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O fim da cláusula de exclusividade em contratos de atletas da luta?

No dia 23 de abril, a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC[1]) emitiu uma nova regra[2] como forma de promover a concorrência por meio da proibição de cláusulas de não-concorrência[3] em todo o país, visando a proteção da liberdade fundamental dos trabalhadores de mudar de trabalho.

A FTC, na ocasião, entendeu que os acordos de não-concorrência são uma prática generalizada e muitas vezes exploratória, que impõe condições contratuais que impedem os trabalhadores de aceitar um novo emprego ou iniciar um novo negócio. A regra entra em rigor 120 dias depois de sua publicação. A previsão é de que essa nova e abrangente regra entre em vigor entre 20 e 24 de agosto de 2024.

Importante que se faça uma distinção entre cláusula de exclusividade[4] (que não seria proibida pelo novo regramento) e de não-concorrência. A cláusula de não-concorrência ocorre quando há o término do relacionamento (onde o atleta não poderia ser contratado por um concorrente mesmo depois de ser demitido) e foi tema do processo antitruste do UFC[5]. Já a exclusividade, via de regra, ocorre quando o relacionamento é contínuo e o trabalhador recebe indenização pela perda do direito de ir e vir, o que não é o caso do atleta da luta, que nada recebe para esperar o combate. Nesse caso, a cláusula de exclusividade em contratos de atleta da luta seria, na verdade, uma cláusula de não-concorrência.

Discute-se no momento o impacto que tal medida teria em contratos de atletas de luta. Digamos que isso se aplique aos lutadores do UFC. Não haveria então nada que impeça um lutador do UFC de lutar no UFC em uma semana e na PFL na outra, por exemplo.

A FTC aplica seus regulamentos mesmo em relação a um contratado independente, que é o caso dos atletas da luta[6].

Os acordos de não-concorrência geralmente forçam os trabalhadores a permanecer em um emprego que desejam deixar ou a arcar com outros danos e custos significativos, como ser forçado a mudar para uma área com remuneração mais baixa, ser forçado a se mudar, ser forçado a deixar a força de trabalho ou ser forçado a se defender de litígios caros[7].

De acordo com a nova regra da FTC, os contratos de não-concorrência existentes para a grande maioria dos trabalhadores não poderão mais ser aplicados após o início da vigência da regra.

Se esse for o caso, todos os lutadores de MMA sob a bandeira do UFC terão agora a capacidade de, por exemplo, lutar boxe fora do UFC.

O UFC ainda poderia penalizar qualquer lutador que optar por fazer isso, mas qualquer penalidade incorrida poderá ser contestada legalmente e uma reconvenção poderá ser ajuizada.

Normalmente, as cláusulas de não-concorrência (ou de exclusividade) limitam a capacidade de um trabalhador de trabalhar para outra empresa enquanto ele estiver trabalhando para a empresa atual/inicial (por exemplo, UFC). Esse tipo de cláusula é o que impede que os lutadores do UFC lutem pelo PFL ou em qualquer outro esporte enquanto estiverem sob contrato com o UFC.

Uma cláusula de não-concorrência também se aplica a um trabalhador após o término do contrato desse trabalhador com sua empresa/empregador mais recente. Esse tipo de cláusula pode dizer algo como “Você não pode trabalhar para outra organização de MMA por 2 anos após o término do seu contrato com o UFC”. Nesse exemplo, o UFC pode querer essa cláusula porque não quer que um concorrente se beneficie e obtenha uma vantagem competitiva usando um lutador no qual o UFC investiu muitos recursos e que se tornou uma estrela.

A nova regra faria com que os contratos não possam impedir que outras organizações cortejem os lutadores e, da mesma forma, que os lutadores se vendam para outras organizações. Eles podem (tal qual é feito no futebol) começar as negociações com antecedência para que possam terminar um contrato em um dia e começar um novo no dia seguinte.

Na verdade, essa é uma grande parte dos termos de não-concorrência do UFC para manter questionáveis as perspectivas dos lutadores fora do UFC. Os lutadores deveriam ter mais poder para renegociar.

No passado, o ex-campeão dos meios pesados Tito Ortiz foi procurado pela Affliction, EliteXC e Strikeforce, mas não pôde assinar com nenhuma dessas promoções devido à cláusula de não-concorrência em seu contrato com o UFC.

