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O Caso Tandara Vs. Praia Clube

No dia 18 de junho de 2020 a SBDI-I/TST julgou o recurso de embargos em interessante caso que tinha como partes a atleta de vôlei Tandara Alves Caixeta e o Praia Esporte Clube (E-RR 11105-22.2015.5.03.0104).

Lamentavelmente a mais alta instância recursal trabalhista não analisou o mérito da questão tendo em vista que foi dado provimento aos Embargos de divergência da atleta para reconhecer a deserção do Recurso de Revista do clube, na medida em que o depósito recursal não foi comprovado no prazo do recurso, em contrariedade ao disposto na Súmula 245 do TST.

Não há dúvidas de que o TST é uma Corte extraordinária e que está adstrita a certas formalidades processuais. Contudo, em pleno século XXI não é crível que formalismos que lembram as Ordenações Manuelinas e Filipinas ainda se sobreponham a questões de vital importância.

Desde o dia 22 de setembro de 2014 está em vigor a Lei n.º 13.015/2014, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para estabelecer moderna sistemática acerca do processamento de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho.

O excesso de formalismo que caracterizou a jurisprudência do TST na última década deveria ser extirpado com a introdução do parágrafo 11 do artigo 896 da CLT, que permite que o órgão julgador, no exame do Recurso de Revista, supere o defeito formal “que não se repute grave”, para adentrar ao mérito da impugnação. Portanto, trata-se de uma previsão salutar que vai de encontro com a denominada “jurisprudência defensiva”, ou seja, decisões que vinham sendo tomadas pelos Tribunais do Trabalho no sentido de se obstar conhecimento de recurso “defeituoso”, sob o pretexto de se prestigiar a celeridade processual.

Infelizmente não foi este o entendimento da Corte que deixou de se manifestar acerca de importante tema relacionado ao contrato de licença de cessão de uso de imagem.

Em razão de suas peculiaridades faz-se necessária trazer ao público a discussão constante dos autos do processo em destaque.

O recurso da atleta tinha como finalidade a reforma da decisão da 5ª Turma/TST, que no ano de 2017, proveu o Recurso de Revista do clube, após ultrapassadas filigranas processuais, para que fosse declarada a validade do contrato de cessão de uso da imagem nos moldes em que foi celebrado, tendo sido afastada a natureza salarial do valor pago a este título.

O presente caso guarda peculiaridades na medida em que o acórdão regional, ao prover o recurso ordinário da atleta e declarar a nulidade do contrato de licença de uso de imagem, havia entendido que houve desvirtuamento do instituto em razão de dois fundamentos. O primeiro por não haver vinculação da imagem da atleta em campanhas publicitárias. O segundo residia na discrepância entre os valores recebidos pela exposição da imagem que eram em montante superior a 99% da renda auferida pela jogadora, fato este que, por si só, seria suficiente para atrair a incidência do art. 9º da CLT.

A ementa da decisão da Turma é contundente ao estabelecer que:

“é possível a celebração, paralelamente ao contrato especial de trabalho desportivo, de um contrato de licença do uso de imagem, consistindo este num contrato autônomo de natureza civil, conforme disposto no artigo 87-A da Lei n.º 9.615/98. Mediante o referido contrato de licença do uso de imagem, o atleta, em troca do uso de sua imagem pela entidade de prática desportiva que o contrata, obtém um retorno financeiro, de natureza jurídica não salarial.

Insta ressaltar que a decisão da Turma procedeu a transcrição do acórdão regional no qual demonstrava que atleta havia sido admitida em 05/06/2014 ocasião na qual celebrou o contrato de trabalho, com salário de R$ 812,05 e o segundo de licença de cessão de sua imagem, firmado em 01/07/2014, no valor de R$ 98.891,55, sendo este último celebrado com a pessoa jurídica que havia constituído com o seu marido e também atleta Cléber Mineiro.

Ambos os contratos tinham prazo determinado, sendo o primeiro com término previsto para 30/04/2015 e o segundo em 31/05/2015. Ocorre que em dezembro de 2014 a atleta ficou grávida, sendo que após o término do contrato de cessão de imagem o clube optou pela não renovação e arcou com o pagamento do salário (previsto em contrato de trabalho) até o fim do período estabilitário.

