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O direito de imagem do atleta de esports na nova Lei Geral do Esporte

Por Hudson de Paiva Barbosa Júnior

INTRODUÇÃO

O mercado dos jogos eletrônicos se encontra em franco crescimento no mundo inteiro, em 2021 a receita foi de US$ 175,8 bi e se estima que esse faturamento ultrapassará os US$ 200 bi até 2023. Tais números refletem proliferação da cultura do entretenimento virtual, onde milhões de usuários diariamente acompanham seus jogos favoritos em transmissões ao vivo realizadas por meio de diversas plataformas de streaming.

Grande parte dessas transmissões estão relacionadas ao esporte eletrônico, seja por serem transmissões oficiais de campeonatos das diversas modalidades existentes ou simplesmente jogadores profissionais interagindo com seu público enquanto jogam recreativamente e, concomitantemente, divulgam seus patrocinadores e clube.

Essa, contudo, é apenas uma das formas que os clubes de esports utilizam para promover a sua marca e patrocinadores por meio da imagem de seus jogadores, porquanto a exploração da imagem desses atletas pode ocorrer por diversas formas, como comparecimento em eventos, campanhas publicitárias ou posts em redes sociais.

Via de regra, a remuneração do atleta pelo uso e exploração de sua imagem vem pactuada em contrato de cessão dos direitos de personalidade, ou simplesmente, contrato de imagem, que é formalizado nos termos da Lei 9.615/98. No entanto, com o advento da Nova Lei Geral do esporte, algumas disposições relacionadas a esse modelo contratual estão prestes a sofrer alterações.

O artigo tem como principal finalidade, estudar como a Nova Lei Geral do Esporte impactará o instituto do Direito de Imagem nos esportes eletrônicos, por meio de uma análise pormenorizada dos artigos que dispõe sobre o tema.

O objetivo do presente artigo não é discutir se atletas de esports são ou não considerados atletas, tampouco debater se podem ter seus direitos de imagem explorados pelos times, eis que as principais equipes do cenário já mantêm relação de emprego por meio de contratos especiais de trabalho com seus jogadores, bem como efetivamente os remuneram pela exploração de sua imagem, com base na atual Lei Pelé. Portanto, busca-se apenas realizar uma análise das principais mudanças relacionadas ao instituto do direito de imagem, nos contratos dos atletas de esports, à luz do PL 1.825/2022, que institui a Nova Lei Geral do Esporte.

ESPORTS E O DIREITO DE IMAGEM

O art. 4º da PL 1153/2019 previa, em seu §2º, que o desporto virtual consiste na “atividade que demanda exercício eminentemente intelectual e destreza, em que pessoas ou equipes disputam modalidade de jogo eletrônico com regras e prêmios definidos”. Conquanto essa redação tenha sido excluída no PL 1.825/2022, entende-se que os esports independem de lei específica que o regulamente para ser considerado um esporte e para que seus praticantes sejam considerados atletas. Isso porque o esporte eletrônico guarda enorme similitude com o conceito de esporte disciplinado na legislação, tanto de atleta como de prática desportiva[1].

A cessão dos direitos de imagem do atleta de esports tem como base os mesmos princípios de qualquer outra relação clube/jogador onde a instituição desportiva tem o objetivo de remunerar o atleta pela exploração comercial de sua imagem, utilizando-a para se promover como organização desportiva, divulgar seus canais de comunicação (redes sociais, Youtube e plataformas de streaming), lançar produtos ou mesmo utilizá-la em favor de terceiros, como patrocinadores, fornecedores de material esportivo etc.

Assim, o clube explora diretamente a imagem do atleta, divulgando a sua representação física em comerciais e promoções, mas também seu nome ou nickname (nome adotado dentro do jogo online), em highlights, por exemplo. Essa exploração ocorre de forma direta e, portanto, é facilmente identificada na medida em que o clube aufere valores com as campanhas de promoção em que utiliza a fisionomia de seus atletas.

 Contudo, outra forma de exploração da imagem bastante vantajosa ocorre por meio da utilização da imagem atributo dos jogadores, onde indiretamente os clubes se beneficiam das legiões de fãs que acompanham os players dentro do cenário, porquanto esses passam a integrar a fanbase da organização desportiva a qual ele pertence.

