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O “futebol autoritário” que nasceu da imaturidade dos dirigentes esportivos

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,

DECRETA:       Art. 1º Fica instituída uma comissão, denominada Comissão Nacional de Desportos que será constituída de cinco membros, designados pelo Presidente da República, dentre pessoas entendidas em matéria de Desportos ou a estes consagradas.       Art. 2º Compete à Comissão de que trata o artigo anterior realizar minucioso estudo do problema dos desportos no país, e apresentar ao Governo Federal, no prazo de sessenta dias, o plano geral de sua regulamentação.       Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1939, 118º da Independência e 51º da República.

GETÚLIO VARGAS

Gustavo Capanema

Peço ao leitor para verificar as assinaturas no decreto-lei acima. Estão grafados nela os nomes de Getúlio Vargas, o homem que transformou o Brasil para sempre, realizando governos que modernizaram as relações econômicas e, ao mesmo tempo, impondo uma legislação protetiva ao trabalhador, e de Gustavo Capanema, o ministro da Educação que atuou para o fortalecimento da cultura nacional, do Movimento Modernista, da arquitetura de Lúcio Costa e Niemeyer, da música de Villa-Lobos e Pixinguinha.

Pois foram eles também que resolveram que o esporte brasileiro deveria passar ao comando do Estado. A primeira medida foi usar o exemplo da legislação trabalhista e compor uma comissão corporativista (aqui, porém, sem a representação do atleta-trabalhador) e, a partir dela, não apenas conciliar interesses da elite carioca em conflito em razão da Cisão Esportiva como dela esperar um anteprojeto da primeira Lei Geral do Esporte. É o que se lê no art. 2º do decreto-lei que transcrevi acima, cabendo à Comissão (1) realizar minucioso estudo acerca da situação do esporte e (2) entregar o plano geral da regulamentação do setor.

Mas qual eram as expectativas em torno dos trabalhos desse colegiado antes mesmo da entrega de seu relatório final?

Para o jornalista Thomaz Mazzoni, então o mais influente colunista do jornal paulista Gazeta Esportiva, o trabalho da Comissão deveria ser o de intervenção estatal no esporte, que denominava por “oficialização federal”:

Facções, clubismo, pessoalismo, liberalismo, anarquias, tudo isso é lixo que a oficialização federal deve queimar para o bem do esporte brasileiro. Necessitamos do império da obediência, da disciplina e de um só comando, de um único objetivo para atingir e, portanto, todos devemos marchar por um único sentido, ouvindo e respeitando a voz de comando. O esporte ao serviço do Brasil requer disciplina idônea, e o esportista deve ser educado e orientado, portanto, dentro da doutrina do Estado Novo. Fora dos princípios do regime não se pode compreender o esporte como força viva da Nação. Façamos, pois, do esporte o grande ideal que é, e atinjamos com o mesmo o único objetivo que justifica a sua prática, a sua difusão. (SARMENTO, Carlos Eduardo B. A construção da Nação Canarinho: Uma história institucional da seleção brasileira de futebol, 1914-1970. São Paulo: Ed. FGV, 2013).

Não por suas origens italianas, mas sobretudo pelo clima adesista que se experimentava à época por largas parcelas da elite e do governo ao fascismo de Mussolini, Mazzoni  era claro em defender a substituição da “anarquia” que reinava no esporte – a que se denomina por Cisão Esportiva – por uma espécie de “ordem unida”, bem aos moldes do feixe de gravetos que juntos eram inquebráveis e que deu origem ao termo “fascismo” ou “fachismo”. A disciplina militar e o a doutrina do Estado Novo deveriam orientar os esportistas, incluídos os atletas.

Já sabemos realmente que os dirigentes do esporte nacional, integrantes do que chamamos hoje por Lex Sportiva – o sistema autônomo transnacional do esporte –, entregaram a Getúlio Vargas uma minuta de lei que institucionalizava o fim da autonomia das próprias entidades que dirigiam.

De certo modo o Brasil antecipou o que Simon Kuper e Stefan Szymanski escreveram em seu livro “Soccernomics” quanto às fases que o futebol viveu no mundo. Os autores explicam que, nos anos 1950 a 1960, oito dos onze primeiros campeões da Copa Europeia, hoje Liga dos Campeões da UEFA, eram clubes oriundos de países dominados por regimes autoritários. Era o caso do Real Madrid, da Espanha, baixo o regime fascista de Franco, e do Benfica, de Portugal, sob o jugo do ditador Salazar. Contabilizam ainda equipes campeãs advindas da Iugoslávia e da Alemanha Oriental.

Essa seria a fase do Futebol Totalitário, com domínio dos clubes das capitais dos países governados por ditaduras que tinham interesse no envolvimento da massa popular com os times que patrocinavam, localizadas sobretudo nas grandes cidades.

A partir daí viria a supremacia dos clubes do interior, visto que, com a derrubada de parte dos governos totalitários, especialmente do fascismo na Península Ibérica, o esporte passa à fase do Futebol Industrial. Dos 55 campeões europeus de 1963 a 2017, 41 eram clubes de cidades industriais no interior de seus países, não das capitais.

Mas o importante é que no Brasil o futebol nasce como esporte de elite, ainda que o Bangu do Rio de Janeiro fosse uma equipe de empregados da indústria inglesa homônima, passa por um período de popularização com a abertura de poucos mais importantes clubes de operários e imigrantes, como o Vasco da Gama, mas logo é dominado pelo regime autoritário instalado em 1937, conhecido por Estado Novo.

O totalitarismo no esporte, portanto, tem sua estreia de ouro em nosso país com a edição do decreto-lei que foi resultado da Comissão instalada por Getúlio Vargas para redigir seu anteprojeto.

Foi justamente com o Decreto-lei n° 3.199, de 1941, que no Brasil, de forma bizarra, o Estado passa a ser o vértice principal, o ápice, da Pirâmide Olímpica.

Falarei sobre isso na próxima coluna.

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