A reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados deve impactar o setor de games. Há pontos positivos e negativos para o setor em vista do que está por vir.
O Projeto de Emenda Constitucional No. 45, de 2019 (PEC 45/2019), promete simplificar a arrecadação dos tributos e manter o nível atual de tributos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, a carga tributária atual, deve manter a mesma relação de proporcionalidade existente com o PIB corrente.
Aí surge o primeiro grande desafio, descobrir a relação carga fiscal vs. PIB hoje. O projeto prevê uma forma de isso ser feito mas não será fácil.
Como explica Eduardo Salusse[1], será feito um teste no ano de 2026, instituindo-se uma alíquota de 1% para os novos tributos (0,1% para a CBS e 0,9% para o IBS, descontadas dos tributos atuais), a fim de identificar o potencial arrecadatório de um ponto percentual no novo modelo. Assim identificado, uma simples regra de três, em tese, deve permitir saber quantos pontos percentuais serão necessários para os novos tributos resultarem na arrecadação do mesmo percentual do PIB que os tributos substituídos hoje arrecadam. Em resumo, como coloca o jurista, o potencial arrecadatório será capturado a partir da relação percentual com o PIB.
Segundo informações do Tesouro Nacional,[2] em 2022, a carga tributária bruta do Governo Geral, que contempla União, Estados e Municípios, foi de 33,71% do PIB. Ou seja, se esse número fosse tomado por base, após reforma tributária, os tributos não poderiam exceder esse montante. Vale dizer, se os tributos substituídos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) geram atualmente uma arrecadação de 33,71% do PIB, os tributos substitutos (IS, CBS e IBS) tecnicamente deverão gerar esta mesma arrecadação.
Sendo superado esse desafio inicial, teremos o seguinte cenário. O PIS e a COFINS serão substituídos pela CBS, contribuição de competência da União. O ICMS e o ISS serão substituídos pelo IBS, imposto que Estados e Municípios irão dividir a administração por meio de um Conselho Federativo.
O IPI deverá dar lugar ao IS, um imposto seletivo sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei. Isto é, atividades e produtos mais relevantes serão tributados menos, e aquilo que for menos essencial, será mais tributado.
No atual sistema tributário, o ISS é cobrado pelos Municípios em alíquotas que variam de 2% a 5%, o PIS e a COFINS em alíquotas que somadas perfazem 9,25%. Ou seja, esses tributos somados correspondem a uma carga que varia de 11,25% a 14,25% da receita.
Em um cenário pós reforma tributária, os números ainda não são definitivos, mas segundo estudo do IPEA a alíquota estimada para o IVA (CBS + IBS) será de 28,04% sobre qualquer produto ou serviço, uma das maiores do mundo.[3] Sem mencionar a possibilidade de cobrança do IS, a depender de quanto essencial (ou não) os games sejam considerados.
Em resumo, para quem presta serviços relacionados a games, a reforma tributária pode mais que dobrar a carga tributária. Onerar o setor dessa maneira pode trazer impactos nefastos para a indústria, que hoje é referência no mundo pela qualidade de entrega e um setor promissor que, de acordo com dados da TechNavio,[4] pode crescer mais de 120% até 2026.
Esse aumento da carga fiscal sobre os serviços deveria ser acompanhado da desoneração da folha de pagamento, porém, segundo o relatório da PEC 45/2019, esse ponto foi deixado para ser analisado em um segundo momento, sendo condicionada à reforma do IRPJ.
A oneração do setor serviços surge assim, como forma de financiar a redução de tributos na indústria. Infelizmente, fica claro um enviesamento em prol da indústria. Lembrando que segundo dados da Confederação Nacional de Serviços,[5] no ano passado, o setor de serviços foi responsável por 70% dos empregos gerados.
A redução da tributação da indústria não deveria estar atrelada ao aumento dos custos fiscais do setor de serviços, e sim, a uma reforma administrativa com a redução de custos do Poder Público. Afinal, o Estado deve buscar a neutralidade da carga tributária entre os diferentes setores produtivos, o que não foi feito pela Câmara dos Deputados até agora.
A PEC 45/2019 prevê a criação de regimes específicos para serviços financeiros, planos de assistência à saúde, concursos de prognósticos, hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, restaurantes e aviação regional. Quem não se encaixar em uma dessas exceções, fica na torcida para que se submeta à alíquota reduzida do IBS (não se estende para a CBS) de 60% para atividades relacionadas à educação e à saúde.
Essas exceções, na sua maior parte, não alcançam os serviços tradicionalmente desenvolvidos pela indústria de games, o que deve onerar (e muito) suas atividades. As consequências, como bem observado pelo economista Ricardo Amorim[6] são duas: (i) as empresas vão tentar compensar o aumento de custos causado por aumento de tributos cortando gastos com mão de obra, o que faria com que milhões de brasileiros perdessem o emprego, e causaria uma forte redução de consumo, seguida da redução do faturamento das empresas e causando ainda mais demissões, em um círculo vicioso; ou (ii) as empresas de serviço poderão repassar para os preços o aumento de custos e, com isso, a inflação vai subir, forçando o Banco Central a subir juros, encarecendo o crédito, o que reduziria a venda de imóveis, automóveis, bens duráveis, viagens, etc., causando demissões nestes setores, criando o mesmo círculo vicioso mencionado no caso anterior.
Os cenários são preocupantes. É preciso refletir e avaliar com profundidade o impacto das decisões tomadas pela Câmara dos Deputados. Uma reforma tributária só faz sentido se acompanhada de uma reforma administrativa com drásticas reduções no custo da máquina pública. Sem corte de gastos, para se desonerar a indústria, vai se onerar outro setor, o de serviços. Só que indústria e serviços andam de mãos dadas, a economia nacional é uma só. Não adianta ficar jogando o problema de um lado para o outro, alguém precisa pegá-lo e efetivamente resolvê-lo.
Crédito imagem: Getty Images
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[1] https://apet.org.br/artigos/a-aliquota-teste-da-cbs-ibs-no-ano-de-2026/, acesso em 18.7.2023.
[2] https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/carga-tributaria-do-governo-geral/2022/114#:~:text=Em%202022%2C%20a%20carga%20tribut%C3%A1ria,PIB%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202021, acesso em 18.7.2023
[3] https://acesse.one/fRJhT, acesso em 18.7.2023.
[4] https://www.technavio.com/report/gaming-software-market-industry-analysis, acesso em 18.7.2023.
[5] https://www.cofecon.org.br/wp-content/uploads/2022/06/Nota-Economica-Emprego-trim-_22-V.pdf, acesso em 18.7.2023.
[6] https://www.linkedin.com/posts/ricardoamorimricam_reformatributaria-economia-industria-activity-7082345937200701440-_aVq?utm_source=share&utm_medium=member_desktop , acesso em 18.7.2023.