Já o ex-UFC Gegard Mousasi não compete desde maio do ano passado, quando perdeu por decisão unânime para Fabian Edwards no Bellator 296. O ex-campeão do Bellator e do Strikeforce declarou recentemente estar frustrado com sua situação atual depois que a PFL adquiriu o Bellator, já que ele ainda não competiu e não tem nenhuma luta marcada, alegadamente por ser “caro demais”. Segundo ele, o evento, que tem contrato com cláusula de exclusividade com o atleta, não quer lhe pagar a bolsa correta, por isso o colocou na “geladeira” para que ele, sem opções, aceite uma luta por um valor menor[8].

Entretanto, a principal história aqui é que a decisão da FTC não resolve a questão. Ela enfrentará um desafio imediato nos tribunais[9].

Essa questão provavelmente terá a mesma discussão que ocorreu no caso NFIB v. OSHA, no qual a Suprema Corte norte-americana deferiu os requerimentos de suspensão dos efeitos de uma Regulamentação Temporária Emergencial editada pela OSHA[10] em novembro de 2021, cujo teor previa que todos os empregadores com mais de 100 empregados deveriam exigir comprovação de vacinação dos respectivos trabalhadores ou, alternativamente, a utilização obrigatória de máscara no local de trabalho somada à apresentação semanal de teste negativo de Covid, obtido pelo trabalhador.

Na ocasião, a corte interpretou a norma administrativa como uma regulamentação ampla que extrapolaria os limites dos locais do trabalho, ao entender que a OSHA não recebeu autorização ou delegação por lei para editar regras gerais de saúde para a população. De acordo com o entendimento majoritário adotado, até mesmo as circunstâncias graves e excepcionais da pandemia de Covid-19 não justificariam tamanha ampliação na autoridade da agência. O juízo apontou que a temática relativa às vacinas era uma “questão de impacto” (major question[11]) de significado social, econômico, e político, reiterando que somente os estados e o Congresso – não a OSHA – teriam autoridade para decidir sobre como responder à pandemia.

Os autores dos processos que questionaram a nova regra alegam que a FTC, tal qual ocorreu com a OSHA, não teria autoridade para emitir regulamentações que proscrevam “métodos desleais de concorrência”, pelo fato do Congresso supostamente nunca ter conferido à Comissão autoridade geral para a elaboração de normas sobre assuntos sob sua jurisdição, tendo, segundo as recorrentes, limitado cuidadosamente a autoridade da Comissão para redigir regulamentações em uma variedade de contextos específicos, lembrando que a Comissão tem respeitado esses limites há décadas.

Apesar desse histórico, a Comissão agora alega que a autoridade ministerial fornecida pela Seção 6 da Lei da FTC[12] a capacita a emitir qualquer regra que considere necessária.

Independentemente da decisão dos tribunais, a regra poderá ser revertida por um futuro governo.

Infelizmente, esses tipos de cláusulas se tornaram um fato generalizado no mercado de trabalho americano. Elas têm efeitos de longo alcance em toda a economia norte-americana, o que gerou a influência que hoje afeta os contratos de atletas da luta em praticamente todos os países.

Porém, há um projeto de lei bipartidário[13] aguardando ação no Congresso, que tornaria a proibição da não-concorrência a lei do país.

No final, seria assim que o cenário seria alterado definitivamente.

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[1] A FTC é o Cade dos Estados Unidos – o órgão que zela pela livre concorrência por lá.  É uma agência administrativa federal independente cuja principal missão é a aplicação da legislação civil (não criminal) antitruste e a promoção da proteção do consumidor. A FTC compartilha a jurisdição sobre a aplicação da legislação antitruste civil federal com a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça. COCHRAN, Augustus Bonner III; FERNANDES, João Renda Leal. GLOSSÁRIO JURÍDICO-TRABALHISTA PORTUGUÊS-INGLÊS / INGLÊS-PORTUGUÊS – LABOR AND EMPLOYMENT LAW GLOSSARY: PORTUGUESE-ENGLISH / ENGLISH-PORTUGUESE. 1ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2024, p. 220.

[2] https://www.ftc.gov/system/files/ftc_gov/pdf/noncompete-rule.pdf.

[3] Non-compete agreements; non-compete clauses; non-compete; non-competes – cláusulas contratuais que proíbem ou restringem os trabalhadores de procurar e assumir empregos em empresas concorrentes. COCHRAN; FERNANDES. Op. cit., p. 267.

