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O caso Victoria Lee: a importância da saúde mental dos atletas nos esportes de combate

Para a campeã de artes marciais mistas Angela Lee, a dor da perda de sua irmã mais nova, Victoria Lee, é insuperável. Aos 18 anos, Victoria tirou a própria vida em 26 de dezembro de 2022.

A saúde mental é um assunto que está no coração de Lee. Recentemente, a jovem ex-campeã peso átomo do ONE Championship, de 27 anos, revelou que seu acidente de carro no Havaí em 2017 foi uma tentativa de suicídio e não um acidente.

A pessoa mais jovem a se tornar campeã mundial de MMA, aos 19 anos de idade, Lee estava lutando para chegar ao peso necessário para uma defesa de título em 2017 no ONE. Ela bateu o carro em novembro daquele ano e foi resgatada por motoristas que passavam.

Seis anos depois, Lee disse que estava em um “lugar muito escuro” e se sentia muito sozinha.

“Senti que estava lidando com muita pressão. Ao mesmo tempo, sentia que não podia falar sobre isso nem dizer nada a ninguém. Isso fez com que eu batesse meu carro de propósito… deixando nas mãos do destino o que aconteceria comigo, e eu simplesmente não me importava naquele momento.” (tradução livre)

Lee, que agradeceu o apoio de seu marido à época, o brasileiro e lutador Bruno Pucci, relatou que optou por compartilhar sua história após a morte da irmã mais nova, o que a levou a criar a instituição de caridade sem fins lucrativos Fightstory[1].

“Fightstory foi inspirada em Victoria e na vida notável que ela teve com apenas 18 anos. Fightstory é tanto dela quanto minha. É algo que criamos juntas para salvar vidas e tentar tornar o mundo um lugar melhor. Queremos que as pessoas saibam que, embora você possa se sentir solitário em sua luta contra a saúde mental, você não está sozinha.”

Lutadores enfrentam muita pressão para ter um desempenho de alto nível. Os esportes de combate são altamente competitivos e espera-se que os lutadores coloquem tudo em jogo quando entram na arena de luta.

Essa pressão pode se manifestar de várias formas, incluindo ansiedade, medo e dúvida. Além disso, os lutadores também estão sob constante escrutínio da mídia, dos fãs e de seus treinadores, o que pode aumentar seus níveis de estresse.

Os lutadores correm o risco de sofrer lesões cerebrais traumáticas, que podem levar a condições como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Além disso, os lutadores também podem sofrer de dor crônica devido a lesões, o que pode levar à depressão e à ansiedade[2].

A saúde mental continua sendo amplamente estigmatizada na cultura esportiva, apesar dos esforços para conter esse fenômeno. Assim, os atletas que sofrem de problemas de saúde mental continuam a sofrer em silêncio, perguntando-se o que há de errado com eles, por que não podem “simplesmente ser felizes/agradecidos/gratos”, sentindo-se solitários e perdidos.

No entanto, ficamos chocados e surpresos quando ouvimos a notícia de que um atleta estudado morreu por suicídio. Embora os primeiros estudos tenham identificado o atletismo como um fator de proteção para a consideração, o planejamento e a tentativa de suicídio (Brown & Blanton, 2002), descobertas mais recentes mostram um aumento na prevalência de suicídio entre estudantes-atletas universitários.

Um estudo com estudantes-atletas universitários constatou que aqueles que relataram uma identidade “atleta” mais forte também tinham maior probabilidade de ter feito uma tentativa de suicídio (Miller & Hoffman, 2009). Em um estudo nacional de nove anos, o suicídio representou 7,3% (35/477) de todas as mortes entre estudantes-atletas da NCAA (Ashwin et al., 2015). Embora o suicídio entre estudantes-atletas seja menor do que a média nacional de estudantes universitários, ele ainda é um resultado prevalente e evitável no esporte.

Recentemente, Conor Benn, ex-campeão mundial de dois pesos no boxe, falou sobre seus problemas de saúde mental após testar positivo para drogas e o subsequente cancelamento de sua luta contra Chris Eubank Jr.

