão Disciplinar do STJD no Brasil), no mesmo dia do jogo, com a alegação de que o próprio árbitro teria afirmado que a advertência teria sido desajustada.
O caso não estava sujeito ao protocolo do VAR por não se tratar de uma expulsão direta, mas de advertência com o cartão amarelo. Logo, a postura do árbitro acabou por ser decisiva no embasamento do pedido do time de Alvalade, pois o juiz passaria a ser decisivo no deslinde da controvérsia.
Na sexta-feira (29/01) a Comissão Disciplinar manteve a suspensão do atleta que recebeu o cartão amarelo, mesmo após a oitiva do árbitro que reconheceu o erro, sendo que da decisão foi interposto recurso com pedido cautelar para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), o equivalente ao Pleno do STJD no Brasil.
Tendo em vista que o dérbi com o Benfica seria disputado na segunda (01/02), o TAD não teria tempo hábil para reunir o colegiado para proferir decisão, fato este que autoriza, por força do regulamento, o pronunciamento do Tribunal Central Administrativo do Sul, órgão que integra o Poder Judiciário de Portugal.
Importante frisar que tal situação não seria possível no Brasil tendo em vista que o art. 217 da Constituição Federal[1] assegura competência da Justiça Desportiva para os casos relacionados à disciplina e regras da competição e não admite a intervenção do Poder Judiciário antes de serem esgotadas todas as instâncias. Além disso a intervenção do Estado pode gerar sanções aos envolvidos perante a FIFA. Contudo, de acordo com o regulamento do TAD, o pronunciamento do Poder Judiciário se fez possível, nesta hipótese, pela ausência de tempo hábil para reunir o colégio.
Algumas horas antes da realização da partida o Sporting tomou ciência da decisão do Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul, que julgou procedente o pedido de aplicação de medida cautelar formulado pelo atleta para suspender a eficácia da decisão que lhe aplicara um jogo de suspensão. Desta forma, João Palinha participou do jogo (e foi substituído, no segundo tempo, por Matheus Nunes, que fez o gol da vitória).
Em situações como a presente o ideal é que a Justiça Desportiva manifeste o seu entendimento, com a celeridade que estes casos requerem, com o exaurimento integral de suas instâncias.
No Brasil, já houve discussões jurídicas contra decisões tomadas por árbitros em partida. Nestes casos são recorrentes os exemplos de “erro de fato” e “erro de direito”.
Uma partida é passível de anulação quando o árbitro comete um erro de direito, ou seja, quando é intencional e ele demonstra desconhecimento das regras. À título de exemplo: anular um gol feito diretamente da cobrança de escanteio; permitir que um gol seja marcado, após a cobrança de tiro livre, pelo menos jogador que tocou duas vezes na bola sem que outro jogador, companheiro ou adversário, o faça; validar um gol feito após a cobrança de pênalti, em que a bola bate na trave e volta para o mesmo jogador, que faz o gol[2].
O erro de fato, cuja partida não é passível de anulação, ocorre quando o árbitro tem uma “falsa” observação visual, o que leva a crer em uma realidade que não é verdadeira. Por exemplo: validar um gol impedido; apitar pênalti por “ter visto”, e não “ter acontecido”, um toque do zagueiro; validar um gol em que a bola corre por toda a linha do gol, não entra, mas o árbitro diz que entrou; dar escanteio quando foi visível que a bola foi tocada por um atacante e não por um zagueiro.
Exemplo típico de erro de fato é o gol de mão do argentino Diego Maradona contra a Inglaterra na Copa do México, em 1986.
Desta forma, o cartão amarelo recebido pelo atleta João Palinha parece se enquadrar na hipótese de erro de fato, mesmo com o reconhecimento de atitude equivocada pelo juiz, fato este que, no Brasil, poderia ensejar denúncia contra o árbitro por parte da Procuradoria desportiva (ou pelo prejudicado) com consequente punição.
É prudente que a Justiça Desportiva não seja uma instância recursal para julgar erros de fato dos juízes responsáveis por apitar as partidas, sob pena de ensejar uma enxurrada de medidas pleiteando a revisão de resultados em campo.
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[1] Art. 217 (…) § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
[2] Disponível em: https://www.lance.com.br/todos-esportes/lancenet-explica-entenda-sao-erro-fato-erro-direito-futebol.html. Acesso realizado em 02.02.2021