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O caso Pedro e as lesões dos atletas nas datas FIFA

 Na última quarta-feira, dia 04 de setembro, durante o período da famigerada data FIFA, houve a divulgação da triste notícia de que atleta Pedro, do Flamengo, rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo (ACL) em um treinamento quando estava cedido à Seleção Brasileira, o que o deixará fora de combate por cerca de 10 meses. Imediatamente, como não poderia deixar de ser, o caso reacendeu o debate sobre a necessidade de reorganização do calendário do futebol mundial, a redução das datas FIFA e a difícil situação dos clubes que cedem seus atletas às seleções nacionais e os mesmos retornam lesionados.

Não é de hoje que o debate envolvendo o excesso de jogos e a saúde dos atletas acaba cedendo espaço frente a interesses econômicos maiores das Ligas e Federações mundo afora. Ao longo dos últimos anos, a FIFA vem encorpando o calendário de jogos internacionais, dificultando a vida dos clubes que precisam ceder seus atletas (sob pena de sofrerem pesadas sanções do sistema associativo) em prejuízo do seu planejamento e dos investimentos feitos para a formação de seus plantéis. Atualmente, com o total de jogos por ano, temos em média cerca de 1 jogo de seleções por mês.

Certamente muitos ficaram estupefatos com o fato de que, mesmo após a realização da Eurocopa, da Copa América (sem paralisação do Campeonato Brasileiro) e dos Jogos Olímpicos, já haveria uma nova data FIFA em setembro e outra em outubro, praticamente repetindo os mesmos embates das referidas competições continentais. Isto vem tornando as partidas desinteressantes e fazendo com que o amante do esporte volte cada mais vez suas atenções ao futebol de clubes. Simplesmente foi quebrado o velho encanto que o torcedor tinha ao assistir às partidas de sua seleção em poucas oportunidades durante o ano e que era acentuada de dois em dois anos com realização da Copa do Mundo e das copas continentais, em confrontos realmente interessantes.

A FIFA inflaciona o calendário, mas seu esforço deveria ser o oposto, sobretudo diante do incremento da “farra de vagas” para a Copa do Mundo. As eliminatórias sul-americanas, por exemplo, envolvem 10 seleções que disputam, na prática, 7 vagas! E para tal, as seleções disputam um torneio de ida e volta com 18 rodadas, durante 2 anos! Por qual razão as copas continentais não poderiam também funcionar como etapa classificatória para a Copa do Mundo, ainda que mudanças no formato de disputa fossem necessárias? Na Europa, por exemplo, temos a disputa da Eurocopa em si, eliminatórias da Euro, eliminatórias da Copa do Mundo, Nations League e amistosos internacionais, fora a Copa do Mundo. Quem suporta isso? Os mesmos confrontos over and over again

Assim, como afirmado, é inexorável que torcedor deixe de ter o velho orgulho quando um atleta do seu clube é convocado. Como o calendário do futebol doméstico que também é inflado, o torcedor passa a torcer pela não convocação dos jogadores que atuam por seu time de coração e passa a acompanhar os jogos internacionais muitas vezes apenas para conferir se os atletas estão saudáveis e para verificar a minutagem e o desgaste de cada um. Chegamos ao fim do poço.

O caso Pedro jogou ainda mais luz nessa problemática, pois o calendário inchado aumenta as chances de lesões. Os prejuízos ao clube empregador são infindáveis. O Flamengo perderá o atleta no momento decisivo e crucial desta temporada e ainda pela metade da próxima. O jogador, com a lesão, acabou de “perder” a oportunidade de renovação de seu contrato com aumento de rendimentos, pois as conversas que já aconteciam nesse sentido foram congeladas. O clube também tinha acabado de recusar uma proposta milionária de um clube inglês que buscava a contratação do atleta. Como a lesão aconteceu ao fim da janela de transferências, as possibilidades de reposição em nível similar de qualidade são remotas. E o pior. A Seleção Brasileira e a CBF sequer tiveram o trabalho do operar o atleta, que foi devolvido ao clube como se fosse uma “mercadoria com defeito”, que agora terá de arcar com todos os custos envolvendo a cirurgia e recuperação do atleta.

Em situações como esta, é comum a indagação: o clube que recebe o atleta lesionado após uma data internacional tem direito a algum tipo de proteção ou reparação, já que foi obrigado a cedê-lo? A resposta é positiva. Porém, a reparação é notoriamente insuficiente.

No âmbito doméstico, a Lei Geral do Esporte (art. 92) reafirma a liberação obrigatória dos atletas convocados para as seleções nacionais (ratificando o previsto no anexo 1 do RSTP da FIFA), estabelecendo que a organização esportiva convocadora (CBF) indenizará a cedente (clube) pelos encargos trabalhistas do atleta desde a cessão até que ocorra sua efetiva reintegração e o mesmo esteja apto a jogar, o que não vem sendo cumprido até então, conforme apurado pela imprensa[1]. Haveria uma espécie de acordo de cavalheiros em curso para que não ocorra a efetiva cobrança por parte dos clubes, já que a CBF é credora de muitos deles e em certas situações deixa de cobrar taxas sobre a receita bruta das partidas disputadas nos torneios que organiza. O Flamengo já divulgou que “correrá atrás” de sua indenização. De qualquer maneira, a indenização só contemplaria a verbas trabalhistas stricto sensu (CLT), não abrangendo os valores a título de direito de imagem.

A FIFA também avoca para si os encargos trabalhistas durante o período de convocações e conta com um Programa de Proteção dos Clubes para o caso de os atletas sofrerem lesões durante o período de compromissos internacionais com as seleções. Na versão atual, que vigora até 2026, os clubes cedentes são indenizados caso a eventual lesão sofrida deixe o atleta fora de ação por mais de 28 dias consecutivos, sendo que o ressarcimento é baseado no salário fixo do jogador e não cobre gastos do tratamento médico, valendo tanto para o futebol profissional masculino quanto feminino. A compensação máxima é de 7,5 milhões de euros por jogador, desde que os atletas não tenham se apresentado às seleções já lesionados (mesmo que a lesão seja agravada).

Enfim, à luz do exposto, salta aos olhos a constatação de que as reparações são mínimas em verdade, pois o prejuízo esportivo é irrecuperável. A nosso ver, caso um atleta fique fora de combate por 1 ano e o clube tenha investido na aquisição de seus direitos econômicos para um contato de 5 anos, por exemplo, 20% do valor investido também deveria ser ressarcido, além dos salários lato sensu e despesas médicas.  As Federações ganham muito dinheiro com a seleções, venda de direitos televisivos e exploração da exposição dos atletas. Poderiam avançar mais na reparação. Nos moldes atuais, sua atuação acaba sendo parasitária. Sugam os clubes e pouco devolvem. É hora da virada. E os clubes precisam e devem pressionar por mudanças, pois possuem muito mais poderes na cadeia associativa do que julgam ter. No mundo globalizado, a “vitrine” das seleções não compensa mais.

Crédito imagem: CBF/Divulgação

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[1] https://oglobo.globo.com/esportes/por-que-cbf-nao-paga-clubes-por-convocados-selecao-o-que-acontece-quando-ha-lesoes-24735287. Acesso em11/09/2024.

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