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O futebol e o drama: o jogo segundo Nelson Rodrigues

Se o futebol fosse um espetáculo, qual seria o gênero descrito na capa do catálogo? Para Nelson Rodrigues, a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana, e, com elementos próprios da dramaticidade, mais do que o placar, o que acontece em campo é um embate entre almas. Vinte e duas delas.

Penso que, na era do streaming, deixasse de comparar o campeonato com uma peça teatral para fazê-lo com capítulos de uma série cuja temporada só não é de ficção por um capricho do destino, e pela inafastável evidência do ocorrido gravado pela tabela do dia seguinte. Ainda que, como diria, em corner bem ou mal batido haja um evidentíssimo toque do sobrenatural. Mais do que antigamente, uma trama cujo sujeito em atraso para acompanhá-la em tempo real estaria fadado à inevitável infelicidade de saber, sem emoção, o resultado final. Com mais ou menos episódios, a depender da performance do personagem. Em casa, na rua, ou no trabalho, um dia a dia imbricado no spoiler da resenha sobre o que foi, o que não foi e o que poderia ter sido. De uma história sem coadjuvantes, em que só se é herói ou bandido. Tudo a depender da parcialidade do contador do causo. Porque, no futebol, não existe um só entre nós que seja um narrador imparcial.

Aliás, segundo gostava de falar e escrever, pelo que tinha de próximo a todos nós é que o futebol poderia ser, em resumo, o que quisesse. Apesar dos cretinos, claro. Que, segundo bem sabia o jornalista que olhava a natureza humana pelo buraco das fechaduras, estavam em todo lugar. Não era de se estranhar que no sagrado templo da bola (talvez lá, principalmente) haveriam de se meter. Bem ou mal, também eles ajudavam a escrever a história. Era refratário à burrice das unanimidades.

Mais do que uma narrativa linear, via cada passe como atos de um espetáculo no qual o que interessava eram os seus atores. E a quem diz que “o futebol é bola”, diria, “não há juízo mais inexato”. Evidente. Se o futebol é uma arte, haveria de ser menos exata e mais dramática. Onde o pior cego é o que só vê a bola, para ele, procuramos “o drama, a tragédia, o horror, a compaixão”. O jogador personagem. Como foi o jogo, quem jogou melhor, quem jogou pior, quanto foi a arrecadação, quem foi o juiz? “Bobagens da pior espécie.” Queria saber da alma. Aliás, se o futebol era uma batalha entre elas, mais apropriado que dele se ocupasse um analista. Não o de desempenho. Outro. O que investigaria no que pensava o atacante, no momento em que perdeu o gol. “No futebol, trata-se do que não se vê.” Aí residia o problema das coisas. O futebol tinha de tudo, menos o seu psicanalista. “O que entende de alma um técnico de futebol?” Cuida-se da integridade das canelas, dizia, quando quem ganha e perde a partida é a alma. “Cretinos do objetivismo.” Esvaziavam o futebol como um pneu. Se não é o humano quem garante a carga dramática imprescindível ao espetáculo, e esse não se pode prever? É por isso que o futebol “desafia os números e os cretinos do objetivismo”. E a prova disso está por toda parte.

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