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O crescimento dos jogos virtuais no Brasil e a omissão do sistema judiciário

Por Bruna Aureliano Cordeiro

Fortnite, Free Fire, Counter-Strike, League of Legends, GTA, são alguns dos diversos games eletrônicos jogados pelos jovens no Brasil. Uma pesquisa feita pela PGB (Pesquisa Game Brasil) aponta que o público destes jogos subiu para 74,5% da população brasileira – percentual aumentado principalmente em consequência da pandemia e do isolamento social, tendo em vista que em 2020 este número se mantinha em 57,1% da população.

Destes números, 32,5% possuem idade entre 16 e 24 anos, o que é um fato preocupante, em vista que os jogos citados no começo deste texto são os cinco mais jogados do mundo e todos eles reproduzem episódios de extrema violência. Porém, não só a exposição às cenas brutais deve ser trazida à tona – o Ministério da Justiça proporciona, inclusive, uma lista de recomendação etária para cada jogo legalizado no país -, mas também deve-se discutir os altos valores monetários gastos neste meio.

Diversas são as possibilidades que possibilitam os jogadores de gastar quantias exuberantes neste meio. Compra de roupas, compra de armas e ferramentas, pagamento para upgrades dos personagens, mascotes, etc. O game “Fortnite”, por exemplo, possui em seus termos uma cláusula que possibilita o ressarcimento de valores gastos por menores de idade sem a autorização dos pais.

Por outro viés, há de se falar nos valores pagos aos próprios jogadores durante os jogos. Há a possibilidade de receber com jogos eletrônicos em apostas, lives, “partidas ranqueadas” e em torneios, como a Liga Brasileira de Free Fire (LBFF) e o Campeonato Brasileiro de League of Legends, que chegam a pagar mais de R$10 milhões em prêmios aos jogadores.

Entre os jogadores brasileiros, 33% se consideram “gamers hardcore”, ou seja, jogam três ou mais vezes na semana e com certeza envolvem muito dinheiro neste tempo. A consultoria especializada Newzoo tem a expectativa que este setor fature no mínimo 2,3 bilhões de dólares por ano pelos próximos tempos, pois o valor lucrado neste meio chegou aos U$200 bilhões no ano de 2020 e, como dito e comprovado, é um mercado em constante crescimento não só no Brasil, mas por todo o mundo.

Um fato que aumentou muito o engajamento dos jogadores e, consequentemente, aumentou o número de jovens nestes jogos, têm sido as lives e gravações das partidas. O podcast “Podpah” trouxe uma entrevista com o jogador de Free Fire Vinícius Oliveira (14 anos), conhecido como “Boca de 09”, jogador de FreeFire e participante de inúmeras lives em que interage com seu público enquanto joga.

Ainda que grande parte de seu reconhecimento venha pela simpatia e carisma, Vinicius leva o FreeFire e as lives a sério e possui um cronograma para conseguir administrar seu tempo para jogar e se apresentar ao público nos horários de maior engajamento. Além de citar todos seus luxos bancados com dinheiro provindo das partidas e apresentações, o mesmo citou sua rotina diária para dividir seu tempo entre estudos e “trabalho”.

Vinícius acorda às 23 horas e joga normalmente até as 05 horas da manhã, após, vai para a escola e chega em casa às 12 horas. Por fim, faz seus deveres de casa e volta a jogar, indo dormir por volta das 16 horas. Ainda que o mesmo não pareça incomodado ou cansado e que a rotina seja com total consentimento de sua mãe, isto é uma agressão ao desenvolvimento e à saúde do menor.

Não só deve-se questionar e discutir as rotinas exaustivas destes jogadores, mas também o lucro que o menor recebe neste meio. A possibilidade de se mudar do interior da

Bahia para o centro de São Paulo, a chance de dar uma condição de vida excelente para sua família e o dinheiro para ostentar de todos os luxos que queira são fatos que com certeza influenciam não só Vinicius como também outros jovens a adentrar neste meio e a esta rotina.

A plataforma Youtube, por exemplo, proíbe lives feitas por menores de idade sem a presença de um responsável como medida de segurança e proteção, porém, existem diversos outros meios de realizar as apresentações e que geram lucros altíssimos para estes. No mesmo episódio citado, Vinicius cita que chega a ganhar milhões com suas lives e partidas e que gosta muito do que faz.

