Rafael Teixeira Ramos e Ana Cristina Mizutori [1]
O objetivo maior das agremiações desportivas compreende a competição por meio do exercício de certa modalidade esportiva, fornecendo, por consequência, entretenimento aos seus espectadores. Em sua maioria, iniciaram a partir da união de um grupo de pessoas com o mesmo ideal, trabalhando em prol da consecução de um objetivo em comum.
Na Espanha, existem três possibilidades de composição de uma entidade de prática desportiva, regulamentada por meio da Lei do Desporto (Lei nº 10/1990).
Consta na lei que as sociedades anônimas desportivas se equiparam às associações desportivas, junto com os clubes elementares e básicos, sendo que o patrimônio que integra os dois últimos reverte-se somente ao clube, enquanto o primeiro formato, se distribui também aos seus sócios.
Desse modo, a estrutura jurídica espanhola consiste que a sociedade desportiva é constituída por pessoas, físicas ou jurídicas, as quais compartilham o mesmo intento, que é a promoção daquela prática esportiva, podendo ser divididos em clubes desportivos elementares, básico, ou sociedade anônima desportiva, a depender do formato e das formalidades em que foi integrado.
Para que possam competir oficial e profissionalmente, devem ser constituídas em sociedade anônima desportiva, exceto se verificado pela Liga de Fútbol Profesional um saldo patrimonial líquido positivo nas temporadas a partir de 1985 até a lei em vigor, em 1990, podendo manter a natureza jurídica originalmente formada, mas, submetendo-se a um regime especial, regra esta válida tanto para o futebol, como para o basquete, de acordo com as especificidades exigidas pelo Real Decreto nº 1.251/1999.
Mencionado decreto regulamenta a divisão dos acionistas nas sociedades anônimas desportivas, além da obrigatoriedade de demonstração contábil perante o Conselho Superior dos Desportos.
Muito embora se verifique em suas gênesis o feito recreativo destas sociedades desportivas, a legislação espanhola as trata como uma empresa de fato, pela forma em que se operam as atividades financeiras e os recursos que movimentam, de forma habitual, organizada, em nome do próprio clube.
Apesar da dissensão, concluiu o legislador a necessidade de adequação dos clubes associativos, que havendo animus lucrandi, este soma-se à atividade desportiva, outro desígnio elementar, razão pela qual se impôs um híbrido entre o regime associativo e a estrutura societária para organização das associações desportivas. Observa-se, portanto, que não se impôs um modelo societário no padrão mercantil, mas algo específico e direcionado à atividade desportiva.
Isso porque, diferente de uma sociedade mercantil, em um clube, têm-se o fator paixão, fundamental para impulsionar seus acionistas, investidores e atrair parceiros comerciais, como patrocinadores, sendo referida forma legal adaptada com tecnicidade na gestão operacional, administrativa e financeira, ajustando a finalidade da sociedade anônima à atuação desportiva, nos termos do que permite o art. 3º da Lei de Sociedades Anônimas em vigor na Espanha.
Inferindo com isso, que o mero ânimo lucrativo extraído do art. 1.332 do Código Civil Francês de 1807, não compreenderia toda a dimensão de uma agremiação desportiva de futebol, sendo necessário preservar as particularidades da associação desportiva, aliando às efetividades da governança da sociedade anônima.
Mediante muitos debates questionam se a sociedade anônima desportiva se manuseia como sociedade anônima ordinária ou se esta, em sua natureza, se mantém como sociedade empresarial, alterando apenas o seu objeto, vez que se enquadra como uma espécie da classe das associações. Sem um entendimento uníssono, pactua-se que o modelo de responsabilidade administrativo, econômico e jurídico compreende o pilar de desenvolvimento das agremiações desportivas.
A legislação imposta reflete tais divergências, prevalecendo o eixo desportivo, em especial, o êxito desportivo, adaptado às regras de gestão corporativa.
Uma das diferenças encontradas na sociedade anônima mercantil com a desportiva, consiste na distribuição de dividendos, sendo esta segunda obrigada a contar com uma reserva mínima de no mínimo a metade da média dos gastos realizados nos últimos três exercícios, exigência legal que impõe a retidão econômica e administrativa, e demonstra a preocupação em relação a esses aspectos.
Todavia, a partir desta condição, suscita-se mais uma interrogação: o legislador estabelece “uma única reserva legal”, expressão que divide a doutrina entre os que defendem que seria uma reserva legal especial somada à reserva legal exigida no art. 214 da Lei de Sociedades Anônimas de 1989, em contraponto aos que tutelam a ideia de que se permitir a exclusão destas reservas gerais estabelecidas na legislação, seria imposto somente a reserva devida por força do art. 27.1º, da Lei 10/1990 e art. 22º do Real Decreto 1081/91, que também vedava a distribuição de dividendos futuros. A esse respeito, apesar de não ter sido mantida no Real Decreto 1.251/99, ainda se impõe por força da Lei Geral do Desporto.
Considerando que os clubes básicos, elementares e as sociedades anônimas desportivas, à luz da legislação espanhola, compreendem associações desportivas, aos que não adotam o formato de sociedade anônima desportiva, portanto, os clubes elementares e básicos, devem-se regular em estatuto o regime de dissolução e destino dos bens, diferente do que ocorre na SAD, que se submete a Lei do Desporto (10/1990) e ao regime geral das sociedades anônimas.
Caso haja dissolução da SAD, esta deve informar à Liga Profissional, nos termos do art. 24.8º da Lei 10/1990, direcionando, em primeiro momento, a liquidação do patrimônio para sanar as obrigações financeiras pendentes e posteriormente, faz-se um balanço final e distribui o patrimônio restante aos acionistas nominalmente ao que cada um corresponde em suas ações. Ainda no que tange à liquidação de patrimônios, confere-se direito de preferência nos direitos imobiliários ao Ayuntamientos, Comunidades Autónomas e Conselho Superior de Desportos.
Uma gestão passional movimenta e estimula o seu corpo diretivo. Entretanto, nem sempre confere a devida e necessária responsabilidade operacional, já que eventuais consequências temerárias não recaem sobre a gestão que a causou, como se registram, inúmeros casos que recaíram nas direções seguintes, permitindo maiores negligências e afastando o comprometimento indispensável no comando destas agremiações.
A marca que se registra no corpo diretivo institucional é uma sequência de atos desesperados, impulsionados pela necessidade de se obter resultados rápidos, independente destes serem sustentáveis, corroborando com a evidência de que é impreterível e determinante a governança profissional para este tipo de atividade.
Além de vitórias, títulos e taças, a possibilidade de se auferir e distribuir o lucro obtido, direta e indiretamente, pela participação de competições aos seus membros gestores assimila um pujante coeficiente para garantir a acertada condução dos clubes, e certamente gera um padrão mínimo de responsabilidade financeira e administrativa.
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[1] Mestranda em Direito Desportivo na PUC/SP; advogada desportiva no escritório Manssur, Belfiore, Gomes e Hanna Advogados; membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo; auditora vice-presidente da 1ª Comissão Disciplinar do STJD do Futsal; auditora auxiliar do STJD do Futebol.