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O direito de imagem do atleta e seus contornos no Imposto de Renda

Hoje é dia de clássico na coluna!

Se tem um duelo entre Fisco e Contribuintes que marca os litígios de natureza desportiva-tributária no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) é a tributação do direito de imagem do atleta pelo Imposto de Renda.

É comum que jogadores de futebol constituam uma pessoa jurídica a quem será licenciado o direito de uso de sua imagem. Assim, na contratação de um atleta por um clube de futebol, é celebrado um contrato de direito de imagem concomitante ao contrato de trabalho desportivo, firmado pela pessoa jurídica licenciada, pelo mesmo prazo de vigência da atividade laboral.

Para além da eficiência fiscal que pode surgir a partir desse modelo de negócios, o licenciamento do direito de imagem a uma pessoa jurídica apta a explorar comercialmente a imagem do jogador passou a fazer ainda mais sentido a partir do avanço dos meios de comunicação e dos novos atributos de personalidades da mídia. É inegável que, no futebol, jogadores e comissão técnica são notados em campo pela sua imagem profissional – da qual decorre o direito de arena –, bem como pelos atributos pessoais que conectam o ídolo ao público, decorrendo daí um direito cada vez mais relevante, o direito de imagem.

A despeito desta formatação jurídica encontrar respaldo na legislação, a Receita Federal parece não se conformar com o modelo de negociação envolvendo clubes de futebol, tendo questionado ao longo da última década, por diversas vertentes, a legitimidade da exploração comercial da imagem, a natureza jurídica e a tributação dos pagamentos como receitas da pessoa jurídica.

Nos primeiros lançamentos fiscais sobre o tema, sustentava-se que valores percebidos a título de direito de imagem teriam natureza personalíssima e, portanto, só poderiam ser prestados (logo, pagos e tributados) pela pessoa física do atleta. No entanto, essa corrente não prosperou, apoiando-se na Constituição Federal, no Código Civil e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que reconhece a dupla vertente do direito de imagem, com conteúdo moral e patrimonial, sendo esta parcela passível de cessão a terceiros (e.g., REsp 74.473).

Num segundo momento, a argumentação fazendária passou a questionar a cessão gratuita do direito de imagem a pessoa jurídica na qual o atleta pertence ao quadro societário, na tentativa de reclassificar os valores acordados como rendimentos da pessoa física do jogador. Nesse ponto, a jurisprudência do CARF ficou dividida no tempo, admitindo a contratação envolvendo a pessoa jurídica apenas para os períodos posteriores à edição do artigo 129 da Lei n° 11.196/05.

As primeiras decisões favoráveis sobre o tema se referiam, na verdade, a contratos de publicidade firmados com terceiros, que não o clube de futebol[1] em que joga o atleta. Apesar da sutil diferença de cenários, tal elemento em nada modifica a natureza civil de contratos que exploram a imagem do atleta.

Ocorre que, mais recentemente, as autoridades fiscais federais vêm sustentando que a legitimidade da contratação do direito de imagem concomitante ao contrato de trabalho do jogador dependeria da evidência da efetiva exploração da imagem fora do espetáculo esportivo, partindo-se da premissa de que a contratação nesse formato seria motivada exclusivamente pela economia fiscal, aplicando inclusive multa qualificada em alguns casos, por suposta simulação visando à sonegação fiscal. Os lançamentos mais recentes passaram a considerar que apenas campanhas publicitárias de marcas famosas fossem aceitáveis, dentre outras métricas arbitrariamente impostas, sem qualquer base legal. Ignoram, assim, que o valor da imagem dos atletas (e seu potencial de engajamento do público) reflete diretamente no incremento das receitas dos clubes, decorrentes de bilheteria, licenciamento, patrocínio e direitos de transmissão.

O racional de tais autuações fiscais parte da premissa de uma suposta dependência entre os dois contratos – laboral e civil –, como se fosse algo ilícito. Em alguma medida são mesmo dependentes, pois a imagem do atleta está diretamente relacionada com a sua participação no elenco do clube, durante o período de vigência contratado, ressalvadas exceções ocasionadas pelo afastamento do jogador. Tudo isso possui amparo na Lei n° 9.615/98 (Lei Pelé), que permite, com todas as letras, que a remuneração total do jogador seja negociada de maneira fracionada desde que respeitado o limite de 40% do valor total pago ao atleta, e, mais recentemente, pela Lei n° 14.597/23 (Lei Geral do Esporte), que inclusive aumentou o parâmetro para o percentual de 50%.

Quando analisamos friamente as decisões administrativas sobre o tema, parece haver uma notável desvantagem aos contribuintes que optaram por explorar sua imagem comercial por intermédio de uma pessoa jurídica. Não se pode perder de vista, porém, que muitas das decisões desfavoráveis não se referem a períodos anteriores ao critério objetivo estabelecido no art. 87-A da Lei Pelé e, mais ainda, da atual Lei Geral do Esporte, dentre outras variáveis fáticas que interessam diretamente na conclusão do caso concreto.

O que se vê nas decisões administrativas mais recentes é que alguns julgados administrativos inclusive ressaltam o racional já consolidado no Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), de que o direito de imagem tem conteúdo patrimonial passível de licenciamento a terceiros; afirmando que o futebol é atividade esportiva incorporada à identidade nacional, sendo impossível não considera-lo como atividade de natureza cultural e, portanto, legítima a aplicação do art. 129 da Lei 11.196; além de que não estariam presentes os elementos característicos de uma relação trabalhista[2].

