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O direito à privacidade das atletas relativos a seus dados indicadores de gravidez

Por Higor Maffei Bellini

Olá a todos, sempre um prazer voltar a este espaço para falar com vocês. E desta vez é sobre um tema que para minha pessoa é muito importante, o direito da atleta engravidar, sem que tenha de se aposentar, ou de ficar sem emprego durante o período da gestação. Se nenhuma outra pessoa empregada do clube, que tenha a capacidade de engravidar, precisa se aposentar ou corre o risco de ser demitida, se engravidar durante a vigência do contrato de trabalho, por que com as atletas seria diferente?

Esta semana estava vendo as notícias dos dez TRT onde tenho processos ou interesse em processo e me deparei no site do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região com a seguinte noticia: “EXIGÊNCIA DE EXAME DE GRAVIDEZ E CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS NA ADMISSÃO GERA DEVER DE INDENIZAR[1]” e me veio imediatamente a lembrança de que no meio esportivo, em especial o futebol dos times da série A, do Campeonato Brasileiro, onde estão as esquipes femininas, dos chamados times de camisa, que o exame admissional segue os parâmetros do masculino..

Ou seja, existe a realização de exames físicos, para constatar a existência de lesões prévias, uma vez que, os clubes desejam contratar as atletas sem lesões por dos motivos, muito simples: o primeiro é o poder contar imediatamente com a atleta, que assim que chega é integrada as atividades com o grupo e pode estrear, trazendo o retorno técnico e tático, dentro de campo para recompensar o clube pelo pagamento dos salários. E o segundo menos nobre é evitar que o clube seja responsabilizado, por uma lesão já existente no momento da contratação, com todas as consequências trabalhistas e previdenciárias, já que infelizmente ainda existem clubes que não fazem os exames demissionais, ou o fazem por vídeo sem que o atleta seja examinado fisicamente, o que permite que os atletas sejam demitidos, ou que não tenham os seus contratos de trabalho renovados, ainda quando estão lesionados ou recuperação.

Porém, como existem particularidades nesses exames admissionais, das atletas, como a coleta de sangue do atleta, que sob a intenção de verificar as mais diversas variações causadas pelos exercícios físicos, bem como constatar a saúde de modo geral do atleta. Que se para um homem cis, a quem esses exames a princípio foram pensados, não causa qual tipo de invasão a sua intimidade, traz uma invasão para a intimidade das atletas mulheres cis, já que podem informar uma gravidez, que pode ser desconhecida para a mulher naquele momento.

Os clubes de futebol, aqueles que contam com centro de saúde, novo nome para departamentos médicos, muito bem equipados e com profissionais das mais diversas áreas da saúde, não precisam pedir, especificamente a atleta, um exame de gravidez, os resultados dos exames de sangue coletados, sob a intenção de verificar o quadro geral de saúde, que verifica diversos fatores, pode por via oblíqua dizer que existe a gravidez daquela atleta.

Assim podemos estar diante, de uma situação em que no exame admissional, o clube, enquanto futuro empregador, saber antes da atleta que esta se encontra grávida, trazendo complicações já que o clube não poderia fazer a pergunta diretamente a atleta, se esta está grávida ou se pretende engravidar, mas, que tem a informação e com base nela pode não concretizar a contratação, sob qualquer pretexto.

Até mesmo por isso é necessário que o clube, antes de coletar o sangue das atletas, diga exatamente quais serão os exames realizados, bem como serão analisados estes exames, e exigir que lhe seja entregue os resultados destes exames. Posto que é direto da pessoa saber os motivos pelos quais seu sangue está sendo extraído e depois d éter consigo estes resultados, já que são dados pessoais e sensíveis seus, que ela pode ou não querer compartilhar com o empregador.

É interessante lembrar que Código de Ética Médica[2] assim estabelece a vedação do médico compartilhar as informações do paciente, mesmo com o empregador, vejamos:

Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

E como a existência de gravidez não é um caso de colocar em risco a vida dos demais empregados, ou da comunidade, os resultados dos exames, feitos no exame admissional das atletas, ou qualquer outro efetuado na pré-temporada ou durante esta, devem ser entregues é primeiro a atleta, para que esta depois decida se vai ou não compartilhar com o empregador, já que o momento de dizer que está grávida ou não é das atletas.

