A Justiça carioca determinou que a partida final da Taça Guanabara entre Vasco e Fluminense fosse disputada com portões fechados, ou seja, sem a presença de torcedores. A decisão teve como fundamentos a ausência de previsão contratual para setorização das torcidas e o risco de conflitos.
Antes de adentrar no mérito da decisão, deve-se destacar que a pendenga se iniciou quando o Fluminense manifestou insatisfação por não ter sua torcida no setor sul do Maracanã. Do ponto de vista mercadológico, prático e de gestão de um evento, há completa falta de sentido na discussão sobre setores de torcida. O importante é que seja feito um plano de ação, nos termos do Estatuto do Torcedor, e que a segurança seja garantida.
No que diz respeito à mencionada decisão, ela aponta total desconhecimento do Direito Desportivo por parte do julgador.
Ora, o art. 217 da Constituição Brasileira, no inciso I, assegura a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento, e o §1º, por sua vez, estabelece que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após se esgotarem as instâncias da Justiça Desportiva.
O Estatuto do Torcedor, por sua vez, no art. 3º, dispõe que os fornecedores do evento são a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.
Portanto, questão atinente à presença de público e organização quanto a mandante ou visitante é das entidades desportivas organizadora e mandante de forma autônoma, o que enseja a falta de interesse de agir no Poder Judiciário.
Inclusive, o Regulamento Geral das Competições da Ferj, no art. 16, confere à sua Diretoria de Competições organizar, dirigir, administrar e superintender as competições, praticando todos os atos de natureza técnica e administrativa necessários para as partidas.
O art. 19 do mesmo Regulamento estabelece as regras de segurança, portanto, qualquer decisão de jogo com portões fechados deve ser tomada no âmbito da Ferj ou por imposição da Justiça Desportiva.
Além disso, na demanda judicial em questão, a Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) nem sequer é indicada como parte, o que ensejaria, de plano, a necessidade de sua inclusão no polo passivo da demanda, para análise da liminar.
A determinação para que a partida ocorresse sem torcedores causou imenso tumulto e violência nas imediações do estádio, ou seja, além da decisão judicial não ter atingido o seu objetivo, acabou por causar violência.
Trata-se de mais um caso que demonstra a necessidade do manejo do Direito Desportivo por pessoas que conheçam da matéria. A referida disciplina precisa ser incluída como obrigatória nos cursos de direito, na prova da OAB e nos concursos públicos para Ministério Público e Magistratura.
Ao contrário do que quer fazer parecer o senso comum, as questões do esporte são fruto de intensos estudos científicos, e as decisões, ainda que eivadas de boas intenções, tomadas sem o devido conhecimento trazem resultados avassaladores para clubes, torcedores e demais envolvidos.
A popularidade do futebol faz que todo torcedor, magistrado, advogado ou não, se sinta confortável para pitacos jurídicos, o que não ocorre, por exemplo, em questões de Direito Minerário, Naval ou Ambiental.
Portanto, à César o que é de César, e ao Direito Desportivo o cunho científico de que ele necessita e que é tão defendido e difundido pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, pela Academia Nacional de Direito Desportivo, pelo Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e por várias outras entidades regionais, como o Instituto Mineiro de Marketing, Gestão e Direito Desportivo, o qual tenho a honra de presidir.