Pesquisar
Close this search box.

O clube que ia virar empresa

Era preciso modernizar. Foi o que disse o presidente vindo lá do corredor pra reunião de conselho. “Não vai ter outro jeito”. “Já estão todos fazendo”. A solução pra crise era abrir o capital do clube pra uma empresa investir. Virar uma sociedade empresária. Deixar de ser associação. É verdade que tem coisas que só se viam na associação. Sem fins lucrativos, lá o presidente ou era amador ou era ladrão. Se não podia ganhar pelo ofício de presidir, aquilo não era trabalho. Era hobby. E por isso era amador. Se ganhava, não podia. Então roubou. E por isso era ladrão. Com a modernização, ia ser diferente. O clube ia sair da mão do sócio pra mão do empresário. Contratar um gestor profissional. Receber investimentos. Distribuir lucros. Derrubar o estádio. Mudar de casa. Difícil ia ser contar isso pro Ventura, que acordava de manhã menos porque era ascensorista do Edifício Lellis, e mais porque em dia de jogo era dono da cadeira nº 16. Bem na beirinha do campo. Era coisa importante ter a cadeira na beirinha do campo. Logo no comecinho da escada, do lado esquerdo de quem entra. Um bloco de cadeiras numeradas com nome e sobrenome. O Ventura sentava ali desde a idade em que ainda não alcançava o balcão pra pegar o refresco que vinha com o tíquete pra entrar no jogo. De lá, sentado, jogava mais do que muito atleta no campo. Só com os olhos, ganhou quantos campeonatos. Não sabia, mas seu santuário estava com os dias contados. A demolição fazia parte do projeto de modernização. Não havia outro jeito. A casa ia virar arena. Na reunião de conselho, onde o Ventura não participava, tinha quem dissesse que era melhor ter parcimônia. A promessa era boa, mas do Velho Continente (onde as coisas começam primeiro) já voltavam histórias do fiasco. Teve lugar em que empresa chegou, prometeu, e não cumpriu. No final, sobrou tanta dívida que os associados tiveram que criar outro clube, com o mesmo nome do primeiro. Agora, o torcedor tinha dois times disputando o campeonato nacional. A federação só autorizou porque o recém-criado ia ter que começar da última divisão. De nada adiantou arrancar as cadeiras numeradas, que agora estavam à venda na internet. E assim discutiam. O futuro, decidido em uma sala. Pobre Ventura. Entre ficar ou mudar, não podia nem opinar.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.