Por Marcelo Azevedo
O futebol parece inclinar as pessoas que o acompanham a entender que seus desafios estão sempre limitados ao campo de jogo. Afinal, foi o fato de ser uma prática relativamente simples e acessível a quase todas as pessoas que fizeram deste esporte um fenômeno popular que pode ser perfeitamente traduzido pelo alcance global que tem a entidade máxima que o representa.
Mas um fato extrínseco pode estar alterando essencialmente isso.
Os movimentos financeiros e tecnológicos observados nos últimos anos, que alcançaram todas as indústrias da economia global, acabam por trazer impactos que estão mudando rapidamente a relação do torcedor com o jogo.
Por um lado, as transações econômicas começam a atravessar oceanos, permitindo que o capital chegue a clubes de diferentes locais e tamanhos, podendo converter entidades esportivas, outrora inexpressivas esportivamente, em gigantes globais. E a lógica do capital é produzir mais capital, não tendo aqui qualquer juízo de valor sobre isso, apenas uma constatação.
De outro, está a internet, entendida e observada como um fenômeno vivo e em desenvolvimento cíclico, que vive uma revolução disruptiva, classificada como a web 3.0.
É neste contexto magnífico, repleto de agentes e agenciados, num mundo com cada vez menos intermediadores, que o futebol precisa se remodelar. E a questão não parece ser uma possível dificuldade de torná-lo atraente ao capital ou intensivo à tecnologia. Isso vai acabar acontecendo, cedo ou tarde, dado que é o futebol o mais apaixonante e popular esporte praticado no planeta. Nenhum chega a tantos fãs, nenhum alcança tanta audiência. Fazê-lo acomodar tais avanços é questão de tempo.
O problema pode residir no “como” fazer isso e seguir chegando a ⅔ do planeta. Alguém logo dirá que se estamos tratando da web 3.0, as opções são diversas e irreversíveis, como bem definiu o sempre visionário Marcos Motta: “Não é mais somente sobre assistir. É sobre fazer parte e pertencer. Isso é fantástico, imagina termos a possibilidade de não apenas ver o jogo de diferentes ângulos ou narrações, mas também de poder extrair do sentimento do torcedor espasmos emocionais que dialoguem com uma oferta personalizada de conteúdo. Achou isso distante? então dá uma lida no que a NBA já está testando com seus fãs aqui neste texto: NBA streaming service is coming soon: Here’s the latest
Mas então qual é o problema, já que estamos lidando com um esporte tão popular, tão assistido e tão praticado como o futebol?
Pode estar no fato de grande parte destas possibilidades fazerem cada vez mais sentido quando implementadas numa lógica de nicho, ou seja, visando atender a apenas uma parcela do todo, um subconjunto de um mercado maior que vai ficando, este sim, dia após dia fora do jogo.
Primeiro ficou fora dos estádios.
Não vai demorar para ficar fora da TV aberta.
Programas de sócio-torcedor, jogos via streaming, só para citar exemplos mais evidentes, não foram feitos para a imensa maioria dos torcedores. É preciso se dar conta que uma parcela considerável de torcedores ainda compra seus ingressos fazendo fila nos guichês dos estádios. Afinal, o que justificaria um clube como o Flamengo, com pesquisas que chegam a estimar que tenha 40 milhões de torcedores, consiga convencer apenas, nos seus melhores momentos, menos de 200 mil sócios-torcedores?
Sim, todos sabemos que o futebol é uma indústria cara e que a conta precisa financeiramente fechar, mas o maior desafio para o futebol será conseguir chegar, diante da tecnologia disponibilizada e de uma determinada elasticidade da sua demanda, ao tal preço ótimo que permita as mais diferentes classes sociais que o consomem, acessarem ao produto final entregue.
Parece simples? Então segue mais um número para reflexão: Já começamos a falar de internet 5G aqui no Brasil, que segundo dados da Anatel, tem mais de 114 milhões de usuários pré-pagos, ou seja, sem acesso a internet de qualidade que permita uma navegação rápida e estável.
O maior desafio do futebol, por mais paradoxal que pareça, é oxigenar seu ecossistema para lidar com a contradição de ter de seguir sendo essencialmente popular ao passo que precisará oferecer produtos com características cada vez mais nichadas e valorizadas.
O risco de se tornar acessível para poucos e caro para muitos é evidente. Se estivéssemos falando da NBA ou da Fórmula 1, não haveria problema algum. Mas não, é o futebol o ator principal desta equação nada simples de resolver, sustentar uma indústria bilionária sem excluir do espetáculo a razão que o tornou tão praticado: o fato de ser popular.
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Marcelo Azevedo é formado em Administração de Empresas com MBA em Gestão de Negócios. Publicitário por adoção, atua há mais de 30 anos liderando áreas de gestão e finanças. É convicto da força que o ecossistema do futebol pode produzir ao seu entorno. Torcedor raiz, é um amante do jogo bem jogado, da boa disputa, mas gostar, gostar mesmo, ele gosta é do Botafogo, até mais do que do futebol. É sócio do Futebol S/A.