Por Higor Maffei Bellini
Pode, sim. E agora vamos explicar essa situação.
Mas por que um jogador pode procurar a Justiça do Trabalho na cidade do clube do qual é empregado para não ser obrigado a trabalhar, seja treinando com os seus companheiros contaminados ou jogando contra equipes que tenham atletas contaminados, e os outros empregados não?
Simples.
Tirando os trabalhadores da área da saúde, que inclusive recebem o adicional de insalubridade em grau máximo, de 40%, nenhum outro trabalhador sabe que enquanto trabalha terá contato com pessoas com a Covid.
O risco dos demais trabalhadores do próprio clube empregador, como os que ficam no escritório, na cozinha ou departamento de assessoria de imprensa, é apenas na forma potencial. Ou seja: que pode acontecer ou não de estar trabalhando com uma pessoa contaminada. E este trabalhador está ou deveria estar guardando uma distância mínima de segurança, que pode ter sido demarcada no chão do local de trabalho, ou pela mudança dos locais em que se encontram os móveis.
Já o jogador de futebol, que é também empregado do clube (do mesmo empregador, inclusive, do que os demais funcionários), sabe que estará em contato direto em caso de estar treinando ou jogando com uma pessoa contaminada, ainda que estejam sendo seguidos os protocolos criados pelos próprios clubes e pelas federações estaduais, bem como pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Risco real e imediato. Os atletas estão expostos a contato físico permanente com esta pessoa. E se, por exemplo, estiver chovendo durante o treino ou jogo, a troca material orgânico no contato físico só aumenta, posto que não se saberá se é água ou suor.
Por isso, os jogadores, em caso de serem obrigados a treinar ou jogar com atletas contaminados, podem acionar a Justiça do Trabalho com uma obrigação de não fazer em face do clube.
Um clube que poderia ter se utilizado desse recurso era o Flamengo, cujos jogadores disputaram a partida contra o Clube Atlético Goianiense depois que o recurso do clube foi acatado, como amplamente noticiado, tendo, inclusive, a seguinte chamada de matéria: “CBF acata recurso e autoriza que jogadores do Atlético-GO que testaram positivo para covid-19 entrem em campo”.
Uma vez deferida a liminar, este cube empregador não poderá obrigar a aquele atleta a cumprir a determinação contratual de treinar ou jogar.
Esta liminar, inclusive, pode servir para o clube, se vier de uma ação plurima, ou de vários jogadores em ações individuais, podem servir de justificativa para o adiamento da partida, já que o clube poderá não ter elenco para jogar e precisará cumprir a ordem judicial, sob pena de pagar multa diária ou de ver apresentada ações pedindo a rescisão antecipada do contrato por culpa exclusiva do empregador, fazendo com que o custo da rescisão para o clube seja muito maior.
Assim, os atletas podem, por meio do advogado de sua confiança, buscar a Justiça do Trabalho, pois os jogadores, como quais outros empregados do clube, são regidos também pela lei geral que é a CLT, sendo a Lei Pele apenas uma legislação subsidiaria que deve trazer mais direitos aos jogadores e não retirar direitos. Da mesma forma que ainda pode ser aplicada ao contrato de trabalho dos atletas a Constituição Federal, fonte de validade de todas as demais normas.
Assim sendo, é importante destacar ainda que os atletas, como os demais empregados, têm de terem as vidas e a saúde preservadas no caso de haver um risco acentuado, ainda que potencial, pela aplicação ao contrato de trabalho do princípio ambiental da prevenção, já que, no meio ambiente, também está incluído o “meio ambiente do trabalho”, sendo texto constitucional (mais precisamente no artigo 200, VI), fazendo possível a aplicação dos princípio ambientais na esfera trabalhista, até pela aplicação do disposto no artigo 225 da carta Magna.
E no caso de o clube empregador descumprir a liminar, caberá ao atleta determinando que este entre em campo ou que vá participar dos treinamentos decidir pela cobrança da multa diária, ou então pleitear judicialmente a rescisão do contrato de trabalho por culpa exclusiva do empregador, que, descumprindo a liminar, passar a exigir do empregado serviços com riscos exagerados e extremos ao contrato de trabalho.
Essa possibilidade vem prevista na CLT, mais precisamente no seu artigo 483, com a combinação dos dispostos nas letras “a” e “c”, que é aplicável a todos os empregados do clube e, por consequência lógica, aos jogadores de futebol.
Desta forma, os atletas que não se sentirem confortáveis em cumprir as suas obrigações contratuais trabalhistas treinando com seus companheiros de equipe ou jogando contra equipes que tenham atletas sabidamente positivados para a Covid, enquanto estes atletas estiverem naquele período em que podem contaminar outras pessoa que se estabeleceu ser de quatorze dias, após conseguirem ir à Justiça do Trabalho e terem a liminar deferida na obrigação de não fazer a ser imposta ao clube, podem deixa tranquilamente de treinar ou jogar por força desta liminar.
Sugerimos que esta ação seja apresentada em até vinte e quatro horas antes do jogo para os atletas empregados dos clubes mandantes para, assim, evitar que sejam obrigados, inclusive, a se apresentarem nas concentrações. E no caso de clubes que jogaram como visitante, que seja apresentada com quarenta e oito horas de antecedência, para evitar que o atleta seja obrigado a viajar com a equipe, evitando, assim, o desgaste do atleta com a direção do clube e com a sua torcida, que poderá ver na defesa do direito à saúde do atleta e de sua família um ato de traição ao clube, que é o seu empregador.
E antes de encerrar, deixamos consignado que os demais empregados dos clubes também podem seguir o mesmo caminho judicial para buscarem a limar e deixarem de ser obrigados a trabalhar em contato com os atletas que testaram positivo, sejam do seu empregador ou da equipe adversária, e que por acaso o clube, por força de decisões da Justiça Desportiva, tenha de disputar jogos, se estes não forem adiados.
Isto em razão de não poder se diferenciar um empregado de um clube, pela função que ele exerce, em matéria de defesa da sua vida e da sua saúde, que, por extensão, engloba à saúde dos seus familiares. Até porque é vedada toda forma de discriminação dentro das empresas em razão do cargo ocupado e do gênero do empregado.