Benn confessou que o cancelamento do tão esperado confronto três dias antes da data marcada foi um pesadelo para ele. Ele admitiu estar se sentindo suicida e soluçando na maioria das noites, revelando que achava que não veria outro dia. O boxeador também revelou que lutou emocionalmente por dois meses e teve terrores noturnos e ataques de pânico.

Benn revelou ainda que os comentários negativos que recebeu nas mídias sociais pioraram sua saúde mental. Ele citou comentários racistas dirigidos ao seu filho e à sua família, acrescentando que tinha vergonha de sair de casa.

Apesar de ter sido inocentado de doping intencional pelo Conselho Mundial de Boxe, Benn enfrentou abuso implacável nas mídias sociais. Ele, no entanto, esclareceu que não culpava a mídia social por suas dificuldades, mas sim a vergonha que sentia ao sair de casa.

Um estudo[3] aponta que a questão do suicídio em atletas de luta é um problema constante no campo da luta livre, mas há uma clara invisibilização do problema na mídia especializada e uma banalização do conceito, além de uma proximidade histórica nesses contextos com os discursos de extremo vigor, controle mental, respeito rígido às hierarquias, dificuldades em compartilhar emoções e também com a reprodução de estereótipos de gênero que podem ter consequências negativas na saúde mental dos atletas masculinos e femininos.

Tal estudo afirma que a mídia é fundamental, pois tem influência significativa na opinião pública, mas a pesquisa mostra a necessidade de maior conscientização e atenção na divulgação de notícias relacionadas a esse tema. Isso pode contribuir para uma maior compreensão do problema do suicídio em atletas de luta e da necessidade de abordá-lo de maneira adequada, além de ajudar a desenvolver estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes para abordar a questão do suicídio nesse campo específico.

Conclui o estudo que é necessário aprofundar a questão a partir de uma abordagem multidisciplinar e sensível ao gênero, e abordá-la a partir da perspectiva dos próprios protagonistas: os atletas. Ao ouvir suas narrativas por meio de técnicas de pesquisa qualitativa, seria possível aprofundar o problema e trabalhar na prevenção, uma vez que, ao utilizar recortes ou notícias produzidas pela mídia especializada em lutas, pode haver um viés na linguagem jornalística que busca promover determinados discursos em detrimento de outros.

Em uma despedida no sábado, 30 de setembro de 2023, no evento ONE Fight Night 14, no Singapore Indoor, Angela Lee anunciou sua aposentadoria do esporte:

“A última coisa que quero dizer é isso, para os lutadores e para todos que estão assistindo agora. A maior batalha que enfrentaremos não será com um adversário na nossa frente. A maior batalha será dentro de nós mesmos. Todos nós passamos por dificuldades, mas todos nós lutamos. Todos os dias, somos vitoriosos quando decidimos nos erguer diante da adversidade. Portanto, muito obrigado a vocês. Eu amo vocês. Obrigado a vocês”. (tradução livre)

Crédito imagem: Onefc.com/Divulgação

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


REFERÊNCIAS

Simmons, A., & Ross-Nash, Z. (2022, May). Athletes, perfectionism, and suicide. [Web article]. Retrieved from http://www.societyforpsychotherapy.org/athletes-perfectionism-and-suicide

[1] COMBATE.COM. ONE: Angela Lee revela tentativa de suicídio, e confirma que irmã tirou a própria vida. GE, Site, 19 set. 2023. Disponível em: https://ge.globo.com/google/amp/combate/noticia/2023/09/19/one-angela-lee-revela-tentativa-de-suicidio-e-confirma-que-irma-tirou-a-propria-vida.ghtml. Acesso em: 1 out. 2023.

[2] G. David Batty, Philipp Frank, Urho M. Kujala, Seppo J. Sarna, Jaakko Kaprio medRxiv 2022.11.11.22282212; doi: https://doi.org/10.1101/2022.11.11.22282212

[3] Camilo, J. A. de O., de Moraes, R. D. de M., do Nascimento, J. S., & Galán, C. H. (2023). El tratamiento del suicidio de deportistas de artes marciales en los medios digitales (The treatment of suicide of martial arts athletes in digital media). Retos, 49, 603–613. https://doi.org/10.47197/retos.v49.98425

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