Concluiu, portanto, o TRT da 3ª Região que houve fraude trabalhista na celebração do contrato de cessão da imagem da atleta com a finalidade de mascarar a natureza salarial da parcela.

Em que pese a conclusão adotada pelo TRT, os elementos trazidos na decisão permitiram um correto enquadramento jurídico procedido pela Turma do TST sem que houvesse revolvimento de fatos e provas (o que seria vedado pela Súmula n.º 126/TST).

Tal fato se constata da decisão tendo em vista que foi confirmada a realização das seguintes campanhas publicitárias: a) fotos que demonstram a exposição da atleta em jogos e entrevistas, que evidenciam, ao fundo e nas camisetas, os nomes dos patrocinadores; b) divulgação de imagens em locais públicos com a apresentação de todas as jogadoras, com vinculação dos patrocinadores; c) publicidades com aposição das logomarcas das patrocinadoras; d) participação de eventos da marca Dentil.

Constou da decisão que não houve discussão acerca do estado gravídico da atleta e eventual óbice desta se projetar em razão de sua condição, não havendo, de igual sorte, nenhuma tese acerca de discriminação de gênero ou afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual a invocação deste tema, nestas circunstâncias, carece da boa técnica processual inerente a atuação em instância extraordinária.

Restou afirmado que o contrato de imagem era, de fato, estipulado em valor muito superior ao de trabalho, o que se fazia plenamente justificável em razão da notoriedade que envolvia a atleta, detentora de inúmeros títulos e recordes mundiais e olímpicos.

Interessante destacar que a decisão refutou o fundamento do TRT no sentido de que não teria havido “campanhas publicitárias”, tendo em vista que tal fato não teria o condão de tornar nulo o contrato de imagem celebrado, em razão de determinação legal neste sentido, mas tão somente a exploração da imagem (nesta incluídos o nome, apelido desportivo e voz.

Outrossim, a suposta ausência de utilização da imagem da atleta, por si só, não bastaria para caracterizar o ilícito contratual, tendo em vista que a entidade de prática desportiva pode ficar inviabilizada de fazer esta promoção em publicidade ou campanha.

Por fim, restou consignado que não se pode presumir a fraude, devendo esta ser robustamente comprovada e demonstrada, salvo nas hipóteses excetuadas pela legislação.

O caso em destaque é tão relevante que serviu de fundamento para provimento do recurso[1] do atleta Frederico Chaves Guedes no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Naquele procedimento o atleta havia sido autuado pela Receita Federal, pois além de receber salários do Fluminense, mediante contrato de trabalho desportivo, o jogador era beneficiário de remuneração decorrente da cessão de sua imagem cedidos ao próprio empregador e à UNIMED-Rio.

No relatório fiscal constou que a participação da pessoa jurídica nos contratos serviu para mascarar a real remuneração do jogador e obter benefícios fiscais. Além disso, se entendeu que apenas um dos sócios cedeu o direito de exploração de sua imagem, razão pela qual o art. 129 da Lei n.º 11.196/2005 somente seria aplicável se todos os sócios fossem atletas.

Os referidos argumentos foram refutados pelo relator que proveu o recurso do atleta e asseverou que a exploração da imagem do atleta ocorreu de forma lícita, além de representar em significativo aumento do número de sócios torcedores do clube empregador.

Desta forma, não se pode perder de vista que a natureza do contrato de cessão do direito de uso da imagem do atleta é civil por excelência, à luz da Constituição Federal e do Código Civil de 2002[2].

Paralelamente ao contrato especial de trabalho desportivo é plenamente possível a celebração, de forma harmônica e independente, de um contrato de licença do uso de imagem, consistindo este num contrato autônomo de natureza civil, conforme disposto no artigo 87-A da Lei n.º 9.615/98.

Caso haja o desvirtuamento da finalidade do contrato de licença de cessão da imagem do atleta, esta deverá ser robustamente provada, não havendo que falar em presunção, sob pena de contrariedade aos princípios de boa-fé que regem o Código Civil.

Lamentavelmente, a SBDI-I do TST perdeu a oportunidade de se manifestar acerca de importante tema tendo em vista as amarras processuais ainda em vigor na jurisprudência.

[1] Processo n.º 15586.720494/2014-90

[2] Assertiva do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, Presidente da ANDD, constante do acórdão TST-RR 11105-22.2015.5.03.0104 – fls. 36/37.

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