Rafael Teixeira Ramos e Ana Cristina Mizutori [1]
Nem todos os países europeus adentraram na obrigatoriedade de transfiguração das agremiações desportivas associativas para o formato empresarial, como vimos nas colunas anteriores.
Na Bélgica, por exemplo, inexiste qualquer imposição legal neste tocante, e, portanto, as entidades de prática desportiva de futebol que não se mantiverem na tradicional estrutura associativa, passaram a se valer da legislação geral das sociedades comerciais para se constituírem em sociedades anônimas comuns, utilizando também a sociedade cooperativa como opção.
Já na Alemanha, registram-se alterações no regime jurídico de entidades de prática desportiva, após a Federação alemã autorizar a constituição das destas em sociedades por ações ou sociedades em comandita, mediante a condição de manter o clube no controle, totalizando a maioria dos votos. Vale destacar que referida autorização possui caráter perfunctório, de forma que a cada ano as finanças do clube são submetidas à inspeção para que esta possa ser renovada.
O modelo societário disponível às entidades desportivas alemãs visa a governança e a transparência, calçando um patamar mínimo de gestão, de forma a assegurar o pagamento das dívidas através da determinação de uma reserva de capital.
Parte da doutrina alemã passou a compreender que o modelo associativo não correspondia mais à dimensão econômica dos clubes, embora, na prática, somente o Borrusia Dortmund se constituiu como sociedade empresária em 2002.
Dentre a organização do sistema alemão, destacam-se as estruturas governamentais, a Confederação Alemã dos Desportos e o desporto comercial.
A Confederação Alemã dos Desportos abarca associações e federações de modalidades desportivas diversas, e são subsidiadas pelo Governo e pelo desporto comercial.
A organização governamental é responsável pelo desporto regional e instalações desportivas comuns, enquanto o desporto comercial, como se autodenomina, compreende academias, programas de turismo ou férias.
O desporto na Alemanha é gerido primordialmente por organizações não governamentais autônomas, permanecendo o Governo Federal responsável pela promoção e administração do desporto nacional e supranacional.
Por sua vez, a vanguardista Inglaterra, em 1986 registrou a Private Social Clubs ou Public Social Clubs. A diferença reside no limite da transferência das as ações nominativas e na ausência de capital mínimo que se organizam a primeira, enquanto a segunda, não se limita a transferência das ações, apesar de haver a exigência de capital mínimo.
A Federação Inglesa e a Liga Profissional Inglesa de Futebol facultam aos clubes o regime jurídico a ser adotado, podendo se constituírem em sociedades empresárias, onde parte do capital pertence ao clube fundador e o restante a investidores, ou em Limited Companies, espécie cabível tanto para a modalidade amadora, como profissional.
Neste caso, para que a Limited Company possa se filiar à respectiva Federação, deve-se repartir 15% dos dividendos ao capital social, além de se impor uma destinação específica para os ativos remanescentes em caso de liquidação ao Benevolent Fund da respectiva Federação.
Verifica-se que os clubes ingleses de menores expressão optam pelo regime associativo, em contraposição às agremiações desportivas maiores, que optam por modelos societários e todos os seus proveitos, como a inclusão de suas cotas na Bolsa de Valores.
A motivação desta transformação consiste na mensuração da responsabilidade da pessoa jurídica, limitando a distribuição de lucros e conduzindo o comando da agremiação em apropriados ditames de governança, de forma a assegurar o progresso da entidade através de uma gestão assertiva, como forma de atrair capital e investimentos.
O Tratado de Amsterdã, o Relatório de Helsínquia, documento emanado pela Comissão Europeia, e a Conferência Europeia sobre o Desporto consagraram, em 1999, o caráter social do desporto, como papel de identidade e aproximação dos indivíduos.
Para alguns doutrinadores, a função social estabelecida nos documentos/eventos transnacionais supracitados adversa com a visão de lucro. Entretanto, sob outra ótica, o fomento do esporte e consequente ganho financeiro advindo deste poderoso movimento, o fortalece de forma a contribuir para potencializar o seu alcance social.
Para tanto, é inquestionável que deva se impor formas para que se as entidades desportivas se desenvolvam e maximizem seus rendimentos, instituindo medidas de solidariedade financeira entre o desporto profissional e amador, estabelecendo instrumentos para preservação da tradição, fixando critérios para a estrutura organizacional, e impelindo, sobretudo, o respeito à ética desportiva.
Registrou-se na Conferência de Olímpia que “o desporto deve estar em condições de assimilar o novo quadro comercial no qual deve evoluir, sem perder, no entanto, a sua identidade, nem a sua autonomia que enaltecem as funções que preenche nos domínios social, cultural, sanitário ou educativo”.
Referidas lógicas e premissas restaram consignadas na sequência do Relatório de Helsínque, em 2000, pelo Conselho Europeu de Nice.
O potencial econômico do esporte torna-se adequadamente inexplorado tanto quando a finalidade social do desporto se aplica inexoravelmente, como quando deixa de ser conduzido pelos princípios democráticos, manifestado no modelo desportivo europeu.
A especificidade que o desporto demanda não pode ser preterida ou postergada. É vital para a preservação da integridade esportiva e o equilíbrio competitivo a sobreposição de regras de boa gestão e conformidade, e nada melhor do que isto, do que viabilizar regimes jurídicos díspares, que depreendem da irrepreensível regência.
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[1] Mestranda em Direito Desportivo na PUC/SP; advogada desportiva no escritório Manssur, Belfiore, Gomes e Hanna Advogados; membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo; auditora vice-presidente da 1ª Comissão Disciplinar do STJD do Futsal; auditora auxiliar do STJD do Futebol.