Por Bárbara Teles
A Copa do Mundo de Futebol Feminino tem início nesta quinta-feira, 20 de julho, e todos estão de olho na nossa seleção. A competição foi criada em 1991, bem depois da primeira edição do campeonato masculino, está em sua nona edição e a seleção brasileira ainda não tem título nesta competição. De forma orgânica, o interesse e a audiência vem crescendo na medida em que se fala mais sobre o tema, se incentiva a torcida, a cobertura da mídia é mais completa e se tem maior respaldo governamental – por exemplo, a Ministra do Esporte brasileira (enfatizo: mulher) irá pessoalmente para participar das cerimônias.
É fato que a representatividade de gênero tem crescido no esporte tradicional, de forma direta (mais atletas e técnicas mulheres) ou indireta (mais comentaristas, por exemplo), e no futebol não está sendo diferente. Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas vemos avanços que tendem a continuar com o maior incentivo.
Para além da torcida, analisando sob outra perspectiva, qual é a relação otimista entre o esporte eletrônico Fantasy Sport, a Copa do Mundo de Futebol Feminino e a maior participação feminina no desporto?
À medida que um torneio ganha mais popularidade e atenção nacional, o Fantasy Sport proporciona uma camada adicional de envolvimento para os fãs do esporte – e esse engajamento independe do gênero. Os jogadores do Fantasy Sport se envolvem mais com o torneio, acompanhando de perto os resultados, refazendo análises estatísticas sobre os seus escalados e explorando mais sobre o desempenho dos atletas.
Diferentemente da discussão que existe entre o futebol feminino e masculino com relação a diferenciação de salário e das premiações dos campeonatos, o prêmio para o campeão da liga do Fantasy Sport independe do gênero e é o mesmo, não havendo diferenciação de modalidade jogada por homem ou mulher. Pelo contrário, todos competem entre si, com as mesmas condições, e a premiação final será a mesma independentemente do seu gênero, dependendo apenas da sua habilidade.
Segundo a Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), o Brasil possui mais de 30 milhões de jogadores deste esporte eletrônico. Desse total, não se sabe ao certo quantos são mulheres, mas dados mundiais demonstram que a representatividade feminina nos Fantasy Sports tem crescido. A extinta Fantasy Sports Trade Association (FSTA) estimou, em 2019, que 38% dos jogadores norte-americanos eram mulheres, enquanto em 2010 eram apenas 12%. O aumento do interesse feminino no Fantasy Sport é uma boa notícia para a indústria e para o desporto – eletrônico ou físico.
A participação feminina no Fantasy Sport foi abordada no artigo norte-americano “You’re underestimating me and you shouldn’t: Women’s Agency in Fantasy Sports”, de 2016, no qual as autoras Rebecca Kissane e Sarah Winslow provaram que o ambiente virtual estimula e permite que mulheres e homens disputem pela mesma premiação, apesar da percepção das mulheres de que o Fantasy Sport continua sendo um ambiente mais masculino. Para as autoras, os Fantasy Sports têm um potencial para afirmar e desafiar as dinâmicas de poder de gênero – mais que os esportes tradicionais – principalmente por dois motivos: o primeiro é que esse o esporte virtual não envolve a participação atlética física dos concorrentes e em segundo lugar porque os participantes, independentemente do gênero, competem lado a lado sem distinção.
Enquanto no esporte tradicional, por vezes, as mulheres precisam se adequar a regras desenhadas para a figura masculina, no esporte eletrônico – Fantasy Sport – isso não acontece. Ganha o torneio aquele participante, mulher ou homem, que demonstrar ter a melhor estratégia, habilidade e conhecimento do tema.
Em outro estudo norte-americano “Why Women Play Fantasy Football”, os autores Brendan Dwyer, Joshua Lupinek e Rebecca Achen analisam do ponto de vista consumerista o comportamento das mulheres no Fantasy Sport. A partir da pesquisa, eles concluem que os motivos para as mulheres jogarem o Fantasy Sport são únicos (diferente das razões apontadas pelos homens) e multifacetados. Os principais motivos são o desafio e a conexão: o desafio é a possibilidade de as mulheres experimentarem o ambiente mais masculino e desafiar o status quo, demonstrando que conseguem competir de maneira igualitária; e a conexão é a possibilidade de as mulheres conhecerem mais sobre o esporte tradicional e os atletas que performam no mundo real.
