Na última semana, o tivemos a notícia de que o Presidente Lula sancionou a Lei 15.032/24, que estabelece diretrizes para prevenir e combater abusos sexuais contra crianças e adolescentes em ambientes esportivos e educacionais. Trata-se de importante iniciativa interna no sentido de que as entidades implementem medidas de conformidade na proteção de direitos humanos relativos a crianças e adolescentes, que são claramente mais vulneráveis a condutas abusivas. A inovação legislativa acaba por caminhar ao encontro de esforços internacionais implementados ao longo dos últimos anos.
No plano internacional, a FIFA efetivou e tornou mandatório, a partir do final de 2010, o sistema TMS (Transfer Matching System) para efeito de controle e registro das transações internacionais, assegurando transparência e segurança ao mercado de transferências. O referido sistema contribui indiretamente na missão assumida pela entidade no sentido de coibir o tráfico de menores via futebol, que é um desafio internacional muito sério e que resvala na questão do abuso sexual. Além do mais, a FIFA também passou a prever (e a atualizar constantemente) no seu RSTP regras sobre formação esportiva e transferência internacional de menores, estabelecendo, por exemplo, a restrição a transferências internacionais de menores de 18 anos (e as respectivas exceções). O tema está no radar há muitos anos, fazendo com que a clara prioridade seja a proteção integral e o desenvolvimento educacional e humano dos jovens, viabilizando o crescimento técnico dos atletas sem olvidar da esfera cidadã.
No Brasil, a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), a reboque daquilo que, em linhas gerais, já era previsto na Lei Pelé, prevê, no art. 99, a figura do Certificado de Clube Formador (CCF), cuja emissão fica a cargo da CBF no caso do futebol, condicionada à comprovação de que o clube forneça e garanta, por exemplo, programas gratuitos de treinamento nas categorias de base, mantenha corpo de profissionais especializados em formação técnico-esportiva, complementação educacional, inscrição dos atletas em competições oficiais, apoio médico, psicológico, fisioterapêutico e odontológico, alimentação, transporte e convivência familiar, instalações adequadas, especialmente em relação a alimentação, higiene, segurança e salubridade, além de instituir ouvidoria com o escopo de receber denúncias de maus tratos e exploração sexual. Como novidade, certamente motivado pela tragédia do Ninho do Urubu, em 2019, o legislador também passou a subordinar a possibilidade de manutenção de alojamentos em suas instalações à apresentação do certificado pelas agremiações. O CCF é requisito para que os clubes se habilitem para fins de recebimento do mecanismo de indenização por formação.
A partir do exposto, é possível visualizar que a nova lei não revoluciona o ambiente esportivo, pois já havia previsões sem sentido simular em âmbito nacional e internacional, mas cumpre papel importante no sentido de chamar atenção da opinião pública para tema tão sensível e de forçar uma mobilização ainda maior da cadeia esportiva, especialmente pelo fato de encarar a questão abuso sexual sobre outro viés, qual seja, o da destinação de recursos públicos.
A Lei 15.032/24, que ainda cumprirá vacacio de 6 meses, tem o escopo central de condicionar a transferência de recursos públicos da administração direta e indireta à assinatura e efetivo cumprimento de termo de compromisso de adoção de medidas de proteção de crianças e adolescentes contra abusos e quaisquer formas de violência sexual (art. 1º).
O novo diploma altera a Lei Geral do Esporte no art. 36, que regula as contrapartidas na gestão esportiva e as condições para que as entidades desportivas (seja de prática ou de administração) sejam beneficiadas com repasses de verbas públicas. Dentre os referidos condicionantes, foi agregado o inciso XIII, que prevê que junto ao órgão público (lato sensu) provedor de recursos, inclusive de patrocínio, a entidade desportiva assine e cumpra o antes referido termo de compromisso, o qual deverá conter obrigações como o apoio a campanhas educativas, qualificação dos profissionais envolvidos no treinamento esportivo de crianças e adolescentes para atuação preventiva em relação a abusos, adoção de providências para prevenção de tráfego de atletas, instituição de ouvidoria para fins de recebimento de denúncias de maus tratos e de exploração sexual de menores, esclarecimento aos pais das condições às quais são submetidos seus filhos nas escolas de formação de atletas e prestação de contas anual ao Ministério Público e aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente (incumbidos da fiscalização) sobre o efetivo cumprimento das referidas obrigações.
Ao estabelecer como contrapartida ao recebimento de verba pública (e, vale lembrar, grande parte dos clubes e Federações recebem patrocínio público) uma atuação concreta voltada ao combate do abuso sexual, as entidades desportivas precisarão (e já precisavam, diga-se!) efetivar projetos internos de compliance para efeito de adequação às antigas e às novas exigências. Para aqueles que já tinham avançado na implementação de programas próprios de conformidade, pouco muda, à exceção da necessidade de assinatura do termo de compromisso referido na lei. Caso contrário, terão de recuperar o tempo perdido, sob pena de ocorrer a suspensão do repasse da verba pública ou o encerramento dos contratos de patrocínio, dos quais muitos não podem abrir mão.
Como se nota, o legislador está buscando induzir uma mudança de rumos, seja pelo amor seja pela dor. As entidades desportivas terão de se adequar, quer por motivos nobres quer egoísticos. O importante é os almejados avanços no combate aos maus tratos e ao abuso sexual de menores sejam alcançados. Os clubes possuem vidas em suas mãos. Destinos. Não raro o ambiente é opressor e abusivo para crianças e adolescentes, os quais caminham em busca de seus sonhos em total desamparo, sem informações, com falta de estrutura familiar adequada e sem ter a quem recorrer.
Que nossas crianças tenham seu futuro cuidado com o carinho que elas merecem. A boa notícia é que a intervenção legislativa operou para além do campo simbólico. Foi um golaço de placa. Seguiremos de olho.
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