Receber por algo que faz e trabalhar com o que gosta não deve e nem pode ser um problema, porém, quando se trata de menores de idade a situação é bem mais complicada. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o trabalho para menores de 18 anos somente na condição de aprendiz e prevê aos mesmos a obrigação e o direito à educação e ao lazer.

A questão que fica é: como equilibrar isso?

A palavra trabalho em si remete a uma função não necessariamente remunerada, porém, a partir do momento que o indivíduo recebe pelo que faz isto se torna um emprego. A profissão “gamer” tem sido cada vez mais reconhecida por todo o mundo, porém, requer muito esforço, psicológico e estudos. Assim como os jogadores de futebol, há diversos olheiros em partidas online para recrutar membros para times profissionais de gamers, porém, diferente dos futebolistas, não há lei que proteja esses jogadores e não há escolas próprias para a profissionalização dos mesmos.

Os jogos eletrônicos, ainda que monetizados, não são considerados trabalhos regulamentados e são uma forma de lazer para os jovens e, ao mesmo passo que há proibição de uso de celulares em aula e que deduz que os jovens não entrem nos jogos durante o tempo na escola, o tempo gasto em partidas interfere nos estudos em casa ou, como é o caso do Vinicius Oliveira, causam uma rotina que pode vir a atrapalhar o desenvolvimento do jovem.

Como se pode observar, as normas brasileiras apresentam diversas lacunas sobre o tema, o que pode ser justificado por simples negligência pelo fato de ser um assunto de menor interesse para a sociedade; ou pela política velha, a qual não se adequou 100% aos meios eletrônicos e, como resultado, não se volta para assuntos mais modernos e de interesse principalmente dos jovens.

Entretanto, não é de todo esquecimento a temática dos jogos eletrônicos no país. O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou um regime de urgência para o Projeto Lei apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (26 anos). O Projeto 2.796/21 regulamenta a fabricação, importação, comercialização e o desenvolvimento de jogos eletrônicos no país.

A inépcia governamental sobre esta temática pode não ter sido um problema até o momento, porém, como se pôde ver, é crescente o aumento dos jovens neste meio e os mesmos devem ser protegidos de todo e qualquer fato que possa vir a ser um problema no crescimento, saúde e desenvolvimento destes.

A saúde afetada pelo tempo gasto na frente do computador, a educação que acaba sendo deixada de lado, o lazer que acaba refém apenas de cenas violentas que podem afetar também o psicológico destes, a relação com outros jovens que passa a ser somente de forma eletrônica, os perigos em não saber quem está do outro lado da tela e, principalmente, os valores tanto gastos nestes jogos que os pais muitas vezes não possuem nem mesmo controle quanto recebidos como recompensas em partidas ou em lives e gravações dos jogos… todos estes fatores são problemáticas que merecem um foco maior

da sociedade e do governo, pois podem gerar consequências agora para os pais que sofrem com os vícios dos filhos nestes jogos e para a sociedade que acaba não se desenvolvendo e criando jovens violentos, anti sociais, sem saúde e sem educação básica.

Ainda que os jogadores de hoje venham a se tornar gamers profissionais no futuro, não se pode permitir que estes deixem de aproveitar a menoridade de maneira correta e devem ser tomados todos os cuidados possíveis para que estes tenham um crescimento saudável, buscando uma forma de equilibrar o lazer com a educação.

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Bruna Aureliano Cordeiro é acadêmica de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, integrante do GEDD PUC-MG.

FONTES:

Pesquisa Game Brasil: público de jogos sobe para 74,5% no país. Drops de Jogos, Disponível em:

<https://dropsdejogos.uai.com.br/noticias/industria/pesquisa-consumo-jogos/#:~:text

=Com%20r%C3%A1pida%20progress%C3%A3o%20entre%20o,com%20a%20edi% C3%A7%C3%A3o%20de%202021.>. Acesso em: 10 de agosto de 2022.

OLIVEIRA, Camilla Mercado de Games no Brasil em 2022: números e tendências do setor. Olist, 2022. Disponível em:

<https://olist.com/blog/pt/como-vender-mais/inteligencia-competitiva/mercado-de-ga mes-no-brasil/>. Acesso em: 10 de agosto de 2022.

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