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O ídolo e a responsabilidade da SAF: caso Fábio e Cruzeiro

Por Alberto Goldenstein e Felipe Leopoldino Correia

Nas últimas semanas um dos temas mais debatidos no direito desportivo tem sido a Sociedade Anônima do Futebol, a qual entrou em vigor no ano passado e tem sido aplicada como meio de gestão para alguns clubes profissionais do futebol brasileiro. Conforme visto nesta coluna é evidente que a SAF é um modelo de gestão eficaz e eficiente, mas que precisa de um alto índice de profissionalismo, sendo que um choque entre o modelo utilizado anteriormente e o atual gera diversas dúvidas.

No artigo hoje o objetivo é análise a responsabilidade da SAF e a figura ídolo. A pergunta que norteia esse estudo é: Como manter um ídolo e manter a integridade almejada para o desenvolvimento da atividade empresarial? O ídolo tem mais vantagens do que outros funcionários e merece tratamento diferenciado? Quais as responsabilidades da SAF para com o ídolo? Essas perguntas permeiam a análise que se faz agora.

Destarte, recentemente, após 17 anos no clube e próximo de completar 1.000 jogos com a camisa do time celeste, o goleiro Fábio deixou o Cruzeiro. Apesar do descontentamento de parte da torcida, muito se discutiu sobre os riscos que a recente criada Sociedade Anônima do Futebol teria evitado ao não renovar o contrato do atleta. Como restou amplamente noticiado, o Cruzeiro, ainda enquanto clube associativo, tinha uma dívida de R$ 10 milhões com o atleta.

Apesar de o clube se pronunciar afirmando ter feito o que era possível para a manutenção do jogador em seu plantel, o não fechamento do acordo foi visto por parte da mídia especializada como uma forma de proteção da SAF contra eventuais obrigações relativas ao contrato antigo do atleta e, consequentemente, à dívida existente.

Caso as negociações houvessem avançado e as partes tivessem chegado a um acordo, firmando novo contrato, temos por certo que o a SAF traria para si a responsabilidade sobre o pagamento da dívida do antigo clube associativo com o atleta. Porém, conforme mencionado, não foi esse o desfecho e não houve nova assinatura de contrato.

Está a SAF livre, então, de custear o pagamento dessa dívida, ao não firmar vínculo com o atleta? A resposta é não. As responsabilidades do clube associativo e da SAF estão previstas na Lei 14.193/21 e, apesar de não ser responsável pelo pagamento direto ao atleta, a SAF não está, a nosso sentir, “blindada” de enfrentar constrições em razão desta ou de qualquer dívida do clube associativo anterior à sua criação.

A referida lei estabelece expressamente, na seção IV, as responsabilidades no que tange o custeio e o pagamento das obrigações contraídas pelo clube ou pessoa jurídica original anteriormente à constituição da Sociedade Anônima do Futebol. Em seu Art. 9º, a 5lei estabelece que a SAF não responderá por dívidas anteriores ou posteriores à sua criação, com exceção daquelas referentes às atividades específicas de seu objeto social.

A lei também estabelece, em seu Art. 10, que o clube associativo ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento de tais dívidas. Ocorre que, tal pagamento, ainda de acordo com o Art. 10, será custeado não apenas pelas receitas próprias do clube associativo ou pessoa jurídica original, mas também através de aportes financeiros obrigatórios a serem feitos pela SAF, na forma descrita no artigo. Ou seja, embora a obrigação de pagar o credor diretamente seja do clube ou pessoa jurídica original, a fonte de receita principal será a SAF, haja vista a situação financeira da esmagadora maioria dos clubes brasileiros, com dívidas exorbitantes e que dificilmente, para não dizer ser impossível, seriam quitadas apenas com as receitas do clube associativo ainda com os credores em vida. Percebe-se, então, que a lei não retirou da SAF toda e qualquer responsabilidade sobre as dívidas do clube ou pessoa jurídica original anteriores à sua constituição, ainda que, de fato, os riscos sejam bastante reduzidos. A decisão que visa redução de riscos financeiros para a empresa seria, em circunstâncias normais, a opção óbvia para qualquer empresário, ainda mais se levarmos em consideração o histórico recente de crise financeira do clube.

Ainda assim, diante da decisão do Cruzeiro de não estender o vínculo com o goleiro Fábio, inegavelmente um dos maiores ídolos da história do clube, a torcida fez questão de demonstrar sua desaprovação quanto à decisão do clube. E é aí que entra a maior provocação pretendida por este artigo: Até que ponto o business futebol deve e/ou irá se sobrepor à paixão futebol?

Deve a SAF tratar do ídolo como um funcionário como todos os outros? As decisões devem ignorar o status de ídolo de determinado atleta ou se curvarem a essa condição? Até que ponto deve o torcedor se esforçar para entender uma decisão como a de não estender o vínculo com um ídolo em prol de uma estratégia de mitigação de riscos? Como uma visão mais empresarial do futebol pode afetar a paixão envolvida? Há quem seja cético e veja na SAF o risco de ter seu clube transformado de forma a passar a existir visando apenas lucro, deixando de lado o aspecto esportivo, temendo até o fechamento definitivo do clube em caso de administrações malsucedidas. Há quem acredite que só assim os clubes brasileiros irão deixar no passado as intermináveis crises financeiras, apostando em um modelo mais profissional de gestão, onde as decisões são tomadas de forma calculada, sem ceder a paixões e planos mirabolantes como já presenciamos no futebol brasileiro.

Assim, tem-se que a função as SAF é fazer com que a gestão do clube seja escorreita a fim de possibilitar a prática da atividade empresarial eleita, não podendo haver relativização desta função sob pena de gerar um grande risco para o futuro empresarial. Em suma, o ídolo é fundamental e continuará sendo, porém a sua manutenção, apesar de importante não pode ser um risco para a gestão do negócio futebol.

Crédito imagem: Cruzeiro

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