Por Mário Rodolfo Chaves da Silva e André da Silva Corrêa de Oliveira
Considerado a principal disposição constitucional que versa sobre o Desporto, o artigo 217 estipula o dever do Estado em fomentar práticas desportivas formais e não-formais, bem como destinar recursos públicos para a promoção do desporto educacional e de alto rendimento, esse último em casos específicos.
Entende-se por fomento a obrigação da administração pública em impulsionar, estimular, auxiliar e proteger o esporte, gerando a necessidade da construção de ações por parte do governo que facilitem o desenvolvimento esportivo no nosso país.
Nesse sentido, temos a construção de um universo legislativo infraconstitucional que cria possibilidades jurídicas as quais visam incentivar a prática desportiva como meio de educação, socialização, inclusão e profissionalização, cabendo a nós delegar atenção às normas desenvolvidas pelo Estado com o objetivo de assegurar o repasse dos referidos recursos.
Trazendo luz ao tema, faz-se necessário atentar ao previsto no artigo 56 da Lei 9.615/1998, denominada Lei Pelé, o qual aponta que os recursos necessários ao fomento das práticas desportivas formais e não-formais serão assegurados em programas de trabalho específicos constantes dos orçamentos dos entes federativos, além dos provenientes de outras fontes de receita, importando para a discussão do presente tema a oriunda da exploração de loteria e de incentivos fiscais previstos em lei.
Chegamos, dessa forma, às três leis objeto de análise do presente texto, que materializam algumas das principais formas de fomento Estatal à prática desportiva. Vejamos.
De início, cabe trazer à colação a Lei nº 11.438, de 29 de dezembro de 2006, denominada Lei de Incentivo ao Esporte, a qual autoriza pessoas físicas e jurídicas a destinarem uma parcela de seu imposto de renda em benefício de projetos desportivos e paradesportivos previamente aprovados pelo Ministério do Esporte (transformado pelo atual Governo em Secretaria Especial vinculada ao Ministério da Cidadania).
Em seu artigo 2º, ficam expressas três manifestações a serem atendidas, nos termos e condições definidas, para a inscrição e apresentação de projetos com o objetivo de captação de recursos através do incentivo fiscal. São elas:
I – Desporto Educacional: Direcionado ao ensino da modalidade esportiva e implementação de determinada categoria.
II – Desporto de Participação: Projetos de cultura lúdica, voltados ao esporte de lazer, não envolvidos em competições ou qualquer evento com característica de competitividade.
III – Desporto de Rendimento: Projetos que incluem a competição, treinamentos e participação em competições, envolvendo a manifestação de uma modalidade.
Dentre as modalidades, destaca-se o inciso I, apresentando como objetivo principal a prática do desporto nos mais diferentes ambientes, além do auxílio a cada indivíduo na formação consciente a respeito do exercício da cidadania, incluindo, como regra, a obrigatoriedade de 50% dos beneficiários estarem matriculados em instituições públicas de ensino.
No âmbito da referida Lei, é importante esclarecer que se entende por patrocinador ou doador o contribuinte do imposto de renda que apoie projetos aprovados pelo Ministério do Esporte, relativamente à pessoa jurídica 1% do imposto devido e à pessoa física 6% sobre o imposto devido na declaração anual. Proponente, por sua vez, é a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado com fins não econômicos, de natureza esportiva, que apresenta e tem os seus projetos aprovados pelo órgão governamental.
Para o aproveitamento do referido incentivo fiscal, é necessário que as partes observem alguns requisitos estabelecidos. Desses, merecem destaque a letra constante no artigo 1º, o qual determina que as pessoas jurídicas não poderão deduzir os valores de que trata o caput do referido artigo para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, além de apontar que não são dedutíveis os valores destinados a patrocínio ou doação em favor de projetos que beneficiem, direta ou indiretamente, pessoa física ou jurídica vinculada ao doador ou patrocinador.
Às entidades denominadas proponentes, é necessário observar a vedação de que trata o §2º do artigo 2º, que aponta pela proibição da utilização dos recursos oriundos dos incentivos fiscais para o pagamento de remuneração de atletas profissionais, nos termos estabelecidos pela Lei Pelé, em qualquer modalidade desportiva.
Uma vez identificada quaisquer das infrações previstas no artigo 10, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, o patrocinador ou o doador ficarão sujeitos ao pagamento do imposto não recolhido, além das penalidades e demais acréscimos previstos na legislação – sendo o proponente solidariamente responsável quando enxergada a inadimplência ou irregularidade – e a figura do infrator ficará sujeita ao pagamento de multa correspondente a duas vezes o valor da vantagem auferida indevidamente.
Cabe ao Proponente, conforme expresso no artigo 7º, a apresentação ao Ministério do Esporte (agora secretaria Especial) da prestação de contas dos projetos beneficiados pelos incentivos previstos em lei. Entretanto, é necessário dar a devida importância para a agilidade no retorno da auditoria das contas apresentadas, implicando uma maior transparência ao direcionamento dos incentivos, além de mostrar confiabilidade frente aos doadores e patrocinadores para que haja uma maior fidelidade na ampliação de recursos.
