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O direito de imagem do atleta e a cobrança do ISS

Por Livia Ricciotti

As primeiras linhas desta coluna são dedicadas para agradecer o espaço destinado a assuntos fiscais relacionados ao futebol. Do esporte que marca a nossa cultura, criou-se um ecossistema de negócios complexos em que a tributação não poderia deixar de ser escalada.

Escolhi uma, dentre as diversas facetas do direito de imagem do atleta, por ter observado, na prática, que a sua relação com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”) por vezes acaba ficando de lado.

É frequente no futebol a constituição de pessoa jurídica responsável pela gestão profissional da carreira do atleta de forma ampla (i.e., tanto no que diz respeito aos contratos de trabalho e direito de imagem a ele atrelado, como nos desdobramentos de negócios que podem vir a se concretizar por se tratar de uma figura pública). Nesse sentido, é comum que o jogador ceda a parcela econômica de seu direito de imagem a esta pessoa jurídica responsável pela sua efetiva exploração comercial.

Por muito tempo questionou-se esta estrutura jurídica sob a tese de que o direito a imagem deveria ser considerado intransferível e inalienável, conforme previsto na Constituição Federal (art. 5º, inciso X) e no Código Civil (art. 20). Contudo, essa questão foi superada pelos Tribunais Superiores, consolidando o entendimento de que assim como nos direitos autorais, o direito de imagem também possui um aspecto econômico e patrimonial passível de gerar receitas, que pode ser transferido a uma pessoa jurídica nos termos da legislação pátria (vide REsp 74.473 e ADC 66).

Nesse contexto, sendo a tributação concentrada em uma pessoa jurídica, é possível que esta calcule e recolha o ISS sobre as receitas decorrentes da exploração comercial da imagem do atleta e, caso não o faça, venha a ser autuada pelo Município de seu domicílio, pelo suposto enquadramento no subitem 3.02 da Lei Complementar nº 116/2003 (“LC 116”). Ocorre que, em quaisquer das situações, há fundamentos jurídicos para recuperar o valor recolhido indevidamente ou defender-se de eventual cobrança, em razão da natureza jurídica de tais receitas.

Segundo a Constituição Federal (“CF”), o fato gerador do ISS abrange a prestação de quaisquer serviços, desde que não incluídos na competência dos Estados (art. 156, III), reservando à lei complementar, dentre outras atribuições, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente quanto à definição de tributos e de suas espécies, bem como a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (artigo 146, III, “a”, da CF).

Com base no referido dispositivo constitucional, foi editada a LC 116, que, além de definir o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes do ISS, definiu ainda em sua Lista Anexa o rol de serviços passíveis de tributação pelo imposto municipal. No item 3 dessa lista constam os “serviços prestados mediante locação, cessão de direito e congêneres”.

Com efeito, o item 3.01 foi vetado pelo Presidente da República, em razão do entendimento unânime firmado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (“STF”), no julgamento do RE n° 116.121/SP, de que as práticas regidas pelo Código Civil têm definições de observância inafastáveis, sendo inconstitucional a incidência do ISS sobre locação de bens móveis.

Ocorre que o veto ficou restrito ao item 3.01 da lista de serviços anexa à LC 116, quando, na verdade, o racional da decisão do STF parece abranger todos os subitens do item 3 da lista, por não haver serviços envolvidos nos descritivos que versam sobre locação ou cessão de direito de uso. Assim, na ausência do veto presidencial, referidos subitens foram reproduzidos pela legislação municipal de todo país, cabendo aos contribuintes examinarem os elementos de sua atividade a fim de decidir pela caracterização ou não serviços nela envolvidos, litigando com o ente público quando a ausência de tributação do ISS é questionada.

Isso porque, a atividade de licenciamento de imagem, por si só, não caracteriza ‘serviço’ segundo a definição construída a partir da jurisprudência sobre o tema.

A partir do RE 116.121, a jurisprudência foi se fortalecendo em torno do binômio da “obrigação de dar X obrigação de fazer”, levando à edição da Súmula Vinculante 31, ainda vigente, pela qual é inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.

Diversos são os casos paradigmáticos em torno do tema que, apesar de não versarem especificamente sobre cessão do direito de imagem de atletas[1], carregam consigo o mesmo racional que vem sendo replicado pelos Tribunais de Justiça, no sentido de que o negócio jurídico firmado entre o atleta e a empresa titular do direito de exploração de sua imagem “configura apenas uma autorização, sem prestação de serviços, a impedir a tributação municipal”[2].

Assim, se no contencioso administrativo as chances de êxito são baixas em razão atividade vinculada que se sobrepõe ante à previsão do subitem 3.02 mantido na LC 116 e refletido na legislação local, no Judiciário, os jogadores vêm mantendo o êxito nas discussões sobre o tema.

Diante deste cenário e da mudança de drive fiscal que enfrentaremos a partir da reforma tributária em andamento, este é um bom momento para revisar o tratamento conferido ao ISS sobre as receitas relativa à exploração econômica da imagem do atleta e, a depender do caso, ingressar com medida judicial visando à recuperação de valores indevidamente recolhidos.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Não há decisão dos Tribunais Superiores envolvendo especificamente sobre o direito de imagem do atleta, por esbarrar em questões processuais que obstam a análise de mérito. Contudo, é de se destacar a pendência do julgamento da repercussão geral da questão constitucional suscitada no RE n° 1.348.288/SP (Tema 1.210), que discute a (in)constitucionalidade da incidência de ISS sobre contratos de licenciamento de uso de marcas e cujos efeitos podem impactar a matéria aqui posta.

[2] TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1071427-46.2021.8.26.0053; Relator (a): Fernando Figueiredo Bartoletti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/01/2023; Data de Registro: 09/01/2023.

Livia Ricciotti é Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Ciências Contábeis pela Trevisan Escola Superior de Negócios, Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogada Sênior no CSMV Advogados.

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