Pesquisar
Close this search box.

O limite das críticas por agentes diretos dentro do futebol

Por Bernardo Stransky

As declarações do técnico do Atlético-MG, Eduardo Coudet, durante a entrevista coletiva após a derrota do time em casa na estréia da Copa Libertadores da América 2023, repercutiu de forma extremamente negativa, de modo que pode ter colocado em cheque toda a temporada do clube.

No caso, apesar da reunião posterior com a diretoria ter selado a permanência do mencionado técnico no cargo, esta não foi a primeira vez que a manifestação de membros diretivos, técnicos e atletas de uma agremiação esportiva ocasionam efeitos deletérios sobre a instituição na qual estão inseridos, e resultam em punições. No contexto desportivo brasileiro, a tal prática ocorre mais habitualmente na esfera do futebol.

 E sobre tais circunstâncias emerge uma relevante questão: quais os limites a serem observados pelos interlocutores em suas declarações ou manifestações, para que se evitem crises internas e externas de efeitos negativos sobre a instituição ou agremiação esportiva, inclusive afetando individualmente os contratos de trabalho? Como delimitar sem coibir o direito constitucional de liberdade de expressão?

Tanto a Consolidação das Leis do Trabalho, quanto a Lei Pelé, tratam das cláusulas contratuais relacionadas à demissão dos contratados como consequência de manifestações ou críticas negativas.

Aos olhos das normas da Consolidação das Leis do Trabalho, o pacto laboral pode prever uma cláusula de rescisão unilateral por iniciativa do empregador, em caso de cometimento de falta grave pelo empregado. Neste caso, é necessário que a falta grave esteja prevista no contrato de trabalho, e as condutas e infrações previstas em regulamento interno da empresa. A ofensa de tais regras pode ser considerada falta motivadora do rompimento do contrato por justa causa, com a resultante perda de direitos rescisórios e multas contratuais.

A Lei Pelé, que regula o contrato de trabalho dos atletas profissionais de futebol, também aborda o tema ao normatizar as consequências decorrentes de manifestações ou críticas negativas sobre a equipe ou entidade desportiva. Nestes casos, a citada legislação permite que o contrato de trabalho contenha cláusulas que autorizem a rescisão unilateral por parte do clube, desde que haja previsão expressa no contrato e que a conduta do atleta cause prejuízos à imagem do clube, ou mesmo ofenda seus torcedores em alguns casos.

É válido destacar que a rescisão contratual, se motivada por declarações ou atitudes negativas do trabalhador, configura medida extrema e violadora do direito constitucional da liberdade de expressão, e, portanto, deve ser adotada com critério e adequação com a finalidade de preservar tal direito.

Muitos são os casos dentro do futebol brasileiro em que manifestações orais ou atos de atletas motivaram punições. Como exemplo, o atleta Guga em 2019, à época jogador do Atlético/MG, foi punido com uma multa por gravar um vídeo comemorando o título da Copa Libertadores do Flamengo/RJ, rival declarado do clube mineiro, ao entendimento de que o ato do atleta desrespeitou a imagem do clube e também aos torcedores. Além disso, o jogador foi afastado por um período, mas foi reintegrado ao elenco.

Cita-se ainda o caso de Duvier Riascos, jogador do Cruzeiro em 2016, que ofendeu o clube com declaração, mas, ao contrário do caso acima, o atleta foi afastado e teve seu contrato de trabalho rescindido somente perante o Tribunal Regional do Trabalho.

Ressalte-se que os critérios utilizados para aplicação de multa ou rescisão de contrato por justa causa, no caso de infrações disciplinares na área desportiva, também devem observar a gravidade da conduta, a reiteração de comportamentos inadequados, e os prejuízos ou danos causados ao clube.

Em resumo, tanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como a Lei Pelé ao normatizarem as condutas negativas dos contratados, atletas, técnicos ou seus colaboradores e membros, indicam que as relações contratuais devem observar as regras da ética, disciplina e moral, mútuas, e sua inobservância gera consequências negativas contratuais também recíprocas.

Conclui-se, portanto, que a liberdade de expressão tem seus limites na legislação infraconstitucional, e são puníveis, caso ofendam o direito de terceiros e causem-lhes prejuízos ou danos à sua imagem ou pessoa.

Eduardo “Chacho” Coudet não foi demitido do cargo de treinador do Atlético, mesmo após as críticas assíduas disparadas contra, não somente o clube do qual trabalha, mas contra membros e dirigentes da alta cúpula do Atlético, tais como investidores, presidente e dirigentes, além de reclamar dos próprios jogadores em determinado momento.  A problemática em torno da situação se deve ao fato de um funcionário ter exercido sim seu direito de liberdade de expressão, no entanto ao fazer isso em uma entrevista coletiva após uma derrota em casa com desempenho questionável de seus comandados, ele expõe uma situação que evidencia um panorama negativo acerca da instituição, podendo abalar os ânimos e psicológico de vários setores dentro do clube.

Por fim, é preciso ressaltar que um combate a esse tipo de postura, independente do cargo do funcionário na hierarquia da agremiação esportiva, é sempre necessário. A liberdade de expressão é algo intransponível, desde que esta não atinja a transparência dos agentes, de modo a assegurar que tal mudança somente será alcançada se modificada a cultura não só do futebol, mas do nosso esporte como um todo. E condutas individuais, sobretudo de funcionários em um meio tão midiático e de impacto social, urgem uma reflexão.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


Bernardo Stransky, acadêmico da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e integrante do GEDD-PUC/MG

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.