Não é novidade para ninguém que acompanha o mundo dos games, que os jogos FIFA, da EA Sports, e Pro Evolution Soccer (PES), da KONAMI, protagonizaram o futebol virtual nas últimas duas décadas.
Precisamente, de 2005 a 2022, ambos foram os únicos simuladores de futebol relevantes disponíveis aos consumidores em PC e videogames. Nos primeiros anos, reinado do PES, também conhecido como Winning Eleven entre os jogadores brasileiros (nome do jogo ao mercado japonês); nos últimos, domínio total do FIFA, online e offline.
Entretanto, em 2022, a KONAMI anunciou que descontinuaria o PES, substituindo-o por um novo jogo, gratuito e multiplataforma chamado eFootball, lançado em setembro do mesmo ano. A crítica, no geral, considerou o game um fiasco – por exemplo, a IGN Portugal atribuiu nota 4/10 ao jogo em seu lançamento[1]; em nova análise, ocorrida em agosto de 2022 após atualizações, a nota subiu para 5/10[2] – contribuindo para a completa hegemonia do produto concorrente, lançado pela EA Sports.
O movimento da rival, porém, pode ter sido o estímulo final que a EA precisava para adotar um caminho que balançou completamente o mercado do futebol virtual: não renovar a licença de nome com a FIFA.
Ora, a aclamada série de futebol da EA ostentou por 30 (trinta) anos o nome FIFA. Desde 1993, na primeira versão lançada, até 2022, na última (sob o nome FIFA 23), foram 35 (trinta e cinco) jogos, considerando 30 (trinta) edições anuais e 5 (cinco) edições comemorativas às Copas do Mundo, além de outras vertentes voltadas à gestão esportiva (FIFA Manager) e ao futebol de rua (FIFA Street).
Embora haja um sentimento nostálgico por parte dos fãs, é razoável concluir que a ausência de concorrentes à altura e o preço pedido pela FIFA são os principais fatores pelos quais a EA decidiu seguir sua empreitada própria, rebatizando o produto de EA Sports FC ou, simplesmente, EA FC.
Não pode ficar de fora da equação, igualmente, o preço cada vez mais crescente cobrado pela licença de ligas, clubes e atletas, encarecido ainda mais pelas particularidades e pormenores de cada legislação nacional: alguns países permitem a negociação coletiva, concentrada na mão de ligas ou sindicatos, enquanto outros impõem as negociações individuais entre publisher e atleta.
Vale relembrar, a propósito, o enorme imbróglio ocorrido na última década, em que atletas brasileiros processaram a EA Sports por alegado uso indevido de suas imagens em versões dos jogos lançados entre 2005 e 2014[3], situação que levou a um completo esvaziamento do mercado nacional (liga, clubes e atletas), a ponto de ser praticamente inexistente no FIFA 23.
Aliás, a debandada da EA motivou a KONAMI a aproveitar a lacuna e a celebrar contrato de patrocínio e acordos publicitários com a CBF e com vários clubes brasileiros ao final da última década, numa cartada para atrair o jogador brasileiro de volta ao PES.
Importante testemunhar que as proteções jurídicas adotadas pela publisher japonesa foram grandes, exigindo além do contrato com o clube, a autorização individual de cada atleta, sob pena de não ser inserido no jogo.
Mas, diante do insucesso de crítica (até o momento) do eFootball, do advento do novo EA Sports FC e da aparente força econômica decorrente da não renovação da licença FIFA, imagina-se que a EA não medirá esforços para obter o maior número de licenças possível frente à rival, incluindo-se aí as competições brasileiras, seus clubes e jogadores.
No plano jurídico, ainda, serve de estímulo à EA o recente advento da nova Lei Geral do Esporte no Brasil, promulgada em junho de 2023. O artigo 164 da nova LGE, especificamente, trata do direito à exploração da imagem do atleta profissional, reforçando a licitude da licença por meio de contrato autônomo, de natureza civil, individualmente pactuado entre Clube e Atleta.
Ainda que haja pouca inovação por parte da nova Lei em relação à redação da norma anterior, a Lei Pelé, certo é que: (i) a nova lei reforça a construção então vigente, dando mais segurança jurídica à exploração dos direitos e permitindo o amadurecimento da jurisprudência sob racional similar; e (ii) as derrotas da EA, precipuamente, se referem a produtos que antecederam as atualizações legislativas promovidas à Lei Pelé em 2011, finalmente robustecidas apenas em 2015.
Ou seja, o cenário legislativo atual se apresenta como mais seguro e distinto daquele que, outrora, estimulou a EA a abandonar o território nacional. As práticas de mercado, igualmente, mais sólidas.
É notória e inegável, ademais, a enorme relevância do mercado brasileiro na indústria de games, sobretudo no futebol, esporte nacional. O Brasil, inclusive, ostenta o status de atual campeão da Copa do Mundo (eNations Cup), a principal competição de eSports no jogo da EA.
Assim, na era atual, que sucede o embate FIFA v. PES, espera-se que o mercado brasileiro de eSports e de licenciamento de ligas, clubes e atletas de futebol seja bastante reaquecido pelo EA FC que, imagina-se, deve almejar recapturar as licenças perdidas à KONAMI e, não menos importante, criar uma reserva de mercado para dificultar a entrada de um terceiro player nesse jogo. Afinal, a licença da FIFA está livre e disponível a qualquer estúdio endinheirado que, eventualmente, desejar entrar em campo.
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[1] https://pt.ign.com/efootball-2022/111375/review/efootball-2022-analise
[2] https://pt.ign.com/efootball-2023/116290/review/efootball-2023-analise
[3] https://www.lance.com.br/fora-de-campo/sports-perde-acao-para-atletas-brasil-tera-que-pagar-quase-milhoes.html.