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O discurso de Caboclo vence a desesperança. O problema vem agora

O discurso foi bonito. “Transparência”, “integridade”, “eficiência”, “ética”, todas essas palavras repletas de significados importantes para a gestão esportiva foram repetidas pelo novo presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Rogério Caboclo. E ele foi além, falou o que a imensa maioria da comunidade do esporte encara com desesperança: “Vou administrar com total independência de meus antecessores”.

Um novo tempo, ou apenas um discurso politicamente oportuno?

Do discurso à prática, o tempo será soberano. Mas é importante analisar como a CBF vai se portar. Monitorar comportamentos e posturas. O que já dá para adiantar é que, se o discurso for realmente um compromisso, já existe um caminho a seguir.

A palavra ainda é estranha, mas já se tornou indispensável para o mundo da gestão esportiva: compliance. Tem quem diga que é “muito caro” aplicar. Esse só pode ser o argumento de quem não está comprometido com uma gestão transparente e eficaz. E quem aplica comprova: é investimento.

Hoje, cada dia mais, o mercado se preocupa quando vai investir recursos associando seu negócio à imagem de uma empresa, marca, atleta, etc. A reputação das organizações está cada dia mais em evidência, portanto, uma grande empresa não pode estar associada a qualquer imagem de corrupção ou atitudes criminosas. Nem o esporte pode. Diante disso, as principais empresas do mundo buscam transparência e programas de conformidades.

Nos últimos anos, nunca se falou tanto em compliance no Brasil.

Dois motivos importantes: o primeiro, os efeitos da Lei 12.846/2013, que trata dos casos de corrupção envolvendo empresas multinacionais e o governo brasileiro nas investigações da Lava Jato; o segundo, denúncias de corrupção e suborno contra membros da FIFA (Federação Internacional de Futebol) e diretores da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

O esporte está sendo vigiado. Cada vez mais.

E ele precisa ser protegido de administrações amadoras e/ou criminosas.

É sabido. A autoridade máxima do futebol mundial, a FIFA, se viu diante de um escândalo sem precedentes depois que uma investigação rigorosa dos Estados Unidos apontou crimes na associação, que tem sede na Suíça.

Denúncias de fraudes em eleições, propinas e sonegações fiscais foram alguns dos principais pontos investigados nos últimos 20 anos pelo governo dos EUA, com auxílio de alguns países da Europa. As investigações chegaram aos nomes de cartolas muito influentes do esporte mais popular do mundo.

No dia 27 de maio de 2015, o FBI foi até um hotel em Zurique com mandados de prisão para 14 dirigentes esportivos, entre eles José Maria Marin, ex-presidente da CBF. Todos acusados de corrupção. Cinco meses depois, o Comitê de Ética da FIFA (que tem independência estatutária da entidade) afastou, entre outros, o então presidente Joseph Blatter. Dois meses depois, Blatter e Michel Platini, ex-presidente da UEFA, foram considerados culpados por gestão desleal e conflitos de interesse e afastados do esporte por oito anos.

Gianni Infantino assumiu a FIFA prometendo transparência e um novo modelo de gestão.

Mesmo assim, em julho de 2018, o Conselho da FIFA ratificou o novo Código de Ética. Nele a palavra “corrupção” simplesmente sumiu. Logo ela, que havia sido decisiva no combate ao maior escândalo da história do esporte. Um gol contra o próprio discurso.

A CBF também sentiu os efeitos de algumas mudanças que a FIFA passou a tomar, até como resposta ao apelo por mais moralidade.

Em função dos sérios problemas administrativos da CBF, a Federação Internacional suspendeu o repasse do Fundo de Legado da Copa 2014. Ele só foi retomado no fim do ano passado, após um longo período de negociações e com a entidade brasileira se comprometendo a apresentar garantias de monitoramento e auditorias.

Mas compliance vai além disso. É um programa que busca o cumprimento de leis e regras por meio de procedimentos e mecanismos que envolvam todos os níveis de uma organização, gerando cultura comportamental mais organizada e ética nas instituições.  Simplificando, o programa nada mais é do que desenvolver, estimular, cobrar e monitorar colaboradores, do presidente ao estagiário, a fim de evitar atos ilícitos nas empresas.

No Brasil, mecanismos de transparência e ética são, além de uma questão moral, exigência legal também no esporte. A Lei de Incentivo ao Esporte, o Profut, a Lei Pelé (no art. 18), o Decreto 8.420/2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção (12.846/2013), já cobram das entidades do esporte mecanismos de gestão responsável em troca de crédito e benefícios fiscais.

O novo projeto de Lei Geral do Esporte, que tramita no Congresso, vai além: tipifica o crime de corrupção privada no Brasil.

Com os últimos presidentes da CBF Ricardo Teixeira, José Maria Marins e Marco Polo Del Nero sendo investigados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o futebol brasileiro vem sofrendo severas críticas da mídia e de instituições ao redor do mundo, criando um cenário bastante inseguro. Perde-se credibilidade, perde-se dinheiro.

Até parece paradoxo, mas no esporte a evolução nos mecanismos de gestão anda mais lentamente que em outras atividades empresariais.

Mas seria preciso esperar por uma lei mais rigorosa para mudar a forma de gerir nosso esporte? A resposta é: não (muito embora uma legislação esportiva mais severa no combate à corrupção seja muito bem-vinda).

Gestores comprometidos com transparência e eficiência devem tratar disso desde já. Afinal, agindo dessa forma, tornariam público o compromisso com a eficiência e transparência.

Investir em integridade é mais do que uma necessidade legal, é um compromisso público do gestor com duas palavras indispensáveis na gestão de um negócio: transparência e ética.

E isso não pode ficar apenas no discurso do novo presidente da CBF, Rogério Caboclo. Mas precisa ser um compromisso que ele assume não só com o presente, mas também, e principalmente, com o futuro da entidade. E a vigilância será como tem que ser: permanente.

Por Andrei Kampff e Nilo Patussi

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