Mas Higor o mesmo código diz que o médico pode entregar o resultado a outra pessoa, a paciente autorizar, sim, é verdade, vamos olhar o que diz o artigo 89 deste código:

Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa

Mas aqui fica o ponto alto desta questão deve ser dito a esta atleta, que ela pode se recusar a autorizar a entrega desta informação a seu futuro empregador ou atual empregados, não basta que esta autorização, esteja contida no meio do contrato de trabalho, sem o necessário destaque, para conhecimento e aprovação. Sob pena de ser anulada, já que sonega direito fundamental a pessoa empregada.

No Brasil a legislação protege a todas as empregadas mulheres, em manter em sua intimidade a decisão de engravidar ou não, bem como a de informar ou não ao seu empregador no momento da admissão a sua condição de mulher gravida. Prevendo ser crime a empresa fazer estas perguntas.  Esta proteção se encontra na lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, que assim estabelece em seus dois primeiros artigos;

Art. 1o  É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.

Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;

II – a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem;

a) indução ou instigamento à esterilização genética;

b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Pena: detenção de um a dois anos e multa.

Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo:

I – a pessoa física empregadora;

II – o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista;

III – o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (destacamos)

Deve-se pensar também na situação dos clubes, que a pretexto de adaptarem os treinos ao ciclo menstrual das atletas, começar a fazer este controle, posto que quem controla o ciclo, também controla a gestação. E tocam assim em uma questão intima daquela mulher atleta, que por qualquer motivo, poderia, sim, se recusar a compartilhar a informação com o clube.

Já há notícias de clubes de futebol, no exterior, no caso o Chelsea, que faz a adaptação dos seus treinos aos ciclos menstruais das atletas. Eu não conheço as leis naquele país, e não farei como alguns fazem e eu os críticos, sim, de querer analisar uma questão jurídica de outro país, sob a ótica brasileira, já que são distintas as leis e as culturas envolvidas. Só trouxe este exemplo que até onde sei é o primeiro, para dizer que não é uma mera hipótese acadêmica, o empregador querer e ter o acesso a esta informação extremamente intima das atletas.

Na notícia que está no site do TRTSP existe a informação de que aquele empregador, que não é uma entidade esportiva, sempre bom destacar este ponto, foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais àquela empregada no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) em sentença vinda da juíza Silvia Helena Serafin Pinheiro, da 19ª (decima nova) Vara do Trabalho do Fórum da Zona Sul.

Assim os clubes podem, caso façam o exame de gravidez sem dar ciência as atletas, seja de forma direta ou de forma indireta, seja exigindo das atletas as informações sobre os seus ciclos menstruais, serem condenados a reparação os danos morais ou extrapatrimoniais, individual ou coletivo serem condenados ao pagamento destas indenizações, por violarem a intimidade da mulher empregada.

 O fato de uma mulher cis, sem pregada do clube na função de jogadora de futebol, mesmo com as particularidades desta função, não lhe retira os direitos, que a legislação estabelece para as demais mulheres cis, empregadas daquele clube. As linhas de uma quadra esportivas, não podem servir para retirar direitos, das mulheres trabalhadoras do esporte.

Leis especificas, como é o caso da Lei Pelé, apenas podem trazer mais direitos, jamais, podendo ser invocada para justificar a supressão de direitos dos trabalhadores, a especificação da legislação, ou dos protocolos de trabalho só podem agregar direitos, não ser fonte de exclusão destes

Este é um ponto que praticamente não é discutido, dentro do direito do trabalho ligado à mulher atletas, que é como compatibilizar os exames de sangue, que os clubes fazem, em seus atletas, no momento da contratação e de pré-temporada, com a intimidade da mulher enquanto ser humano e enquanto empregada. Mas que precisa começar a ser visto e pensado em primeiro lugar pelas próprias atletas, que estão cedendo o material genético ao empregador, sem muitas vezes saber exatamente para que e depois pelos próprios clubes.

Somente, infelizmente, com a obrigatoriedade da criação e manutenção das equipes femininas, por exigência da entidade internacional que organiza o futebol, como requisito do credenciamento das equipes masculinas, para as competições, ou colocando no popular como exigência, para que as masculinas, possam disputar as competições é que o futebol feminino passou a ter mais atenção do ponto de vista da mídia, mas, ainda não conseguiu a visibilidade jurídica necessária, para a preservação da intimidade gestacional da mulher atleta.

Mas seguimos confiantes que com a nossa luta, falando do tema, logo teremos mais pessoas, também tratando da questão, até mesmo discordando da nossa posição, mas, que no conjunto fará com que se avance na questão de proteger esta intimidade da mulher atleta.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/exigencia-de-exame-de-gravidez-e-certidao-de-antecedentes-criminais-na-admissao-gera-dever-de-indenizar

[2] https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf

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