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O mistério do futebol: o que existe entre o que acontece e o que somos capazes de inventar?

Diz-se linguagem qualquer meio de comunicar ideias ou sentimentos por meio de signos convencionais, sonoros, gráficos ou gestuais. Se isso é verdade, nessa instância, o futebol é quanto menos o que acontece, quanto mais o que se sente, ou o que se fala sobre ele.

Houve quem dissesse que a desportivização do planeta o tornou um fenômeno onipresente “para os que o praticam (e são bastantes), para os que lhe assistem (e são muitos) e para os que dele falam (e são quase todos)”. Nessa última instância, os seus efeitos são elevados à máxima potência.

Pra que a mágica tenha início, o jogo é imprescindível, claro. Mas, após o ocorrido, pouco importam as pernadas entre uma trave e outra. Importa o que eu sinto, o que você sente, o que eu sinto sobre o que você sente. O que eu falo, o que você fala, o que eu falo sobre o que você fala. O esporte passa a existir, de verdade, pelas múltiplas sensações que surgem ao redor das quatro linhas, e pela proliferação das palavras que tentam traduzi-las. Lançadas ao vento, onde um espetáculo acaba, outro começa.

Drummond conta que em 31, quando se deslocava pela cidade de Belo Horizonte, descera de um bonde na Avenida Afonso Pena após avistar desde a esquina anterior uma aglomeração curiosa. Dezenas de pessoas se amontoavam em frente ao Parque Municipal. Rodeavam um telefone. Do outro lado da transmissão, notícias chegavam sobre a saga de onze mineiros que enfrentavam o todo-poderoso Fluminense, em solo carioca.

Como se jogassem ali mesmo, os minutos eram sentidos pelos ouvintes, um a um. Viam com os ouvidos. “Que um indivíduo se eletrize diante da bola e do jogador, quando está jogando bem, é coisa de fácil compreensão”, dizia o poeta. “Mas contemplar por um fio?”

Quando chegou a notícia da vitória dos mineiros, a euforia dos patrícios fez subir aos ares os chapéus de palha, e voarem os botões dos paletós, que não resistiam aos abraços efusivos que se davam uns nos outros. Segundo conta, enquanto algumas gargantas enrouqueciam, outras perdiam o dom humano da palavra, com explosões de entusiasmo. Os mineiros venciam os fluminenses por 4 a 3 a quilômetros de distância, mas era nas Gerais, onde apenas as palavras chegavam, que o Futebol daquele instante acontecia. No calor da emoção, como se não tivesse os pés no parque, um senhor o interpelava, puxando-o: “O senhor está vendo?”.

Pobres 90 minutos, não fossem a sua imortalização. A emoção sentida, a história contada, a celebração dividida, a tradição eternizada. O mistério que existe entre o que acontece e o que somos capazes de inventar.

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Referências bibliográficas:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Quando é dia de futebol. Rio de Janeiro: Record, 2002
AMADO, João Leal. Vinculação versus liberdade [o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo], Coimbra Editoria, 2002

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