A Lei Federal nº 13.155, de 04 de agosto de 2015, por sua vez, cria o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, ou simplesmente PROFUT, com o objetivo de promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiro das entidades desportivas profissionais de futebol, conforme estipula o seu artigo 2º.
A referida Lei institui a possibilidade de os clubes recuperarem suas dívidas junto ao governo federal através de um parcelamento especial, estabelecendo um prazo de até 240 vezes (20 anos), com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais, além da presença de descontos nos cinco primeiros anos a partir do parcelamento.
Segundo o que prevê seu artigo 3º, para que os clubes possam se beneficiar do PROFUT, é exigível a apresentação do estatuto social da agremiação, dos demonstrativos financeiro e contábil e a relação de operações de receitas antecipadas, necessitando ainda, para a manutenção da entidade desportiva no programa, o cumprimento das condições estipuladas no artigo 4º, merecendo destaque a garantia de que as obrigações trabalhistas e tributárias federais estejam em dia, a constituição, por parte da entidade desportiva, de um conselho fiscal autônomo, além da manutenção de investimento na formação das categorias de base e do futebol feminino.
O cumprimento das referidas obrigações é fiscalizado pela Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT, órgão responsável por estabelecer princípios e práticas de responsabilidade fiscal e gestão transparente e profissional no futebol. Desde que constatadas irregularidades, dá-se início a um procedimento administrativo contra o clube infrator dos compromissos de adesão, o qual ao fim pode ensejar na pena de exclusão do benefício.
Uma vez decidida pela exclusão, o clube sofre com a apuração do valor original do seu débito e dos acréscimos legais, sendo deduzido o valor já pago no decorrer do benefício. Há, portanto, uma atualização da dívida devida, que será cobrada de forma acumulada e nos moldes do seu trâmite original.
Acerca da Timemania, loteria federal instituída através da Lei 11.345 de 14 de setembro de 2006, temos a possibilidade ofertada aos clubes para renegociarem suas dívidas, permitindo-lhes o pagamento de débitos tributários e trabalhistas, além de débitos previdenciários, com a Receita Federal (Imposto de Renda Retido na Fonte, Imposto de Pessoa Jurídica), INSS, FGTS, PIS, COFINS e outros mais.
Do valor arrecadado pelas apostas, temos que a parcela destinada aos clubes é fragmentada da seguinte forma: 65% é dividido igualmente para os 20 (vinte) primeiros colocados no ranking, ou seja, aqueles que mais foram marcados como “clube do coração” pelos apostadores, 25% é destinado do 21º ao 40º colocados do mesmo ranking e 10% aos demais clubes.
Não obstante, para que esteja habilitada a participar do concurso, a entidade de prática desportiva precisa observar os requisitos estabelecidos pela supramencionada Lei, conforme estipula o seu artigo 1º e parágrafos, merecendo destaque a necessidade de elaboração, até o último dia útil do mês de abril de cada ano, independentemente da forma societária adotada, de demonstrações financeiras que separem as atividades do futebol profissional das atividades recreativas e sociais, segundo os padrões e critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade.
Cabendo observar, por fim, que as demonstrações financeiras devem, após auditadas por auditores independentes, tornar-se objeto de divulgação por meio eletrônico, em sítio próprio da entidade desportiva, e ser publicadas em jornal de grande circulação.
Findada a síntese, cabe ressaltar que ainda há muita margem para o Estado promover o devido incentivo ao desporto nacional, especialmente diante do grande potencial que enxergamos no nosso país. Mais recentemente, inclusive, foi sancionada a Lei 14.193/2021, ou simplesmente Lei das Sociedades Anônimas do Futebol, que traz em seu escopo mais medidas de incentivo e elabora novos caminhos facilitadores para que os clubes saiam do fundo do poço financeiro.
Merece destaque o Regime Centralizado de Execuções, que permite a reestruturação das dívidas do clube através de um concurso de credores, tanto na esfera trabalhista quanto na cível, concedendo um prazo de seis anos para adimplemento aos credores, possibilitando ainda a renovação desse prazo por mais quatro anos.
A presença de mais uma Lei nos faz questionar se agora, de fato, o nosso futebol caminhará rumo à assimilação da imensidão da indústria do esporte e a necessidade da adoção de condutas profissionais. É uma pergunta ainda sem resposta, mas o xadrez já aponta que para atingirmos a verdadeira eficácia na aplicação de tudo o que vem sendo criado, é imperioso que as entidades desportivas brasileiras sejam preenchidas pela boa governança e por mecanismos de compliance efetivamente atuantes.
Trata-se, portanto, da necessidade de quebra de paradigmas culturais. Sair do campo da absoluta abnegação e consolidar a prática de condutas profissionais deixou de ser uma faculdade, tendo se tornado uma obrigação. Aqueles que assimilaram a referida premissa já se desgarram de outros que insistem em viver da imprescindível, mas já insuficiente paixão.
Sendo assim, se cabe a nós materializarmos uma certeza sobre o futuro do esporte brasileiro, é que sem a necessária mudança na mentalidade e na forma como o gerimos, mais leis serão criadas, outras alteradas, e ainda assim seguiremos imersos em um mar de insolvência.
Ainda há tempo, mas já está ficando tarde.