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O PL 3640/2020 e a limitação da profissão de professor de Capoeira

INTRODUÇÃO

No ano passado, em audiência pública na Câmara dos Deputados, debati[1], em conjunto com outros presidentes de Confederações de lutas e parlamentares, o PL 3649/2020[2], que visa regular a profissão de professor de lutas no Brasil.

Ainda em discussão, o projeto de lei busca criar, formalmente, a figura do professor de lutas, definindo a formação necessária para o enquadramento legal de tal profissional, feita através da respectiva confederação de lutas.

Não obstante, segue em tramitação na Câmara dos Deputados, paralelamente, o PL 3640/2020, que busca especificamente o reconhecimento do ofício de Profissional de Capoeira, que seria aplicável a todas as modalidades em que a Capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança, cultura ou música[3].

A questão é que o PL, caso venha a se converter em lei, tornará privativo das entidades representativas da Capoeira – sem definir quais seriam estas – o reconhecimento de quem seria Mestre de Capoeira, e somente este poderá dar aulas. Veremos mais a seguir.

A CAPOEIRA COMO TRABALHO

A capoeira é uma manifestação cultural afro-brasileira nascida da relação de opressão imposta pelo branco-europeu-colonizador ao negro-escravizado-africano. Trata-se de um elemento de negação dessa opressão imposta, gerando assim um movimento que busca a libertação dos sujeitos.[4]

Tornou-se uma forma de resistência física, política, social e cultural que perpassa a história do Brasil, buscando transformar a realidade de uma minoria oprimida.

Essa cultura de resistência foi perseguida desde sua gênese, foi combatida e entendida como uma prática criminosa, tanto no Império quanto na República, chegando a ser tipificada no Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil de 1890:

Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil

(Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890)

Capítulo XIII — Dos vadios e capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;

Pena de prisão celular de dois a seis meses.

A penalidade é a do art. 96.

Parágrafo único. É considerado circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro.

Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400. Com a pena de um a três anos.

Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.

Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes. (g. n.)

No século XX, capoeiristas, como mestre Bimba e mestre Pastinha, trouxeram uma nova roupagem para a capoeira, na qual elementos da cultura dominante passaram a ser incorporados a essa prática cultural a fim de que fosse aceita socialmente e galgasse seu espaço, saindo da marginalidade e ganhando um caráter educacional, transformando-se em atividade física, em ginástica nacional. Dessa forma, de prática marginal, passou a figurar em diversos ambientes sociais, tais como clubes, escolas, academias, universidades etc.[5]

A Capoeira foi reconhecida como esporte na década de 1970 pela Federação Brasileira de Pugilismo e hoje está presente em diversas escolas e universidades brasileiras.[6]

A LIMITAÇÃO AO TRABALHO DO PROFESSOR DE CAPOEIRA NO PL 3640/2020

O ensino da prática da Capoeira não encontra, até então, uma legislação que obrigue ao professor filiação a determinada entidade específica para o exercício do seu labor.

É neste ponto que o PL ora em discussão coloca em xeque a profissão de professor de Capoeira, pois ele, enquanto prevê que “Considera-se Mestre de Capoeira o Capoeirista profissional devidamente reconhecido e titulado pelas respectivas entidades representativas da Capoeira”, não esclarece quais seriam as entidades que passariam a certificar o docente, embora faça a devida ressalva quanto àqueles que já exerçam a profissão:

Art. 6º Considera-se Mestre de Capoeira o Capoeirista profissional devidamente reconhecido e titulado pelas respectivas entidades representativas da Capoeira.

Parágrafo único. Ficam reconhecidos como Mestres de Capoeira e Contramestres de Capoeira os profissionais em exercício nessas respectivas profissões até a data de promulgação desta Lei.[7] (g.n.)

Ainda que presente a referida ressalva no texto, não há garantias na manutenção do exercício da profissão para alguns mestres pelo fato da informalidade que impera no meio da luta, onde nem sempre existe um registro do profissional perante a entidade onde o mesmo leciona, o que colocaria o professor em posição de se filiar a determinada entidade para que continue a dar aulas.

Isto posto, indagamos: onde seria feita tal filiação? Quem seriam as entidades capazes de conferir esse registro? Ademais, manteriam, aquelas que já existiam antes da lei, a capacidade de reconhecer os mestres da modalidade?

Tais questões ainda precisam ser respondidas, e são cruciais para aqueles que têm no exercício da profissão o seu sustento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A capoeira, além de tudo o que a prática envolve quanto aos benefícios aos praticantes, é também um meio de vida para aqueles que fazem dela a sua profissão.

Importante herança cultura, de forma de defesa, converteu-se em verdadeira arte, e, como tal, também é ensinada.

Muito embora a regulamentação que objetiva criar a figura do professor, prima facie, demonstre uma boa vontade para com os docentes, no sentido de dar legitimidade à tal figura, certos pontos legais carecem do necessário esclarecimento, objurgando aqueles que, por ausência da referida ligação com as entidades que o texto sequer indica quais seriam, não seriam mais habilitados a lecionar.

Imperativa é uma revisão dos pontos aqui ressaltados.

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[1] Vídeo completo: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/72471.

[2] BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. PL nº 3.640, de 06 de julho de 2020. Dispõe sobre o exercício da profissão de professor de artes marciais ou de esportes de combate. Projeto de Lei. Brasília, DF, Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256738.

[3] BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. PL nº 3.649, de 03 de julho de 2020. Dispõe sobre o exercício da profissão de professor de Capoeira. Projeto de Lei. Brasília, DF, Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256847.

[4] CASTRO, José Davi Leite et al. RELATO E CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO DA UFC: *DEBATE COM GINGA: AS MULTIFACES DA CAPOEIRA”. In: MOCARZEL, Rafael Carvalho da Silva (org.). Lutas / artes marciais / esportes de combate em educação física) /. 1. ed. Curitiba: Appris, 2021. cap. 6, p. 89-101.

[5] Ibid.

[6] Ibid.

[7] Novo texto legal, com subemenda substitutiva, apresentado pela CCJC em 02/12/2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2830063&filename=Tramitacao-PL%203640/2020.  Acesso em: 26 jan. 2025.

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