Por Alberto Lopes Franco
O final de semana futebolístico teve contornos dramáticos de causar inveja em roteiristas de Holywood, dentro e fora de campo. Vamos abordar os recentes episódios que culminaram na partida entre Palmeiras e Flamengo, sob a ótica do Sistema de Gestão de Compliance, especificamente do gerenciamento de riscos.
Os fatos dão conta, conforme matéria publicada pelo jornal O Globo[1], que o Flamengo tinha algumas alternativas de logística na viagem ao Equador. Poderia ter viajado, jogado a partida, voltado ao Brasil e novamente retornado ao país sul americano para participar do segundo jogo; ou poderia ter feito o que fez: permanecer 8 dias no Equador e jogar as duas partidas, incluindo aí viagens internas naquele país.
Conforme a matéria, fontes do clube admitiram que a decisão de permanecer oito dias no país acabou por abrir brecha para a contaminação em massa na delegação. O abrandamento do protocolo sanitário facilitou a contaminação pela COVID-19 em 16 atletas e 27 funcionários. A decisão do clube passou por assumir riscos.
Compliance não é só estar em conformidade com as regras. Compliance é, também, mas não exclusivamente, ter procedimentos internos de análise de riscos e como trata-los. “Risco: é evento futuro identificado, ao qual é possível associar uma distribuição de probabilidades de ocorrência. [2].”
Um dos pilares de um sistema de gestão de compliance é o gerenciamento de riscos, isto é, “ um processo conduzido em uma organização pelo conselho de administração, diretoria e demais empregados, aplicado no estabelecimento de estratégias, formuladas para identificar em toda a organização eventos em potencial, capazes de afetá-la, e administrar os riscos de modo a mantê-los compatível com o apetite a risco da organização e possibilitar garantia razoável do cumprimento dos seus objetivos[3].”
Os riscos podem ser evitados, mitigados, transferidos/compartilhados ou simplesmente aceitos, conforme o apetite a eles definido na organização. Desse modo, vamos abordar quatro hipóteses genéricas e depois vamos analisar o caso em si.
Na primeira hipótese, quando há uma baixa probabilidade de ocorrer um evento e, em ocorrendo, ocorrerá um baixo impacto. O que fazer? A melhor técnica sugere que o risco seja aceito e a organização lide com os resultados.
Na segunda hipótese, há uma alta probabilidade de ocorrer o evento, mas o impacto continua sendo baixo. Aqui, não se faz nada.
A terceira hipótese é quando há baixa probabilidade de ocorrer o evento, mas se ocorrer gerará um alto impacto. Nesse caso, o risco deve ser controlado pela organização.
Por fim, quando há média probabilidade de ocorrer o evento e há um alto impacto, a organização deve controlar ou transferir o risco.
Apresentadas essas bases, ou o clube gerenciou o risco de contaminação da COVID19 de modo inadequado ou sua disposição a enfrenta-los era enorme. Ainda que fosse baixa a probabilidade de contaminação, o impacto seria alto, devendo o clube ter adotado medidas para controlar o risco de contaminação. Ao invés disso, a entidade aumentou seu apetite e a consequência sanitária foi um desastre.
O clube da Gávea sabia, desde o início da semana, dos casos de contaminação. Poderia ter inscrito mais 6 atletas, mas, em uma espécie de nulidade de algibeira, ingressou medida cautelar inominada na sexta-feira, às vésperas do confronto. A medida restou indeferida a medida pelo STJD[4] através de decisão da lavra do Presidente Dr. Otávio Noronha.
Para agravar, o ingresso na justiça comum pelo sindicato, presidido por um funcionário do clube da gávea, criou um embate jurídico que colocou em risco todo o sistema jurídico desportivo. Não fosse a decisão do TST, estaríamos diante de um caso com consequências legais desportivas altamente danosas ao clube carioca, cujos riscos não foram adequadamente dimensionados. Pior situação estaria o Flamengo diante da decisão do TRT. Ou seria excluído da competição pelo STJD ou teria de pagar multa de R$ 12 milhões por descumprir a decisão.
O clube corria o sério risco de ser excluído do campeonato Brasileiro, com base no art. 231 do CBJD, no art. 116 do O Regulamento Geral de Competições de 2020 da CBF e art.59.2 dos Estatutos da FIFA, caso a partida não ocorresse em virtude da decisão da Justiça Comum. Esse risco desportivo certamente foi informado.
Interessante notar que a direção do clube não tentou impedir, desautorizar ou sequer manifestou-se publicamente contrariamente à ação proposta pelo Sindeclubes.
O que se verifica é que a ausência de um Sistema de Gestão de Compliance nos clubes de futebol escancara a falta de métodos das entidades esportivas (sejam de prática ou de administração) para gestão de riscos.
No fim, quando fomos assistir ao jogo, a mágica do futebol (ou seriam os competentes profissionais da base do Flamengo?) entrou em campo e a base, sempre ela, salvou o clube encerrando o episódio com heróis, tal qual aqueles filmes que os espectadores ficam com os olhos rasos d’água com heróis imprevisíveis.
Ah, para finalizar, quando ocorrem situações como a do Flamengo, é possível identificar o responsável pela gestão do risco específico e aplicar a sanção interna estabelecida em caso de falha. E com toda a certeza não é o fotógrafo o culpado. No plano dos Tribunais Esportivos, a repercussão só está começando e deverá haver punição adequada aos infratores.
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[1] https://oglobo.globo.com/esportes/entenda-como-flamengo-afrouxou-protocolo-no-equador-gerou-surto-de-covid-19-24656788 <consulta em 28/09/2020>
[2] M. Faber, R. Manstetten e J. Proops, Ecological Economics: Concepts and Methods, 1996, pp. 209-211
[3] https://www.coso.org/Documents/COSO-ERM-Executive-Summary-Portuguese.pdf <consulta em 28/09/2020>
[4] https://www.stjd.org.br/noticias/presidente-indeferiu-pedido-de-adiamento-do-fla <consulta em 28/10/2020>
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Alberto Lopes Franco é procurador-geral do Futebol de Campo da FGF, auditor Líder de Sistema de Gestão de Compliance e Antissuborno – ISO 37001:2017 e ISO 19600:2014.