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O oportunismo do PL nº 2125/2020

Por Filipe Orsolini Pinto de Souza

É incontroverso que as consequências da COVID-19 afetaram o esporte de maneira contundente, haja vista a suspensão e o cancelamento de competições por todo o mundo, inclusive os Jogos Olímpicos de Tóquio.

As relações desportivo-trabalhistas entre clubes, atletas e comissões técnicas ocupam posição de destaque nos desafios a serem enfrentados pelos stakeholders do mercado esportivo, por não ser simples a tarefa de lidar com bem jurídico de tamanha relevância.

Evidentemente o ineditismo do momento que a humanidade atravessa exige criatividade, mas também bom senso, para que soluções de caráter temporário possam ser construídas como veículo para se alcançar o futuro com o menor prejuízo possível.

Não obstante, a conjugação de criatividade e bom senso, vez ou outra, pode esbarrar no oportunismo travestido de altruísmo.

O Projeto de Lei nº 2125/2020, de autoria do Deputado Arthur Maia (DEM-BA), oferece inequívoco exemplo de iniciativa aparentemente razoável para o enfrentamento da crise, com indícios de transitoriedade, mas que, na verdade, retira direitos dos atletas profissionais, inclusive de maneira permanente, trazendo-lhe prejuízos irreparáveis.

Preambularmente, o PL se anuncia como uma flexibilização dos prazos de pagamento das parcelas devidas no âmbito do PROFUT, “durante a vigência da calamidade pública nacional”, e também como um ajuste na sistemática de repasses das receitas do concurso de prognóstico específico (Timemania). Sutilmente, na parte derradeira do preambulo, há a indicação de que o PL “altera a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998”, conhecida como “Lei Pelé”.

A sutileza da menção preambular não representa, minimamente, a contundência das alterações trazidas em seus artigos, que pretendem reduzir patrimônio jurídico desportivo-trabalhista dos atletas profissionais de maneira transitória, em alguns casos, e permanente, em outros.

Em seu artigo 4º, o PL suspende os efeitos do artigo 31 da Lei Pelé, que trata de hipótese específica de rescisão indireta do Contrato Especial de Trabalho Desportivo, para os casos de inadimplência de recolhimentos fundiários (FGTS) e contribuições previdenciárias (INSS), durante a vigência da calamidade pública internacional e nos 180 dias subsequentes ao seu encerramento. Na prática, o clube pode deixar de recolher o FGTS e de contribuir ao INSS em relação aos seus atletas profissionais, sem que isso seja configurado como justa causa do empregador. Não bastasse, em caso de rescisão contratual ou até mesmo outras necessidades legalmente previstas, o jogador não teria os recursos do FGTS para lhe amparar e, provavelmente, teria dificuldades para acessar os benefícios da previdência social, como o seguro-desemprego e o auxílio-doença acidentário.

Ainda mais inadmissível, especialmente neste momento, o artigo 6º do PL tem como objetivo reduzir o patamar mínimo da Cláusula Compensatória Desportiva, que é a indenização devida ao atleta profissional em consequência da rescisão indireta e da dispensa imotivada. Introduzida ao texto da Lei Pelé nos idos de 2011, a Cláusula Compensatória Desportiva garante ao atleta, como limite mínimo, “o recebimento do valor total de salários mensais a que teria direito (…) até o término do referido contrato” nas hipóteses de incidência.

Caso o PL seja aprovado como proposto, o que, definitivamente, não se espera que ocorra, o limite mínimo da referida indenização será reduzido para “cinquenta por cento do valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato”, em situação análoga ao artigo 479 da CLT, e, com juridicidade bastante questionável, a redução abrangerá os “Contratos Especiais de Trabalho Desportivo que já estão em vigor”. Finalmente, o pagamento poderá ser feito mensalmente, pelo período em que o contrato estaria vigente, caso não houvesse sido terminado.

Aliás, neste ponto da redução da Cláusula Compensatória Desportiva, a “Justificação” do PL consigna que o seu intuito é igualar “o atleta de futebol profissional às demais categorias regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”. Se o legislador realmente tivesse como objetivo equiparar os atletas profissionais aos demais trabalhadores celetistas, certamente teria proposto, ao mesmo tempo, a modificação do instituto da Cláusula Indenizatória Desportiva, permitindo que os jogadores trocassem de clubes sem a necessidade de pagar ou negociar multas verdadeiramente milionárias, não raro fixadas em dólares ou em euros.

Outra pretendida modificação da Lei Pelé, a única que parece razoável, é a inclusão do artigo 30-A, para permitir a celebração de contratos de trabalho entre clubes e atletas pelo período mínimo de 30 dias, durante o ano de 2020 ou enquanto perdurar a calamidade pública, reduzindo, transitoriamente, o prazo mínimo de 03 meses estabelecido no artigo 30. Realmente, os prazos dos contratos precisarão ser discutidos e reajustados, sendo plenamente compreensível o advento da condição especial temporária.

Por fim, o PL revoga o artigo 57 da Lei Pelé, que destina recursos para a Federação das Associações de Atletas Profissionais – FAAP. É inegável que o referido dispositivo é bastante questionado, e há bastante tempo, mas também não parece que seja o momento adequado de tratar deste assunto.

Em um momento sem precedentes, não há fórmula pronta e acabada para ser aplicada aos conflitos jurídicos que se escancaram, exigindo-se a criação de medidas oriundas da discricionariedade daqueles que lideram o país. Espera-se, entretanto, que a atuação do Poder Público tenha como objetivo criar instrumentos para atravessarmos a crise, com boa-fé, bom senso e obediência à Constituição Federal. E, por isso, o PL nº 2125/2020 deveria se limitar a oferecer instrumentos transitórios para resguardar todas as partes envolvidas no esporte durante a pandemia, sem inovar para modificar o ordenamento jurídico em prejuízo deste ou daquele, causando-lhes danos irreparáveis.

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Filipe Orsolini Pinto de Souza é mestre em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto Superior de Derecho y Economia (ISDE) (Espanha), pós-graduado em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV, graduado pela FACAMP (Faculdades de Campinas), participante do Programa de Negociação da Harvard Law School Executive Education, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Subsecção Campinas/SP, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB Seção São Paulo, conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), membro do ISDE Sports Law Alumni e Membro da Association Internationale des Avocats du Football (AIAF). Advogado sócio de Brocchi e Souza Sociedade de Advogados.

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