Uma das sugestões dos autores para aumentar o engajamento das mulheres no Fantasy Sport é a utilização de uma porta-voz feminina para campanhas específicas. Não seria a Copa do Mundo Feminina, então, um ótimo motivo para ampliar isso?
Essa é uma oportunidade para atingir, também, a igualdade no esporte físico, já que comprovadamente pelo estudo uma conexão maior com as participantes do sexo feminino poderia significar uma possibilidade para endossos ou patrocínios adicionais. Trata-se de um círculo virtuoso, já que empiricamente é também importante que se tenha mais participação feminina nos anúncios de Fantasy Sport para que seja ampliado também o número de participantes do sexo feminino.
Como o Fantasy Sport de futebol alimenta o interesse pelo futebol tradicional, a criação de novas modalidades que tragam o foco para os campeonatos femininos pode aumentar o interesse desse público no esporte. No Brasil, já temos algumas plataformas de Fantasy Sport que promovem ligas da Copa do Mundo Feminina – e esse é um primeiro passo para incentivar a participação de todos e dar continuidade ao crescimento do mercado desse esporte eletrônico no Brasil.
Sabemos que o cenário de equidade de gênero está mudando positivamente e temos visto a ascensão de mulheres a cargos de liderança em vários setores. Uma das premissas para ampliar a noção da universalização sem distinção é a representatividade. No caso do Fantasy Sport, a representatividade é importante para que as mulheres se sintam atraídas, integradas e parte do negócio, bem como confiantes para competir em igualdade de condições com outros participantes.
Além disso, intensifica o prestígio ao desporto feminino. A promoção de ligas do Fantasy Sport dedicadas à Copa do Mundo Feminina – e outros campeonatos femininos – incentiva mais pessoas a acompanharem de perto o torneio e buscarem um conhecimento mais profundo sobre as atletas que irão participar dos jogos. Gera-se um maior envolvimento com o campeonato e as próprias atletas.
O Fantasy Sport tem criado um ambiente mais inclusivo e até mesmo acolhedor para as mulheres participarem ativamente. Esse esporte eletrônico pode ser um bom caminho para promoção da igualdade de gênero no desporto. Podemos aproveitar esse momento de crescimento do Fantasy Sport para dar uma lição positiva de igualdade e representatividade a todos os outros esportes, incentivando a criação e a divulgação de ligas voltadas aos campeonatos femininos e ampliando o número de jogadoras do sexo feminino.
Há uma série de razões para o aumento da participação das mulheres no Fantasy Sport ou em campo no esporte tradicional, mas a maior delas é que as mulheres podem, sim, mostrar as suas habilidades únicas e promover o desporto, garantindo maior visibilidade, reconhecimento e representatividade em todos os âmbitos.
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Referências:
DWYER, Brendan; LUPINEK, Joshua M.; ACHEN, Rebecca M.. Challenge Accepted: Why Women Play Fantasy Football. Journal of Sports Management, Vol. 32, No. 4 (2018), pp. 376–388. Disponível em: https://doi.org/10.1123/jsm.2017-0313. Acesso em 18.06.2023.
KISSANE, Rebecca Joyce; WINSLOW, Sarah. You’re underestimating me and you shouldn’t: Women’s agency in Fantasy Sports. Gender and Society, Vol. 30, No. 5 (October 2016), pp. 819-841. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/24756237. Acesso em 18.06.2023.
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Bárbara Teles é advogada especializada em direito e relações governamentais. É advogada de Regulatório e Public Affairs do Rei do Pitaco, diretora de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), secretária-geral da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional) e secretária-geral da Comissão de Direito dos Jogos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional DF (OAB/DF).