[4] Falei mais sobre a cláusula de exclusividade em contrato de atleta da luta e como isso gera presunção de vínculo empregatício em artigo recente: COSTA, Elthon José Gusmão da; COSTA, Maria Luisa Borba da. O Contrato Desportivo do Atleta de MMA à Luz do Direito Trabalhista Brasileiro. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães et alDireito do Trabalho Desportivo: Panorama, Crítica e Porvir: estudos em homenagem aos ministros Pedro Paulo Teixeira Manus e Walmir Oliveira da Costa in memoriam. 1. ed. Campinas, SP: Lacier, 2024. p. 169-181.

[5] COSTA, Elthon José Gusmão da. A Ação civil de classe contra o UFC e seus novos andamentos. Academia Nacional de Direito Desportivo, 1 dez. 2023. Disponível em: https://www.andd.com.br/artigos-academicos/a-acao-civil-de-classe-contra-o-ufc-e-seus-novos-andamentos. Acesso em: 27 abr. 2024.

[6] Os atletas da luta são considerados contratados independentes, porém, a depender do contrato, podem se encontrar presos a relações de trabalho com eventos que não os liberam para luta mesmo sem receber salário, precisando de intervenção judicial para que possam seguir sua carreira. Mais em: COSTA, Elthon José Gusmão da. A competência da Justiça do Trabalho para julgar contrato de trabalho de atleta da luta firmado com evento estrangeiro. Lei em Campo, Brasil, 25 mar. 2024. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/a-competencia-da-justica-do-trabalho-para-julgar-contrato-de-trabalho-de-atleta-da-luta-firmado-com-evento-estrangeiro/. Acesso em: 26 abr. 2024.

[7] O ONE Championship, cujo contrato obriga o atleta a buscar o juízo arbitral se houver controvérsia contratual, prevê Cingapura como foro obrigatório, onde os custos são por vezes maiores que a bolsa do atleta. COSTA, Elthon José Gusmão da. Escravidão? O polêmico contrato do One Championship. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto et al, (org.). Temas intrigantes do direito desportivo Volume II. Campinas, SP: Lacier, 2024. p. 83-89.

[8] MARTIN, Damon. Gegard Mousasi lashes out at PFL over lack of communication, refusal to book him since buying Bellator. MMA FIGHTING, EUA, 19 abr. 2024. Disponível em: https://www.mmafighting.com/2024/4/19/24133795/gegard-mousasi-lashes-out-pfl-over-lack-communication-refusal-book-him-fight-since-buying-bellator. Acesso em: 27 abr. 2024.

[9] Já foram ajuizadas até o momento duas ações: Ryan, LLC v. FTC, Case No. 3:24-cv-00986 (N.D. Tex) (ajuizada em 23 de abril de 2024) e Chamber of Commerce of the United States of America et al v. FTC and Lisa Khan, Case No. 6:24-cv-00148 (E.D. Tex) (ajuizada em 24 de abril de 2024).

[10] Agência federal dos EUA responsável pela realização de pesquisas e produção de recomendações para a prevenção de lesões e doenças relacionada com o trabalho.

[11] Trata-se de uma doutrina construída pela Suprema Corte recentemente, em uma relativização da doutrina da deferência manifestada no caso Chevron. Não está ainda claro se constitui apenas uma exceção a Chevron ou se é uma nova doutrina que substitui o entendimento de Chevron. Essa nova doutrina foi utilizada em West Virginia v. Environmental Protection Agency, 597 U.S. _ (2022), decisão na qual, por seis votos a três, a Corte considerou que a legislação ambiental editada pelo Congresso não atribuiu à Agencia de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA) uma competência ampla para regulamentar, de forma geral, as emissões de gases de efeito estufa em praticamente qualquer setor. A abordagem da doutrina de major questions serviu também, de alguma forma, como parte do raciocínio em outros casos importantes, por exemplo Biden v. Nebraska, 600 U.S. 477 (2023), em que invalidada a política do Presidente Joe Biden para perdão de parte das dívidas de empréstimos estudantis. COCHRAN; FERNANDES. Op. cit., p. 254.

[12] https://www.ftc.gov/sites/default/files/documents/statutes/federal-trade-commission-act/ftc_act_incorporatingus_safe_web_act.pdf.

[13] https://www.murphy.senate.gov/imo/media/doc/workforce_mobility_act.pdf.

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