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O Muay Thai feminino e a luta contra o preconceito

Enquanto a participação das mulheres no esporte há muito tempo tem sido analisada como uma fonte de empoderamento, a participação das mulheres nas artes marciais e nos esportes de combate tem sido identificada como sendo particularmente transformadora.

Os estudiosos descobriram que a participação das mulheres nas artes marciais e nos esportes de combate tem o potencial de subverter as hierarquias de gênero, pois põe em questão a natureza da diferença sexual e a percepção da falta de poder físico das mulheres[1].

Na Tailândia, as lutas de Muay Thai entre mulheres não foram levadas a sério durante muito tempo, até que em setembro de 1973 a televisão tailandesa transmitiu ao vivo lutas de nakmuays (lutadores de muay thai) do sexo feminino, o que causou impacto considerável na mentalidade da sociedade tailandesa[2].

Isso ocorria porque há muito existia uma crença tradicional de que o ringue é supervisionado por divindades que proibiam a entrada de mulheres, relegando as nakmuays a lutarem apenas em províncias, nunca nos lendários estádios do país, como o Rajadamnern e o Lumpinee.

Em 1996, ocorreu um encontro histórico entre a IFMA (o órgão de governança mundial criado para promover o Muay Thai ao mais alto reconhecimento) e o Conselho Mundial de Muay Thai (criado sob a direção do Governo Real Tailandês para promover e fomentar todos os aspectos do muaythai).

Os participantes desta reunião votaram para mudar as atuais barreiras culturais e esportivas para as atletas do sexo feminino no Reino da Tailândia.

Foi decidido que se estabeleceria uma liga mundial para fomentar o Muay Thai feminino e promover a inclusão e a igualdade de gênero na Tailândia e no mundo.

A mudança começou com pequenas promoções somente para mulheres na Tailândia e à medida que a popularidade cresceu, nasceu o programa de TV Muay Ying (1999).

O programa Muay Ying era apresentado todas as quintas-feiras, com duração total de 90 minutos. O Estádio Rangsit, onde ocorria a competição, logo se tornou conhecido no mundo como o estádio para mulheres do Muay Thai. Um estádio que apresentava eventos que permitiam às atletas do mundo inteiro competir em uma plataforma igualitária com suas contrapartes masculinas.

Porém, só depois de mais de uma década veio a entrada das mulheres nos grandes estádios.

A primeira luta feminina de Muay Thai no Estádio Rajadamnern – primeira luta deste tipo desde que o local foi inaugurado há 77 anos – aconteceu em 5 de agosto de 2022.

Aida Looksaikongdin e Zarah Venum Muay Thai iniciaram uma nova era no Estádio Rajadamnern em Bangkok, cujo ringue tem sido preservado exclusivamente para atletas masculinos.

Desde a primeira luta de Muay Thai no local em 1945, o estádio nunca fora palco de uma luta feminina.

A nova administração do estádio, Global Sports Ventures – que prometeu investir na “revolução” do local para atrair uma nova geração – realizou uma cerimônia à época para pedir “permissão” às deidades do ringue para permitir que as atletas lutassem.

Mulheres e Muay Thai sempre tiveram uma relação complicada na Tailândia. Mesmo em muitos ginásios do país hoje, as mulheres têm que rastejar sob o fundo da última corda para poder entrar no ringue. Os homens, por outro lado, têm a corda superior puxada para baixo e saltam sobre ela. Apesar da natureza histórica rompida no Estádio Rajadamnern, esta tradição permanece.

No entanto, a aceitação tem crescido. Embora ainda existam proibições de diferentes formas de lugar para lugar, as regras sobre como as mulheres podem entrar no ringue ou se elas podem lutar nele desapareceram em muitos lugares. O Lumpinee foi outro dos estádios que se abriram aos novos tempos.

Desde sua abertura em 1956, o Lumpinee Boxing Stadium se tornou um dos locais mais prestigiados do mundo para a arte marcial tailandesa de Muay Thai.

Porém, o local em Bangkok tradicionalmente proibia as mulheres de lutar lá – ou mesmo de tocar o ringue – por conta de superstições arraigadas sobre a menstruação e seu potencial para “poluir” o espaço sagrado.

Os sinais colocados ao redor do ringue eram claros: “Senhoras, por favor, não toquem no palco”.

Mas a mudança chegou em setembro de 2021 em um confronto entre Saenajan Sor Jor Tongprajin e Buakaw Mor Kor Chor Chaiyaphum pelo título mundial WBC até 105 libras, sendo estas as primeiras mulheres a lutar por um título de campeã no Lumpinee, quebrando uma prática de décadas e abrindo o caminho para as aspirantes à atletas da modalidade.

O promotor do Go Sport World Muay Thai, Jarupongsa e o tenente-general Suchart Dangpraphai (Chefe do Lumpinee Stadium) querem inovar no mundo da luta na Tailândia. Eles querem promover mais lutas femininas no estádio Lumpinee e até estabelecer lutas na disciplina da luta feminina de MMA (o que já se efetivou com o recente acordo com o One Championship, que hoje promove cards de lutas no estádio transmitidas nas sextas-feiras com o nome de One Friday Fights no canal Combate).

Tais mudanças mostram ao mundo que, quanto à presença da mulher na luta, não há nada que justifiquem tratamento distinto entre homens e mulheres. Sawadee Kaa!

Crédito imagem: One Championship

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REFERÊNCIAS

JENNINGS, L. A. She’s a Knockout!: A History of Women in Fighting Sports. EUA: Rowman & Littlefield Publishers, 2014. 222 p. ISBN 9781442236431.

SIMÃO, Tiago de Carvalho. Muaythai: Dos Campos de Batalha aos Ringues Modernos. [S. l.: s. n.], 2023. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Muaythai-Campos-Batalha-Ringues-Modernos-ebook/dp/B0BXCRGZST/ref=sr_1_6?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=2IYKIYYDRX0P2&keywords=muay+thai&qid=1677955283&sprefix=muaytha%2Caps%2C258&sr=8-6. Acesso em: 4 mar. 2023.

[1] ALEX, Channon et al. Pink gloves still give black eyes: Exploring ‘alternative’ femininity in women’s combat sports. Martial Arts Studies 3, [S. l.], p. 24-37, 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/312373235_’Pink_gloves_still_give_black_eyes’_exploring_’alternative’_femininity_in_women’s_combat_sports. Acesso em: 4 mar. 2023.

[2] RITE, Robert. Muay-Thaï: Del campo de batalla al ring. 1ª. ed. Espanha: Alas, 2021. p. 141

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