Em razão disso, muitas vezes os clubes buscam integrar às suas equipes jogadores que já possuem uma base de fãs consolidada, a fim de se aproveitar disso para aumentar sua massa de seguidores.

Como exemplo, é possível citar as contratações realizadas pela Red Canids em 2016, quando era recém formada, para disputar o Campeonato Brasileiro de League of Legends.  A equipe, que havia sido adquirida há pouco tempo pelo empresário Felippe Corradini, se projetou no cenário com a contratação de nomes de peso do game no Brasil, como Felipe “brTT” Gonçalves, Felipe “YoDa” Noronha, Hugo “Dioud” Padioleau e Leonardo “Robo” Souza, todos jogadores com milhares de seguidores, que fizeram com que a organização desportiva, em seus primeiros anos, já contasse com uma das maiores fanbases do Brasil.

DIREITO DE IMAGEM NA NOVA LGE

Pois bem, passando à análise dos aspectos do instituto do direito de imagem na Nova Lei Geral do Esporte, percebe-se que foi mantida a natureza civil da remuneração, já prevista na Lei 9.615/98. A diferença está no fato de que o PL deixa claro que a cessão dos direitos deverá ser pactuada em contrato avulso, de natureza exclusivamente civil, uma leve alteração, que na prática não produz tantos efeitos, haja vista que, via de regra, o contrato já era realizado de forma isolada ao CETD.

É preciso destacar que, conquanto os contratos sejam diferentes, continuam mantendo ligação, eis que o descumprimento, por parte da organização esportiva empregadora, quanto às obrigações contratuais referentes à remuneração do direito de imagem, enseja a rescisão indireta do contrato de trabalho do jogador.

Nesse sentido, o PL manteve o entendimento da Lei Pelé de que os contratos não são independentes, de forma que o descumprimento das obrigações previstas em um, promove a conclusão do outro. A diferença está no período: enquanto a Lei 9.615/98 estabelece um inadimplemento igual ou superior a três meses para a rescisão, a Lei Geral do Esporte considera que após período igual ou superior a dois meses, o atleta já estará livre para se transferir para qualquer outra organização desportiva.

Logo, ainda que sejam contratos avulsos e estabeleçam remunerações de natureza distinta, é possível considerar que o contrato de imagem atue como um contrato acessório ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta, podendo este, inclusive, ser acrescido de cláusula estabelecendo como condição sine qua non de eficácia a vigência do CETD.

Com efeito, é óbvio que não poderá a contraprestação pela cessão dos direitos de imagem do atleta substituir a remuneração devida quando configurado o liame empregatício, mas, ainda assim, o PL traz disposição nesse sentido, elucidando também que não há óbice em relação ao fato de o jogador ceder sua imagem à mesma instituição com quem possui relação de trabalho.

Ademais, tem-se que a remuneração a título de cessão de direitos de imagem, isoladamente, não configura relação de emprego, não só pelo fato de se tratar de uma convenção de natureza civil, mas por não preencher os requisitos para o reconhecimento do liame empregatício, nos termos da CLT. Nesse sentido, o PL traz disposição expressa, no §9º de seu art. 85, estabelecendo que não constituirá vínculo de emprego a remuneração eventual a título de direito de imagem.

Em verdade, a principal mudança trazida pelo PL diz respeito à porcentagem limite da remuneração pactuada pela cessão dos direitos de imagem em relação ao salário do atleta, bem como à obrigação de efetiva exploração desses direitos.

A Lei Pelé traz a seguinte disposição:

Art. 87-A.  O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

Parágrafo único.  Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.                 (Incluído pela Lei nº 13.155, de 2015)

Percebe-se que o legislador intentou limitar a porcentagem da contraprestação pela cessão dos direitos de imagem a fim de evitar que a organização desportiva remunerasse o atleta pela imagem em parte exageradamente desproporcional ao seu salário, com o objetivo de se esquivar do pagamento dos encargos tributários e trabalhistas devidos, o que é vedado pelo art. 9º da CLT.

