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O esporte como direito fundamental (de 2ª dimensão)

Conforme já ressaltamos em colunas anteriores, o esporte é inegavelmente um fator cultural de formação da identidade nacional. Quando pensamos no caso brasileiro, é inexorável o fato de que a imagem de nosso país é associada mundo afora aos grandes símbolos do esporte nacional, como Ayrton Senna e Pelé, por exemplo, como se o nosso DNA dali fosse extraído. Mas é preciso ir além. O esporte também é instrumento de promoção da saúde física e mental, do bem-estar, de inclusão social, de desenvolvimento, de soft power e até mesmo da consecução da paz entre as Nações. O Constituinte de 1988 não permitiu que na carta democrática sob elaboração o esporte passasse em branco mais uma vez. A partir da previsão do art. 217 da Constituição Federal de 1988 nascia a inédita constitucionalização do esporte. O desporto passa a contar com um capítulo específico e, apesar de conter um único artigo, suas previsões partem do reconhecimento da multifacetada importância do esporte e desaguam na consagração do esporte na qualidade de direito fundamental. Daí a pergunta inevitável surgida: qual o significado, alcance e relevância da previsão?

Em primeiro lugar, a elevação do desporto ao patamar constitucional serviu para avalizar o reconhecimento da autonomia do direito desportivo em relação às demais cadeiras jurídicas, cuja construção seria fundamental por razões científicas e, sobretudo, didáticas, facilitando a criação de cursos e disciplinas específicas e viabilizando a produção e a difusão de conhecimento nesta área de conhecimento. Por mais, a CF/88 marcou o rompimento definitivo com a sistemática do DL 3.199/1941, que nasceu na era Vargas e vinha espelhando suas diretrizes na legislação subsequente até então. Restou consolidada a retirada dos tentáculos do Estado no domínio esportivo, com o reconhecimento de que o ecossistema esportivo é, em essência, privado, e que às entidades desportivas cabe exercer suas atividades com a necessária autonomia, seja no sentido da autorregulação, do autogoverno ou da autoadministração, aspectos estes agora realçados e regulamentados pela Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/2023). A regulação estatal a incidir sobre o esporte passa a ser, então, mínima ou residual, respeitando-se a referida autonomia das entidades.

O papel do Estado no domínio esportivo, desta maneira, seria fruto da previsão, também no art. 217 da CF, de que o esporte, dada sua magnitude, seria um direito fundamental do cidadão. Passa a ser direito de cada um ter acesso à prática esportiva de maneira democrática, partindo-se do reconhecimento de como o esporte é instrumento que pode ter elevado valor também no sentido educacional, da transmissão de valores, do reconhecimento do outro, de disciplina, do respeito às regras, etc. Neste quadro, o Estado passa a ter um papel primordial no incentivo às práticas desportivas, sejam elas lúdicas ou profissionais. Ou seja, nascia um direito fundamental atrelado ao dever estatal de democratizar o acesso ao esporte à população brasileira.

Ocorre que o direito fundamental ao esporte carrega consigo uma série de desafios. O principal deles é decorrente da sua própria essência. Na perspectiva do enquadramento do desporto na teoria geral dos direitos fundamentais, é possível afirmar que o esporte figura como um direito fundamental social, ou seja, de 2ª geração (ou dimensão). Por si só, este já configura um fator complicador ou desafiador. Isto porque, tal categoria de direitos fundamentais, assim como o direito à saúde, educação, moradia e saneamento básico, a título ilustrativo, dependem de um atuar positivo do Estado, no sentido da implementação de políticas públicas. Para garantir o direito ao esporte, por exemplo, o Estado deve disponibilizar espaços públicos para a prática esportiva que sejam acessíveis à população em geral, criar e implementar políticas educacionais para a prática do esporte nas escolas e para apropriação do mesmo como instrumento educativo e, ainda, formar e contratar profissionais qualificados. A questão é que a referida atuação custa dinheiro e é sabido que os recursos públicos, em essência, são escassos.

Como adentramos a esfera da reserva do possível, a implementação de direitos sociais demanda escolhas, muitas vezes excludentes. Se os recursos públicos são limitados, ainda mais em países em desenvolvimento, quais direitos implementar? A atuação do gestor público dependerá da eleição de prioridades, o que sabemos que costuma ser um problema sensível em nosso país. O esporte nem sempre ocupa lugar de destaque na pauta das prioridades públicas, exceto em momentos pontuais, como quando o Brasil sediou a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016, o que acaba prejudicando sua concretização. O próprio movimento histórico (e vacilante) de criação e abolição do Ministério do Esporte ao longo das décadas no Brasil reflete bem nossa afirmação. Aliado a isso, não raro, em governos de coalizão, o Ministério do Esporte acaba sendo utilizado para efeito de loteamento de cargos e acaba virando objeto constante de especulações e reformas ministeriais sem respeito a critérios técnicos, em busca de governabilidade, exatamente por ser encarado como um Ministério pouco estratégico para os diferentes governos, das mais diversas matizes, frise-se.

O desafio é grande. A concretização do direito fundamental ao esporte, enfim, depende essencialmente de vontade política. Nossa potência esportiva é imensa. As políticas públicas esportivas no Brasil, como determina a CF, devem, tanto quanto possível, priorizar o desporto lúdico e educacional, por atingir um maior número de pessoas. No desporto de alto rendimento, ao revés, o Estado deve evitar aplicar recursos direitos, o que deve acontecer apenas em casos pontuais e excepcionais. Sua atuação deve se dar no sentido de criar um espaço regulatório que confira segurança jurídica para captação de investimentos privados.

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