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O direito de transmissão das rádios

Por Letícia Saldanha Ribeiro

Muito se fala e especula sobre os Direitos de Arena, popularmente conhecido com direito de transmissão, especialmente após o episódio envolvendo a famosa e polemica MP 984, ou MP do mandante. No entanto, a especulação do tema versa apenas, ou em grande parte, sobre a transmissão televisiva, fazendo com que as rádios passem “batidas” no meio deste debate que vez ou outra surge no cenário jusdesportivo. Mas como funciona o direito de transmissão radiofônico dos eventos esportivos não só no Brasil, mas no mundo?

 Para responder esta pergunta a nível nacional, teremos que analisar a Lei 9.615/98, mais conhecida como Lei Pelé, lei que regulamenta o esporte no Brasil, inclusive a questão do Direito de Arena – aquele direito oriundo da participação de atletas profissionais em transmissões desportivas -, mais precisamente em seu art. 42, vejamos:

Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

§1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

§2º O disposto neste artigo não se aplica à exibição de flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins exclusivamente jornalísticos, desportivos ou educativos ou para a captação de apostas legalmente autorizadas, respeitadas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)

I – a captação das imagens para a exibição de flagrante de espetáculo ou evento desportivo dar-se-á em locais reservados, nos estádios e ginásios, para não detentores de direitos ou, caso não disponíveis, mediante o fornecimento das imagens pelo detentor de direitos locais para a respectiva mídia; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

II – a duração de todas as imagens do flagrante do espetáculo ou evento desportivo exibidas não poderá exceder 3% (três por cento) do total do tempo de espetáculo ou evento; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

III – é proibida a associação das imagens exibidas com base neste artigo a qualquer forma de patrocínio, propaganda ou promoção comercial. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

§3º O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Ou seja, fica claro que quem possui o poder de negociação das transmissões dos eventos esportivos são as entidades de prática desportiva, no entanto, o texto do dispositivo legal deixa obscuro quando se trata da transmissão radiofônica, pois se refere apenas a imagem da partida, deixando uma lacuna em branco no que tange ao direito de transmissão das rádios, não concedendo o direito de cobrança das rádios por parte das entidades de prática pela transmissão do espetáculo. Em resumo, no Brasil as rádios estão isentas de pagamento de acordo com a lei.

Essa realidade difere um pouco (ou bastante) daquela apresentada pela FIFA, que no art. 67 de seu Estatuto, inclui a radiofonia em seu texto, expondo de forma clara que a entidade, seus membros filiados, confederações e clubes detém o direito exclusivo de transmissões, bem como de retransmissões sonoras e audiovisuais dos eventos FIFA, cabendo ao Comitê Executivo da instituição definir como será o uso desses direitos de acordo com a regras de cada Confederação filiada.

“67 Derechos en competiciones y actos

  1. La FIFA, sus federaciones miembro y las confederaciones serán los propietarios originales de todos los derechos de competiciones y otros actos que emanen de sus respectivas jurisdicciones, sin restricción alguna en lo que respecta al contenido, el tiempo, el lugar o la legislación. Estos derechos incluyen, entre otros, todo tipo de derechos patrimoniales, de grabación y difusión audiovisuales, multimedia, promocionales y de comercialización y marketing, así como los derechos inmateriales tales como los derechos de marcas y los de autor.
  2. El Consejo decidirá la manera y la extensión de la aplicación de estos derechos y aprobará una reglamentación especial con esta finalidad. Decidirá también en solitario si ejerce exclusivamente estos derechos o si lo hace de manera conjunta o completa con terceros.”

Essa dissintonia entre o regramento presente no Estatuto da FIFA e na Lei Pelé já fez com o que o assunto fosse parar inclusive nos tribunais, em 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil, que como todos bem sabem, trata-se de um evento pertencente a entidade máxima do futebol. À época, o Ministério Público Federal interpôs uma Ação Civil Pública contra a FIFA, alegando em síntese que ao exigir que as rádios pagassem pela transmissão de seu evento, a entidade estaria violando o Estado democrático de direito e impedindo o acesso a informação da população. O pedido do MP não prosperou, com razão, pois aduziu o Magistrado em sede de sentença¹ que o Ministério Público não seria parte legitima para propor aquela demanda e argumentou ainda que devido a magnitude do evento, se fazia necessário licenciamento prévio de agentes esportivos que fariam a cobertura, salientando que cabe a FIFA a garantia desses direitos e que o não pagamento pela sua transmissão lesaria os direitos daqueles que adquiriram o licenciamento para tal.

Outro caso curioso envolvendo o direito de transmissão radiofônico, envolveu o Clube Athlético Paranaense e algumas rádios locais, quando o Furacão, no ano de 2008, publicou em seu site uma nota informando que as rádios que possuíssem o interesse de transmitir os jogos do clube, deveriam pagar determinado valor – R$ 15.000,00 por jogo ou R$ 456.00,00 pelo pacote das 38 rodadas -, isso incluiria não só as partidas que fosse mandante, mas também aqueles que jogasse como visitante. Em breve resumo, após uma guerra de liminares, ainda que algumas rádios tenham se posicionado favoráveis a cobrança exigida pelo clube paranaense. as rádios levaram a melhor nos tribunais e se eximiram do pagamento para transmissão dos jogos.

Não podemos negar que o futebol é um modelo negócio que movimenta valores exorbitantes, fato este causado principalmente por conta de sua espetacularização ao longo dos últimos anos e nos faz questionar sobre o motivo das rádios aqui no Brasil estarem isentas de pagamentos pela transmissão do espetáculo, diferentemente do resto do mundo. Um questionamento que poderá ter mais de uma resposta dependendo da ótica que for analisada.

Se pensarmos pela ótica das rádios, ainda que tenham sido de extrema importância para tornar o futebol a paixão nacional, hoje, as emissoras de rádio estão em constante decadência e possuem cada vez menos relevância social, não fazendo sentido a cobrança de valores para transmissão de eventos esportivos. No entanto, é necessário o contraponto de que as rádios ao transmitirem partidas de futebol acabam conseguindo patrocínios e lucrando com essa transmissão, ainda que não sejam valores elevados como os da TV, dando mais sentido a uma possível futura adequação da legislação nacional para com a legislação FIFA.

Por fim, insta reforçar que não há previsão desse tipo de cobrança em nosso ordenamento jurídico e entendo que nos dias atuais os clubes possuem outra maneira de lucrar, que não através das rádios, e que uma possível alteração na legislação em que fosse colocado em prática a cobrança pela transmissão e retransmissão radiofônica dos eventos esportivos, além de ser complicado, poderia fazer com que as rádios chegassem ao fim.

……….

¹ Decisão: https://www.conjur.com.br/dl/fifa-direito-cobrar-emissoras-radio.pdf

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Letícia Saldanha Ribeiro, graduanda em direito pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro, atualmente cursando o 9º período. Possui certificado em Direito Desportivo pela PUC Rio, ABDConst, FUTJUR, Barça Innovation HUB e Direito Contratual e Mediação e Arbitragem pela FGV. Estagiária na área de Direito Desportivo do escritório Jucá, Bevilacqua & Lira Advogados.

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