Nesse sentido, a jurisprudência é pacificada no sentido de que, caso a remuneração ultrapasse o limite estabelecido na Lei, será considerada como verba salarial, haja vista que são nulos os atos realizados com o intuito de fraudar a legislação trabalhista.

O PL em epígrafe, no entanto, traz uma redação um pouco diferente, alterando a base de cálculo e aumentando o limite para 50% da remuneração estabelecida em CETD:

Art. 164. O direito ao uso da imagem do atleta profissional ou não profissional pode ser por ele cedido ou explorado por terceiros, inclusive pessoa jurídica da qual seja sócio, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com aqueles do contrato especial de trabalho esportivo.

§ 2º A remuneração devida a título de imagem ao atleta pela organização esportiva não poderá ser superior a 50% (cinquenta por cento) de sua remuneração estabelecida em contrato de trabalho.

§ 4º Deve ser efetivo o uso comercial da exploração do direito de imagem do atleta, de modo a que se combata a simulação e a fraude.

Tem-se duas alterações extremamente importantes. Primeira: a remuneração devida passa a ter como limite 50% da remuneração estabelecida em CETD. Segunda: agora a entidade desportiva deve efetivamente realizar a exploração do direito de imagem do atleta, de modo que não pode se reservar a pagá-lo sem que efetivamente se utilize comercialmente dos seus direitos de imagem.

Nesse ponto, há uma grande divergência doutrinária, na medida em que parte dos juristas entendem ser legítima a remuneração do atleta pela mera possibilidade de utilizar seus direitos de imagem, sem efetivamente explorá-los, de modo a evitar que o atleta ceda seus direitos para concorrentes comerciais seus ou de terceiros com quem possui relações mercantis.

Esse é o entendimento de Carlos Eduardo Ambiel:

“Outro grave equívoco que se comete na análise da legalidade dos contratos de licenciamento de imagem pelo Poder Judiciário é condicionar a validade do instrumento à comprovação da efetiva utilização da imagem pelo clube licenciante. Primeiro porque nada impede que alguém adquira o direito de utilização exclusiva da imagem de outrem e opte por não utilizá-la, seja porque o atleta não se encaixa na estratégia de marketing daquele momento, seja apenas para impossibilitar sua utilização por concorrentes. Segundo porque, talvez o grande equívoco dessa interpretação é imaginar que a única forma de utilização comercial da imagem do atleta seria por meio de ações ativas do atleta como “ator” ou personagem em comerciais veiculados em televisão, rádio, revistas, jornais e internet.”[2]

Não obstante, o entendimento dos tribunais brasileiros é outro. A jurisprudência pátria tem decidido no sentido de que a exploração não só tem que ser efetiva, como a remuneração do atleta deve ser proporcional a utilização de sua imagem, de modo que remunerá-lo, mensalmente, com valores desproporcionais à sua imagem perante o mercado, constitui fraude passível de desconsideração da natureza civil dessa contraprestação.

Leonardo Herrero Domingos, em análise aos casos levados à justiça trabalhista, pontua que:

“Através da análise dos casos supracitados, é possível perceber que as supostas contratações da licença do uso de imagem desses atletas pelos clubes empregadores tiveram o intuito fraudatório, visto que a intenção das agremiações com o pagamento da parcela sob o título de cessão do direito de imagem não consistia em lançá-la como valores pagos aos atletas a título de remuneração pelos serviços prestados. E mais, ressalta-se que não apenas a legislação trabalhista foi alvo da fraude, mas, também a legislação previdenciária e fiscal, dado que o clube deixou de honrar os direitos trabalhistas reflexos dessa parcela ao trabalhador bem como as obrigações previdenciárias e fiscais deles decorrentes”[3].

É possível confirmar, portanto, que o §4º do artigo 164 vem com o objetivo de consolidar o entendimento jurisprudencial de que a remuneração pactuada em contrato de cessão de direito de imagem deve corresponder à utilização efetiva da imagem do atleta, não se admitindo que essa contraprestação se dê de forma desproporcional ao lucro obtido pelo clube com a exploração de sua imagem, na medida em que constitui fraude à legislação trabalhista brasileira.

No caso dos esports, torna-se uma questão ainda mais complexa, na medida em que, como dito alhures, o lucro obtido com a exploração da imagem dos atletas acontece de forma direta e indireta, tendo em vista o aumento significativo da fanbase dos clubes recém formados (que são a grande maioria).

