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O episódio Renato Gaúcho e as possíveis repercussões na esfera desportiva

No último sábado, dia 27 de abril, o técnico do Grêmio Renato Portaluppi protagonizou uma cena no mínimo inusitada em partida disputada contra o Bahia, na Arena Fonte Nova, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro. Aos 46 minutos do segundo tempo, após a expulsão do atleta Diego Costa, que estava no banco de reservas após ter sido substituído, por ter supostamente ofendido o quarto árbitro, o técnico fez um gesto com a mãos no sentido de que “acabou” e ordenou a saída de campo de todos os integrantes da delegação que estavam no banco de reservas. Os jogadores suplentes deixaram o espaço e permaneceram assistindo à partida do túnel inflável que dá acesso aos vestiários. Apenas dois membros da comissão médica do clube, visivelmente constrangidos, permaneceram no local. Na entrevista coletiva realizada após a partida, o técnico negou a ofensa e afirmou que o atual presidente da comissão de arbitragem da Federação Baiana de Futebol (FBF), Jailson Macedo Freitas, estaria em campo e teria informado ao quarto árbitro a afirmada ofensa, o que configuraria interferência externa. Renato Gaúcho, então, justificou sua conduta como forma de evitar sua própria expulsão e de outros atletas.

O episódio teve enorme repercussão nos meios de comunicação e entre os torcedores.  Numa primeira mirada, não há dúvidas de que o técnico se excedeu em suas atitudes, por mais que estivesse de “cabeça quente” naquele momento. Sua conduta representa apenas mais uma daquelas que depõem contra o combalido Campeonato Brasileiro, o qual deveria ser o produto premium do futebol nacional, mas que convive com acusações de manipulação de resultados, problemas com a qualidade dos gramados e da arbitragem, calendário mal organizado, vendas de mando de campo, falta de fair play dos atletas e membros das comissões técnicas, realização de partidas nas datas FIFA, etc.

Em que pese tais constatações, o técnico fez acusações graves que merecem a devida apuração dos organizadores, especialmente da CBF que, num primeiro momento, se limitou a afirmar que Jailson estava no gramado atuando apenas como delegado da partida, sem interferir em questões disciplinares. O Grêmio, inclusive, divulgou nota afirmando que protocolará uma notícia de infração disciplinar junto à Procuradoria do STJD, com base no art. 74 do CBJD, para que o evento seja investigado e sejam tomadas as devidas providências. A Associação Nacional de Árbitros de Futebol (ANAF), por sua vez, informou que pedirá ao STJD o banimento de Jailson pela interferência externa, fato que mancharia a imagem e exporia ainda mais a arbitragem nacional.

A grande questão que se coloca é a seguinte: quais as repercussões que conduta do técnico Renato Gaúcho podem projetar na esfera desportiva daqui em diante? Neste ponto, é preciso separar a conduta do técnico de ter saído de campo e ordenar a saída dos atletas do banco de reservas das acusações realizadas, em si.

Sobre o primeiro ponto, me parece claro que a conduta adotada pelo técnico foi claramente contrária à ética e à disciplina esportiva, fazendo com que a Procuradoria do STJD possa denunciá-lo nos próximos dias pela infração disciplinar prevista no art. 258 do CBJD, com a possibilidade de suspensão de uma a seis partidas. Se os auditores entenderem que a infração foi de pequena gravidade, o que não nos parece ser o caso, existe a possibilidade de a pena de suspensão ser substituída pela de advertência.

No mais, a questão envolvendo a suposta interferência é mais sensível. Isto porque, caso devidamente comprovada, interferência externa é vedada nas regras do jogo e sua permissão significaria a inobservância daquelas. A aplicação errônea das regras do jogo representa erro de direito, o qual legitimaria eventual pedido de anulação de partida, nos termos no art. 259 do CBJD, que representaria uma situação excepcional na qual um erro típico e grave o suficiente para macular a disputa permitiria uma intervenção do STJD no resultado produzido dentro de campo, que deixaria de ser válido e excepcionaria o princípio da pró-competição, que é tão caro ao direito desportivo. Como se nota, o erro de direito não se confunde com o erro de fato, que seria o simples e corriqueiro erro de arbitragem, que normalmente envolve interpretação dos fatos ocorridos dentro de campo e que compõe o elemento humano do esporte, não passível de revisão pelos tribunais desportivos.

Uma investigação séria e profunda sobre a eventual interferência externa é imperiosa. Deverá ser comprovada cabalmente para que um eventual pedido de anulação de partida seja acolhido pelo STJD, além de que sempre haverá espaço para discutir se o suposto erro de direito foi suficiente para alterar o resultado da partida, pois assim dispõe o CBJD.  É mais que compreensível que os tribunais desportivos sejam reticentes e cautelosos ao invalidar uma partida, pois não desejam gerar precedentes de difícil administração no futuro.

Será preciso acompanhar o caso e seus próximos capítulos. De qualquer maneira, já passou da hora de os atores do futebol brasileiro discutirem os reais problemas do esporte nacional no sentido da prevenção e do planejamento. Indignação seletiva e debates ocorridos apenas no calor dos acontecimentos pouco contribuem.

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