Em outro recente julgado recente, o CARF cancelou a cobrança envolvendo a tributação da imagem de jogador de futebol[3], destacando o direito da formatação jurídica eleita pelo atleta, e sua correspondente tributação, tendo em vista (i) o requisito de contrato de natureza civil de cessão do direito de uso da imagem do atleta, com fundamento no art. 87-A da Lei Pelé; e (ii) a declaração da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”).

Para além dessa possível tendência de reversão do cenário no Tribunal Administrativo, os contribuintes contam também com a possibilidade de levar o litígio para o Judiciário, seara em que, apesar de incipiente a disputa, desde o julgamento do Recurso Especial n° 74.473/RJ, pelo STJ em 1999, até a Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 66, transitada em julgado no STF em 2021, as cortes judiciais vêm assentando cenário seguro aos contribuintes.

De fato, nesta seara tal discussão teve início com a indústria do entretenimento, ganhando notoriedade com o apresentador Carlos Massa na Execução Fiscal n° 0024801-53.2011.4.03.6182 (“Caso Ratinho”), cancelada no Tribunal Regional da 3ª Região. A relatora do caso, Desembargadora Monica Autran Machado Nobre, considerou que “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas”.

Mais recentemente, no fim de 2023, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, confirmou a possibilidade de ceder a pessoas jurídicas o direito à exploração da imagem por meio de contratos “pejotizados”, garantindo uma tributação mais favorecida em relação a pessoa física. No voto, o Ministro Carlos Zanin, destaca que as autoridades fiscais não têm permissão para afastar o regime tributário mais favorável das pessoas jurídicas que prestam serviços intelectuais, “em especial os de natureza artística, científica ou cultural, ainda que a prestação de serviços seja realizada em caráter personalíssimo”, citando a jurisprudência do STF que permite o uso de pessoas jurídicas para o planejamento lícito de atividades produtivas, visando a redução de encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas.

Este cenário revela-se muito positivo para a tese de tributação da imagem do atleta na pessoa jurídica, pois, se na situação fática em que sequer há norma legal expressa para fazê-lo a Corte Suprema vem decidindo de forma favorável, que dirá no caso concreto em que a negociação é amparada em leis específicas sobre a matéria, como é o caso da Lei Pelé e da Lei Geral do Esporte?!

A conclusão, portanto, é de que a tributação da imagem na pessoa jurídica está devidamente amparada na legislação e que há bons precedentes administrativos e judiciais que servem de base de convencimento nas controvérsias travadas com o Fisco Federal. Ademais, espera-se que a Lei Geral do Esporte seja suficiente para colocar um ponto final nessa discussão ao firmar a interpretação de que “os prêmios por performance ou resultado, o direito de imagem e o valor das luvas, […] não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil” (art. 85, §1°), e que o direito de uso da imagem pode ser explorado por pessoa jurídica da qual o atleta seja sócio (art. 164).

E qual o impacto financeiro? Como fica com a reforma tributária?

Muitos são os questionamentos sobre a viabilidade de se manter tal estrutura societária, ante ao risco de autuações fiscais com juros e multa vis a vis à jurisprudência sobre o tema.

Sob a perspectiva fiscal, enquanto a tributação na pessoa física, sustentada pelo Fisco, resulta numa carga fiscal de aproximadamente 27,28% (considerando a dedução legal), a carga fiscal na tributação pela pessoa jurídica é de cerca de 14,03%, quase a metade, considerando a incidência de IRPJ/CSLL (sob regime do lucro real) e PIS/COFINS cumulativos – ou seja, quase a metade do recolhimento mensal pretendido pelas autoridades fiscais.

Tal eficiência fiscal, no entanto, sofrerá reduções significativas com a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. Isso porque, a Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 (“PEC 45”), aprovada em 15 de dezembro de 2023, altera a atual forma de tributação indireta de bens e serviços, concentrando a tributação no denominado IVA Dual composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) – que substitui o ICMS e o ISS –, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”) – em substituição ao PIS/COFINS e IPI.

Ou seja, a despeito das possíveis reduções aplicáveis, fato é que as pessoas jurídicas passarão a recolher seus tributos a partir de uma alíquota concentrada abrangendo tributos cuja incidência, nos moldes vigentes, não alcança as receitas de imagem – como é o caso do ICMS e do ISS (inclusive objeto do primeiro artigo desta coluna).

Pensando ainda na reforma da tributação direta que se pretende implementar em breve e que, segundo o Governo, inclusive deverá passar a tributar os dividendos, atualmente isentos, a revisão da estrutura jurídica sob a perspectiva fiscal será indispensável.

Porém, no momento atual, à luz da legislação vigente, seja pela perspectiva da legalidade, seja pela ótica financeira, ainda que a análise das decisões administrativas (sem nenhum discrímen) pareça não favorecer o contribuinte, esse é um embate que ainda vale a aposta.

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[1] Acórdãos 2202-003.682 (“Caso Pato”) e 2402-005.703 (“Caso Neymar Jr.”).

[2] Acórdão 2402-011.329 (“Caso Wagner”).

[3] Acórdão 2402-010.848 (“Caso Ávalos”).

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