O método e instrumentos dos jogos praticados como modalidade esportiva sempre foram desenvolvidos por meio do costume e, por isso, são patrimônios culturais, permitindo que qualquer indivíduo possa praticá-los informalmente e qualquer entidade possa organizar e administrar sua prática formal.
A existência do modelo federativo é natural em quase todas as modalidades esportivas hoje em dia, e esse modelo tem origens históricas na Europa do século XVIII.
Em um momento em que não só os aristocratas tinham tempo ocioso para praticar a atividade esportiva, mas também os operários, o esporte se popularizou de forma explosiva. Esses operários se organizavam em associações e praticavam o esporte entre si.
Logo se viu a intenção de essas associações competirem umas com as outras, mas, quando tentaram, observaram que cada um praticava o mesmo esporte com regras diversas. Era necessário um terceiro não interessado no resultado da partida para estabelecer as regras e administrar as competições. Daí surge a federação.
Importante observar que todo esse movimento foi feito sem a intervenção estatal de qualquer gênero, e por isso até hoje se vê como imprópria a intervenção do Estado em qualquer assunto esportivo, gerando assim o princípio da autonomia desportiva, que com certeza abordaremos aqui no Lei em Campo em outra oportunidade.
Mas o que isso tem a ver com a CBDEL?
O modelo administrativo dos eSports
O modelo federativo nos esportes analógicos faz muito sentido, uma vez que ele vai estabelecer regras para a prática esportiva de uma modalidade que já foi praticada por séculos.
O esporte eletrônico é o completo oposto: as empresas desenvolvedoras de games criam as regras de prática esportiva do jogo ao mesmo tempo em que o jogo é criado.
Esse fato consolida dois fatores importantíssimos:
– Não é necessário um terceiro para gerir as regras do jogo; as regras estão embutidas na programação do jogo eletrônico.
– O jogo tem um dono, o que impede que qualquer um organize e administre sua prática formal. É necessária a permissão dos donos.
Qualquer desenvolvedora poderia eleger alguma federação como a entidade de administração do desporto de sua modalidade, mas, até o presente momento, todas elas escolheram alternativas diferentes.
Por exemplo: a Riot Games toma para si todas as funções de uma federação, pois organiza e administra suas próprias ligas e competições, enquanto a Valve controla o calendário e qual competição será Minor e Major, deixando a organização das competições nas mãos de terceiros interessados na exposição de sua marca.
A ilegitimidade da CBDEL
A intenção da CBDEL foi óbvia desde o momento em que começou a se autodenominar “entidade máxima do esporte eletrônico”: controlar o esporte eletrônico no Brasil aproveitando-se da cultura das federações esportivas e da desinformação do público e até de investidores.
Porém, a estratégia da confederação foi a de desafiar clubes e desenvolvedoras em vez de oferecer a elas soluções e assim ganhar a legitimidade necessária para continuar no mercado.
O trabalho de marketing foi impecável: criação de Justiça Desportiva, Câmara de Arbitragem, diversas comissões – Educação, Ética, Atletas, Social e Familiar, Tecnologia, Arbitragem, Franquias, Regulamentação, Comércio, Relações Internacionais.
O marketing era impecável, mas falta trabalho, pois nenhuma competição séria se filiou a essa confederação. Além disso, alguns episódios envolvendo a Confederação Brasileira de Esporte Eletrônico incomodaram o mercado. Em 2016 a confederação organizou um campeonato de classificação para uma competição mundial em Jacarta, porém, não se organizou para mandar o time vencedor para a competição, e os brasileiros perderam a vaga.
A CBDEL chegou a ser filiada ao IeSF (Federação Internacional de eSports), representando o Brasil na modalidade, inclusive frente ao Comitê Olímpico Internacional, uma vez que a IeSF está buscando no COI a inclusão dos eSports nas Olimpíadas. A CBDEL foi excluída da IeSF em 2017.
A publicação de uma foto de membros da CBDEL na Federação Paulista de Futebol anunciando uma suposta parceria gerou uma carta aberta da Riot, Ubisoft, ESL e ABCDE (Associação Brasileira de Clubes de Esporte Eletrônico), os maiores stakeholders do mercado do eSport brasileiro.
A mensagem da carta aberta foi clara: não reconhecemos a CBDEL. A FPF foi mais clara: “Houve um pedido para visita de cortesia, que aconteceu para a apresentação da CBDEL”, mas “não há nenhum acordo entre FPF e CBDEL”.
E nesta semana foi confirmado que a CBDEL teve a certificação no Ministério do Esporte suspensa por não atender aos requisitos “transparência na gestão da entidade; instrumento de controle social e gestão democrática; acesso irrestrito a todos os associados e filiados quanto aos documentos e informações relativas à prestação de contas e as relacionadas à gestão da respectiva entidade”.