O assunto esportivo mais comentado da semana foram as críticas e elogios à decisão de brasileiros de torcerem pela seleção Argentina na final da Copa América. Vários textos e artigos já foram escritos sobre esse tema, dentre os quais as interessantes análises feitas por Téo Benjamim (Twitter) e Milly Lacombe (UOL). Do seu modo, cada um tenta explicar que fenômeno é esse de ver tantos brasileiros torcendo contra aquela que foi por muito tempo uma das grandes expressões da cultura e da identidade nacional: A Seleção Brasileira de Futebol.
Começo dizendo que cada um que torça para quem quiser e pelo motivo que lhe for mais justo. Se o amor e o ódio são apenas faces da mesma moeda, então cada um que pague suas dívidas como achar melhor. Torcer contra ou a favor sempre fez parte das nossas vidas, e não seria diferente nesse momento. E acima de tudo não vamos esquecer que estamos falando de esporte, cuja função é trazer alegria, divertimento e cidadania às nossas vidas. Só isso. E tudo isso …
É natural que grandes competições esportivas despertem em nações seus sentimentos mais aflorados de patriotismo. Olimpíadas, Copa do Mundo, Eurocopa e Copa América são oportunidades de fazer do esporte mais uma camada de superioridade geopolítica, afirmando a força, o poder e a hegemonia de nações sobre as demais. As ligações entre futebol e política são históricas, um tirando do outro benefícios recíprocos para se sustentarem ao longo do tempo. Mas se o Brasil é o país hegemônico na América do Sul, por que então parte da sua torcida se posicionou contra sua própria seleção, variando entre a descrença, o desdém, a distância e o desejo da derrota ? Não tenho a pretensão de responder a uma pergunta de tamanha complexidade, mas trago dois pontos de reflexão para nos ajudar a caminhar por essa trilha mal iluminada. E eles passam pela relação da torcida com as dimensões esportiva e simbólico-política do futebol.
Na dimensão esportiva, a falta de público nos estádios e a completa ausência de identificação entre os torcedores e a maioria dos jogadores podem ajudar a explicar esse distanciamento. O torcedor brasileiro guarda uma relação histórica de afeto por sua seleção. Muitos aprenderam a amar o futebol graças a ela, acompanhando seus jogos em torneios internacionais e vendo nos seus jogadores um reflexo de si mesmos. Mas esse elo tem se enfraquecido. Nos últimos anos, quem mora em Londres teve mais chances de ver essa seleção ao vivo do que todos nós. Além disso, um futebol que vende seus talentos cada vez mais jovens tira das torcidas locais a chance de criar vínculos de identidade e de idolatria com os jogadores, escalando equipes cada vez menos conhecidas e admiradas. Ver os jogos pela TV com arquibancadas vazias e jogadores “distantes” certamente tornou ainda mais impessoal a relação entre torcida e seleção.
E isso nos leva ao segundo ponto: a dimensão simbólica e política do futebol. O quanto ele efetivamente representa e reflete parte da identidade de um país ? Vista em primeiro plano, a ideia de que torcer por sua própria seleção seja um ato de patriotismo parece ser plausível e razoável. E o que define esse sentimento de patriotismo ? Há vários conceitos que poderiam ser explorados, mas gosto de pensar que ser patriota é amar verdadeiramente seu país. Só que o amor não é apenas um sentimento. O amor é uma atitude. Logo, ser patriota é contribuir cotidianamente para que seu país seja melhor, não apenas com palavras ou sentimentos, mas acima de tudo com exemplos e ações construtivas. E assim como torcer, o não torcer é um ato político, cuja mensagem amplifica a ideia de que o sentimento patriótico vai muito além de meramente torcer para um time de futebol, e que – em alguns casos – pode até mesmo significar torcer contra. Sim, podemos amar nosso país e ao mesmo tempo negar nossa seleção, ao dizer que aqueles que lá estão não representam nossa identidade, ou ainda que não há motivos para nos orgulharmos daquilo ou daqueles que ela mesma representa nesse momento.
As sequelas da epidemia de Covid 19 no Brasil serão muito mais profundas do que aquelas que por enquanto podemos ver. No triste percurso que nos levou a conviver com mais de 500.000 vidas perdidas, a imensa maioria dos jogadores que deseja o amor e a idolatria dos brasileiros jamais se posicionou em relação a tudo o que aconteceu com o seu país, aceitando jogar uma criticada Copa América sem qualquer questionamento mais contundente. Jamais usaram publicamente sua imagem, influência, poder ou capacidade de mobilização para demonstrar empatia ou colaborar com a solução de questões relevantes. Nunca estiveram presentes. E ainda não sabem por que estamos distantes.
Narciso se entristece com nossa falta de carinho e ao saber que não é amado como gostaria. Porque a Narciso não basta ser belo, é preciso o reconhecimento da sua beleza. Nossas vozes e olhares são apenas um espelho no qual possa se admirar, e por isso se ofende com nossos olhos fechados. Mas Narciso não está sozinho. Ele representa a geração de jogadores que vivem como flores de plástico. Na superficialidade da sua aparência, são belas enquanto vistas de longe, mas perdem a vida quando chegamos mais perto. Não sei qual será o futuro do nosso feio Narciso, de sua insossa seleção ou do seu derrotado país. Como nossa geração entrará para a História, apenas a História poderá dizer. Mas pela bola que estamos jogando dentro e fora de campo, tenho a leve sensação que continuaremos perdendo de goleada …
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Tom Assmar tem graduação e mestrado em Administração, e atua há mais de 25 anos com gestão, planejamento e finanças. Acredita que o futuro do nosso futebol passa necessariamente pela formatação de um produto que atenda aos interesses coletivos e pela qualificação da gestão dos clubes. É sócio do Futebol S/A.