Por Vitor Silva Muniz
Faltam apenas 9 dias para o início da Copa do Mundo da FIFA de 2022, mas a competição já é assunto há muito tempo, e não estamos falando sobre as convocações e previsões de resultados: as praças brasileiras estão tomadas por crianças, jovens e adultos empenhados em trocar figurinhas e completar o álbum da presente edição, o que, diga-se, nem sempre é tarefa fácil.
Mas se, no dia a dia, a troca de cromos é uma atividade de lazer, sua criação envolve questões jurídicas muito importantes que, se não tiverem a atenção devida, podem causar prejuízos consideráveis à editora responsável, entre elas a utilização da imagem dos atletas presentes no livro.
Partindo para o âmbito legal, é sabido que o art. 5º, inciso X da Constituição Federal protege a imagem do indivíduo, atribuindo a esta o caráter de inviolabilidade e prevendo a possibilidade de indenização material ou moral por eventual violação.
Além da disposição constitucional, a Lei 9.615/98 (Lei Pelé), em seu art. 87-A, prevê que “o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado […]”. Ainda, esse ajuste contratual tem natureza civil e não se confunde com o contrato especial de trabalho desportivo.
Para além do que está previsto nos artigos supracitados, é fundamental trazer ao debate a Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça, a qual prevê que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Ou seja, o ordenamento jurídico pátrio não apenas reconhece a inviolabilidade do direito personalíssimo de imagem e a expectativa de compensação indenizatória, como determina a objetividade da aferição dos danos por violação de imagem, sendo possível pleitear danos materiais e/ou morais independentemente de comprovação dos prejuízos alegados.
No caso do atleta profissional, o direito de imagem tende a fazer referência à exploração econômica plena da figura do jogador, se diferenciando, por exemplo, do direito de arena, que é de uso da entidade desportiva empregadora em relação ao espetáculo esportivo realizado.
Desse modo, o direito de imagem deve ser explorado a partir de avença firmada diretamente pela instituição que fará uso do atributo do profissional e o próprio atleta, nos termos em que as partes acordarem.
Portanto, ao comprar e trocar figurinhas, devemos lembrar que aquelas fotos veiculadas possuem um preço e é fundamental que a editora responsável busque regularizar tal exploração, sob pena de se ver obrigada a indenizar o jogador com o qual não tiver fechado contrato, ou na hipótese de exceder o que fora combinado no negócio feito.
A título de exemplo, em uma ação que chegou à segunda instância, no Rio Grande do Sul, duas editoras foram condenadas, em ambas as instâncias, a indenizar um atleta pela exploração da imagem em quatro álbuns de figurinhas.
Importante ressaltar que, nos autos, as rés argumentaram ter negociado os direitos com as equipes pelas quais o jogador atuou, apontamento que não foi acolhido pelo tribunal de origem, tampouco pelo TJ/RS, reforçando o que se elucidou no presente texto acerca da imprescindibilidade de que os direitos de imagem sejam negociados junto ao atleta.
Em outro caso, uma jogadora da Guiné Equatorial processou uma editora pela venda de sua figurinha após a vigência contratual. Com acordo para uso da imagem no álbum da Copa do Mundo de Futebol Feminino da Alemanha que duraria até 2011, a empresa teria veiculado os cromos ainda em 2021, afirmando que o comércio das figuras aconteceu em resposta à demanda de colecionadores.
Contudo, o juízo compreendeu que a comercialização da imagem dos atletas não deveria ocorrer de qualquer modo após o período contratado, de forma que a editora se viu obrigada a indenizar a requerente.
Em ocasião diversa, um jogador do Corinthians foi indenizado por figurar em livro de cromos que trazia a história do clube. Houve situações em que o pedido, contudo, foi negado, posto que o magistrado entendeu que a venda de figurinhas ainda estava abarcada por disposições contratuais.
Ainda, é fundamental considerar que a fixação do valor dos danos morais deve considerar os quesitos de proporcionalidade, razoabilidade e o caráter pedagógico da condenação, se amoldando a cada caso em específico.
Trazendo as lições apresentadas ao momento atual, é importante ter em conta que a Copa do Mundo de Futebol Masculino é uma competição que movimenta cifras consideráveis e tem uma grande magnitude em todo o mundo, sendo um evento amplamente televisionado, o que influencia inclusive nas vendas dos livros de coleção. No contexto mencionado , é essencial que sejam observados os direitos personalíssimos dos atletas apresentados nos famosos álbuns da Copa.
Nesse sentido, é possível notar como, até mesmo as diversões mais costumeiras, como a tradicional troca de figurinhas, carregam consigo importantes questões jurídicas.
Crédito imagem: Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapress
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Vitor Silva Muniz é acadêmico do 5º ano de Direito na Universidade Estadual Paulista e integrante do GEDiDe – UNESP Franca.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. LEI Nº 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm>. Acesso em: 09 nov. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_38_capSumula403.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2022.
SÃO PAULO. 6ª Vara Cível. Foro de Barueri. Processo nº 1008851-06.2020.8.26.0068. Juíza: Maria Elizabeth de Oliveira Bortoloto. Data do Julgamento: 04/03/2021.
SÃO PAULO. Vara do Juizado Especial Cível e Criminal. Foro de Barueri. Processo nº 1016873-19.2021.8.26.0068. Juíza: Telma Berkelmans dos Santos. Data do Julgamento: 31/08/2022.
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