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O Contrato de Cessão de Imagem e a polêmica dos “40%”

Na última semana foi veiculada a notícia[1] na qual o atleta de futsal Tiago, que defende o Corinthians, postulou a rescisão indireta do contrato de trabalho em razão do alegado descumprimento de obrigações contratuais trabalhistas e fraude relacionada ao contrato de cessão do uso de sua imagem.

Na reclamação trabalhista o goleiro afirmou que o Corinthians não utilizava a sua imagem comercialmente. De acordo com a notícia do site Lei em Campo, “40% dos vencimentos de Tiago eram pagos por meio de um pseudocontrato de imagem e que na prática a exploração de imagem nunca existiu, e os valores que foram contratados sempre remuneram a única atividade profissional exercida pelo Reclamante, atleta profissional. Sendo assim, os valores pagos sob o falso título de direito de imagem deverão integrar a remuneração do Reclamante para todos os fins legais”.[2]

A Lei n. 13.155/2015 alterou o art. 87-A da Lei Pelé para estabelecer que quando houver a cessão de direitos de licença do uso da imagem do atleta para o seu clube empregador, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

Sempre defendi tratar-se de uma equivocada vinculação entre o direito de imagem e a remuneração do atleta, institutos distintos, com origens distintas e que não poderiam ser interligados para impor um teto remuneratório ao valor recebido à título de cessão do uso da imagem, na medida em que tal situação desnatura a própria natureza do direito de imagem[3].

De fato, o legítimo contrato de cessão de uso da imagem do atleta não guarda qualquer relação com o salário, pois trata-se de verba de natureza civil e, portanto, indenizatória, conforme expressa previsão constante na Lei Pelé calcada na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro.

Com efeito, o direito de imagem está diretamente associado ao direito da personalidade, tendo em vista que a imagem, juntamente com o nome, a honra, a liberdade, a privacidade e o corpo, é um dos direitos da personalidade, que visam à proteção do ser humano e das origens de seu próprio espírito. Contudo, detém uma característica peculiar que o difere dos demais direitos da personalidade que é o conteúdo patrimonial, passível de exploração econômica.

Trata-se de direito personalíssimo e intransferível, podendo haver permissão, autorização ou concessão de seu uso, previamente estabelecidos, em contrato, como, por exemplo: finalidade de uso, abrangência territorial, meios de divulgação, quantidade de publicação, etc. O direito à imagem não pode ser transferido, mas tão somente licenciado para determinado fim e por tempo certo. Portanto é válida e lícita a cessão do direito de explorar comercialmente o uso da imagem, pois tal fato se configura em cessão da faculdade de aproveitamento econômico e exploração comercial da imagem. Entretanto, a referida cessão não representa a transmissão da titularidade do direito à imagem.

O direito à imagem alcançou posição relevante no âmbito dos direitos da personalidade tendo em vista o espetacular progresso das comunicações e mídias sociais e à importância que a imagem adquiriu no contexto publicitário. O Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, em decisão que apreciou aspectos da cessão de imagem de atleta afirmou que “a captação e a propagação da imagem na sociedade contemporânea, tendo em vista o desenvolvimento tecnológico, causou uma grande exposição da imagem, principalmente de pessoas que obtiveram destaque nas suas atividades, consequentemente, à imagem foi agregado um valor econômico expressivo[4].

O próprio TST[5] já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que “o contrato de cessão do direito de exploração da imagem de atleta profissional ostenta natureza civil e, a despeito de caminhar em paralelo, não se confunde com o contrato especial de trabalho firmado com a entidade de prática desportiva”, razão pela qual os valores percebidos pelo atleta pela cessão de sua imagem não se confundem com a prestação pecuniária a ele devida na condição de empregado (art. 457 da CLT) e por este motivo não constituem salário.

Logo, causa estranheza a previsão contida no texto legal ao estabelecer que na hipótese de o atleta ceder ao clube os direitos de uso de sua imagem, o valor que receber relativo a isso deverá ser limitado a 40% da remuneração total de sua remuneração.

Com efeito, não há como vincular uma parcela de direito civil e indenizatória à remuneração do atleta, sob pena de se reconhecer que o referido contrato de cessão de imagem do atleta feito com o clube empregador é acessório e interligado ao contrato de trabalho, fato este que contraria, de forma frontal o próprio caput do art. 87-A da Lei n.º 9.615/1998 e o art. 5º XXVIII da Constituição Federal.

Todavia, esta é a previsão legal em vigor, pelo menos até o momento, razão pela qual deverá ser observada. Logo, a celebração de contrato de cessão da imagem do atleta deverá obedecer ao limitador de 40% e o que superar este percentual será considerado como parcela de natureza salarial.

Na hipótese de celebração deste contrato de cessão de imagem entre o atleta e a entidade de prática desportiva, caberá a esta a prerrogativa de avaliar a conveniência de utilização da imagem de seu empregado, que poderá ocorrer mediante a publicação de banners, outdoors, campanhas publicitárias ou até mesmo em meras entrevistas após os jogos.

Neste sentido é a doutrina de Ricardo Henrique Tomás que define o direito de imagem como “o direito que atribui às pessoas de uma forma exclusiva a possibilidade de utilizar – expondo, reproduzindo ou publicando a sua imagem, com ou sem intenção de exploração comercial ou outros fins econômicos, e a opor-se a que outrem a use para os referidos fins sem prévio consentimento prestado de uma forma expressa, livre, esclarecida, precisa e delimitada.”[6]

Insta ressaltar que a efetiva utilização desta imagem caberá ao detentor da cessão (no caso, o clube empregador), sendo que a lei não faz qualquer restrição neste sentido, muito pelo contrário, autoriza o pacto contratual para a cessão do uso da imagem desde que não supere o importe de 40% da remuneração paga ao atleta.

Desta forma, se o atleta voluntariamente exerceu o seu direito de forma livre e bem informada para aproveitamento comercial e econômico da sua imagem, mediante a celebração de um contrato, com o estabelecimento de condições formais (limite temporal, benefícios e abrangência) e materiais (pois não é uma renúncia nem se transmite o “próprio” direito à imagem), não há que se falar em fraude, desde que respeitados os limites percentuais fixados no art. 87-A e parágrafo único da Lei Pelé.

………..

[1] Disponível em: https://leiemcampo.com.br/222885-2/. Acesso realizado em 03.08.2020

[2] Idem Ibidem.

[3] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de Direito do Trabalho Desportivo, 3ª edição – LTR, 2020 – p. 295.

[4] STJ – Processo 05A2577 – Relator Cons. Silva Salazar – 25/10/2005 – Origem: Tribunal da Relação de Évora. Disponível em www.dgsi.pt . Acesso realizado em 03/08/2020.

[5] TST – E-RR – 406-17.2012.5.09.0651, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 09/11/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/11/2017.

[6] In Enciclopédia de Direito do Desporto. MESTRE, Alexandre Miguel (Coord.) – Editora Gestlegal, Coimbra, 2019 – p. 153

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