Assim como acontece no desporto convencional, há jogadores que geram lucros exorbitantes com a exploração de sua imagem, de tal maneira que tornaria seu salário incompatível com a prestação dos serviços. Dessa forma, ainda que se trate da exceção, haja vista que a maior parte dos atletas necessita dessa proteção, a legislação mantém-se injusta em relação a esses jogadores.

Isso porque manter os mesmos parâmetros para os jogadores que geram pouco ou nenhum lucro com sua imagem e para aqueles que possuem milhões de fãs e geram receitas completamente incompatíveis com o serviço prestado, de modo a ter que lhe pagar um salário absurdo para conseguir explorar sua imagem, é um tanto quanto controverso.

Cabe destacar, nesse ponto, que a verificação da popularidade do jogador profissional de esporte eletrônico é realizada de forma muito mais clara do que ocorre o futebol, pois os atletas possuem números objetivos que podem servir para quantificar o retorno que eles geram para o clube, seja pelos números alcançados em live, inserções dentro dos campeonatos, inscritos nas plataformas de streaming ou quantidade de seguidores nas redes sociais.

Cita-se, como exemplo, ex-jogador profissional de Free Fire, Bruno “Nobru” Goes. O jogador possui uma das maiores base de fãs dentro do cenário, com mais de 10 milhões de seguidores no TikTok.

A possível contratação de um jogador com tamanha popularidade geraria para qualquer clube um imenso engajamento dentro do cenário dos esports. Tal engajamento renderia receitas desproporcionais ao trabalho prestado pelo jogador como atleta profissional, eis que, por melhor que ele fosse jogando, ainda que a equipe ganhasse todos os campeonatos disputados, o valor dos prêmios recebidos sequer chegaria próximo à quantia obtida com a exploração de sua imagem.

Assim, a nova Lei (que ainda tramita no Congresso Nacional), no que tange ao direito de imagem – e aos esports – já se encontra ultrapassada, pois dá o mesmo tratamento a atletas que atuam de maneira completamente distinta em favor das organizações esportivas, de tal modo que, apesar de a disposição sobre limite proporcional pelo direito de imagem ser realmente necessária, não deveria ser aplicada de forma equânime, pois constitui óbice para a realização de vários tipos de negócios no ambiente esportivo.

CONCLUSÃO

Portanto, nota-se que a Nova Lei Geral do Esporte, em que pese não incluir disposições acerca do esporte eletrônico, constituirá nova base para a formalização dos contratos de imagem dos atletas dessa categoria, eis que guardam grande semelhança com a prática desportiva tradicional. Ademais, percebe-se que, com exceção do disposto no art. 164, o PL 1.825/2022 traz disposições que em quase nada se diferenciam das constantes na legislação desportiva atual, inovando pouco e mantendo uma das mais prejudiciais características do instituto do direito de imagem, qual seja, a desproporcionalidade.

Dessa forma, ainda que a Lei represente uma efetiva regulamentação e avanço em diversos outros pontos do cenário do desporto brasileiro, peca no que tange ao desenvolvimento e relevância do esporte eletrônico, bem como à cessão dos direitos de personalidade dos atletas, na medida em que se mantém bastante conservadora quanto aos temas.

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Hudson de Paiva Barbosa Junior, advogado desportivo no LCA advogados, membro do jurídico interno da Netshoes Miners e do GEDD São Judas

[1] BRATEFIXE J., Antônio Carlos. Introdução ao Estudo do Esports Law: O Direito do Esporte Eletrônico. Editora Mizuno, Leme/SP, 2021. posição 1744.

[2] AMBIEL, Carlos Eduardo. Direito de imagem e direito de arena: natureza jurídica e efeitos na relação de emprego. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, n. 17, p. 80-89, 2015.

[3] DOMINGOS, Leonardo Herrero. O TRABALHADOR DA BOLA E O ESPETÁCULO DESPORTIVO: Um estudo sobre o contrato especial de trabalho desportivo e a mercantilização da imagem do atleta profissional de futebol. Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Direito, Universidade de São Judas Tadeu. São Paulo, 2021.

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