Por Tom Assmar
Dentre os livros que marcaram minha vida, guardo com carinho as lembranças do que senti ao ler O Valor do Amanhã. Escrito pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti, é daqueles raros textos que conseguem dar ao tema um tratamento profundo ao mesmo tempo em que nos entrega um texto leve, poético e deliciosamente bem escrito. Giannetti desenvolve uma série de análises sobre a forma como indivíduos e sociedades constroem sua riqueza a partir da maneira como se relacionam com uma entidade mágica – O Tempo – consumindo ou poupando recursos graças às escolhas que fazem entre usufruir dos prazeres do presente ou se preparar para a riqueza do futuro. A busca pelo equilíbrio entre aproveitar o hoje real ou construir um futuro incerto é sempre um imenso desafio, mas em vários setores da vida é possível encontrar provas robustas de que as deusas da fortuna e da prosperidade tendem a premiar os mais pacientes. Sim, o tempo pode ser sábio …
A ideia da existência do futuro é uma abstração da mente humana. Não é fácil lidar com as tentações cotidianas e não usufruir do presente. Crianças são naturalmente impacientes porque ainda não desenvolveram essa habilidade, que nos é ensinada ou adquirida na medida em que surgem nossos circuitos neurais mais sofisticados. Podemos dizer que aprendemos a lidar com o tempo, já que ao longo da vida vamos entendendo que os sacrifícios do agora constroem a riqueza do depois. O delicado equilíbrio necessário para lidar com essas escolhas é um dos requisitos desse processo contínuo de aprendizagem, baseado em ciclos naturais de recompensas e punições que valem tanto para indivíduos quanto para organizações sociais. É possível aprender a esperar. Sim, o tempo pode ser paciente …
Por aqui, infelizmente ainda não aprendemos o valor de viver o presente com o compromisso de construir o futuro. Razões históricas, culturais e econômicas forjaram um modelo de pensamento e ação voltado para resultados de curto prazo. Nosso horizonte de planejamento é curto, e nossa pequena taxa de poupança limita nossa capacidade de investimento. O curto prazo nos faz tomar decisões pelos motivos errados, pois não há gestão onde não há escolha. E não há escolha quando não há tempo disponível para analisar e decidir pelas melhores opções. Sim, o tempo também pode ser cruel …
Se a vida é realmente uma maratona, consistência é mais importante que velocidade. E tanto para sociedades, empresas ou indivíduos, não há consistência fora do longo prazo, pois só o tempo revela a verdadeira essência das coisas e a inteligência das decisões. Neste ano vimos a NBA comemorar seus 75 anos de liga como uma marca consolidada internacionalmente, com recordes de audiência em uma final com a presença de times tradicionais e grandes atletas. Vimos também a Apple fechando acordos globais e de longo prazo (10 anos) para transmissão de jogos com a MLS (Major League Soccer) e a MLB (Major League Baseball). Sim, o tempo sabe premiar …
Por aqui, ainda há motivos para otimismo e esperança. A volta de uma final de Champions League à TV aberta após 3 anos de ausência deu ao SBT uma rara liderança nacional em plena tarde de sábado, confirmando o interesse do público brasileiro por eventos esportivos relevantes. Vimos lindas festas promovidas pelas torcidas dos nossos principais clubes, jogos com grandes públicos e bom nível técnico, além de um claro movimento a favor da modernização do futebol com a vinda de grupos mais estruturados através das SAF´s. Sim, o tempo pode nos corrigir …
Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos
Tempo Rei – Gilberto Gil
Por outro lado, há também razões para o cansaço e a desesperança. Enquanto outros mercados avançam, nossas eternas contradições nos fazem andar em círculo e nos prendem a um presente empobrecido. Perder tempo é desperdiçar o único ativo que jamais poderá ser recuperado, e é exatamente o que fazemos quando continuamos a conviver com a violência nos estádios e entre torcidas e jogadores, excesso de jogos e conflitos de calendário, arbitragem permissiva e de baixa qualidade, clubes cada vez mais endividados e um produto mal concebido que não atrai patrocinadores globais. No momento em que os clubes deveriam estar unidos na busca por um consenso que enriqueça a todos, vemos surgir 2 blocos distintos com ideias e proposições diferentes para a formação de uma liga nacional, cada um preocupado com seus ganhos e perdas mais imediatos. O vácuo de lideranças positivas reforça o conflito de interesses e a fragmentação de propostas, nos dividindo quando mais deveríamos estar unidos. E enquanto não agimos, só aumentamos a distância que separa o que somos daquilo que poderíamos e deveríamos ser. Quando decidimos influenciados apenas por interesses de curto prazo, normalmente usamos os motivos errados e pagamos um preço mais caro. Nesse jogo já estamos atrasados. E não, o tempo não espera por ninguém …
O jornalista Paulo Francis dizia que “todo otimista é um mal informado” … É, não tem sido fácil manter pensamentos positivos nos dias atuais. As tentações do pessimismo são muito fortes. Mas então me lembro com saudade e reverência do mestre Ariano Suassuna, que na sua profunda sabedoria nos dizia que “o otimista é um tolo, o pessimista é um chato … bom mesmo é ser um realista esperançoso”. E com o que ainda me resta de esperança desejo que sejamos capazes de levantar nossos olhos do chão em direção ao céu, focando menos nas perdas do presente e mais nos ganhos do futuro. Não há crescimento sem sacrifício. É preciso acreditar no valor do amanhã, já que viver apenas o hoje tá dureza. E já que ninguém sabe o que realmente está por vir, só posso desejar que o futuro nos seja um pouco mais generoso. Sim, o tempo ainda pode nos curar …
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Tom Assmar tem graduação e mestrado em Administração, e atua há mais de 25 anos com gestão, planejamento e finanças. Acredita que o futuro do nosso futebol passa necessariamente pela formatação de um produto que atenda aos interesses coletivos e pela qualificação da gestão dos clubes. É sócio do Futebol S/A.