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O pouco abordado sobre os mascotes pelo Direito Desportivo

Por Pedro Deslandes

As mascotes, atualmente, são um dos pontos chaves do esporte mundial. Isso porque, além de darem uma identidade às equipes e animarem suas torcidas, suas figuras em muito podem render aos cofres dos times e torneios. Entretanto, nem sempre foi dessa maneira.

A palavra “Mascote” se origina da ópera francesa “La Mascotte”, composta por Archille Edmond Audran. A obra, estreada em Paris no ano de 1880, conta a história de uma jovem que atrai boa sorte àqueles ao seu redor, sendo utilizada como amuleto para seus familiares. De certa forma, a figura das mascotes no esporte foi assim estabelecida, como uma espécie de talismã das torcidas.

Esse, entretanto, logo deixou de ser o cerne das mascotes para suas equipes. Com o pensamento capitalista crescendo cada vez mais do lado ocidental do mapa-múndi, administradores das mais diversas equipes foram notando o quão lucrativa era a associação de seus símbolos às mascotes, os transformando em produtos muito rentáveis. Esta percepção, aliás, não foi apenas do ramo esportivo, mas sim de toda a indústria (do entretenimento, principalmente).

Desse modo, é quase tão difícil desassociar a imagem do Mickey Mouse da Disney quanto o Atlético-MG do “Galo Doido”. Os dois símbolos surgiram na primeira metade do século XX e, apesar de já terem designs e representações muito variadas entre si, em essência continuam sendo a maior representação de suas companhias.

O portal “BrandBola”, voltado para o marketing desportivo, em matéria a respeito da origem dos mascotes cita: “A utilização de mascote ganhou força no início do século XX, quando o mundo passava por uma transformação industrial. As grandes empresas precisavam de um chamariz, de um apelo para conquistar o consumidor a qualquer custo. As produções em larga escala e o foco na venda eram os novos pilares empresariais e, assim, as mascotes tornaram-se um meio comercial. (…) Seguindo a tendência empresarial, os clubes futebolísticos apostaram na adoção de mascotes, buscando atrair os jovens torcedores, passaram a realizar campanhas publicitárias, venda de produtos e trouxeram uma forma descontraída para os jogos. Em virtude disso, os departamentos de marketing dos clubes vêm a cada dia aprimorando essa nobre ferramenta de publicidade. As mascotes podem ser representadas por animais, pessoas ou figuras folclóricas”.

Assim, os mascotes permaneceram como parte essencial do espetáculo esportivo até os dias de hoje. Portanto, estariam eles suscetíveis às áreas de discussão do direito desportivo? Trago alguns casos polêmicos dos últimos anos abaixo, para que possamos em vários cenários a importância dos mascotes para os estudos do direito.

BRIGA DE MASCOTES

Em 2014, durante uma partida da Liga Universitária norte-americana de Basquete entre Albany Great Danes e Stony Seawolves, os mascotes das duas equipes entraram em conflito. As torcidas acompanharam sem reação o momento em que, antes do fim do jogo, o Dogue Alemão e o Lobo trocaram socos e empurrões, tendo que ser separados pelos organizadores do evento. Nenhum dos envolvidos foi expulso, ou sequer advertido, pelo árbitro da partida.

DIREITOS AUTORAIS (CASO SPORT)

É muito complicado discutirmos a questão dos direitos autorais relacionados aos clubes e seus mascotes. Isso porque, quem é o verdadeiro dono dos direitos? Afinal, a equipe tem os direitos da marca, mas e sobre o animal base em si? Como pode alguém possuir direitos autorais em cima da imagem de um leão, por exemplo?

A Lei Pelé (Lei Nº 9.615/98) é muito clara quando cita, em seu artigo 87, que:

“Art. 87. A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação em órgão competente.”

Dessa forma, podemos concluir que os direitos sobre o símbolo são pertencentes às equipes, de tal maneira que, uma foto de uma Raposa vestida de azul, por exemplo, é diretamente associada – logo, pertencente – ao Cruzeiro. Entretanto, é um pouco mais complexo que isso.

É válido ressaltar que, no geral, para a ampliação da marca, é comum que os clubes licenciem o uso da imagem de seus mascotes. Assim, é comum vermos vários produtos estampados com suas imagens, bichos de pelúcia, dentre tantas outras formas de merchandising. A vantagem é tamanha que, mesmo com a pirataria e artes sem créditos, os símbolos da equipe estão sendo propagados, o que não costuma gerar grandes polêmicas. Entretanto, em caso contrário, como foi o do Sport em 2017, não é bem assim.

Naquele ano foi apreciado em plenário o julgamento do Recurso Especial nº 1.342.266-PE, envolvendo o Sport Club do Recife e o desenhista Miguel Abreu Falcão. Isso porque, após a utilização de desenho feito e publicado pelo artista em seu uniforme, o qual apresentava claramente um leão (mascote do Sport) trajado com as vestimentas do clube jogando futebol, Miguel ingressou com uma ação indenizatória de direitos materiais e morais.

De acordo com artigo do portal JusBrasil, o autor era cartunista e contratado do Jornal do Commercio e prestava serviços para terceiros, tendo criado nos anos 2000 diversos desenhos de mascotes de clubes de futebol, dentre eles o do Sport, que foi veiculado no site futbrasil com sua autorização e identificação de autoria. O mesmo se repetiu quando suas ilustrações foram publicadas pelo jornal nos dias 14/11/2002 e 26/02/2003.

A pretensão foi julgada improcedente em primeira instância, seguindo o que regia a Lei Pelé. Entretanto, na segunda instância, o recurso foi acolhido por decisão monocrática e condenou o Sport ao pagamento da indenização pedida por Miguel. Um agravo regimental manejado pelo clube foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pernambuco, mantendo-se os fundamentos da decisão singular, com a seguinte ementa:

– O artigo 28 da Lei n.º 9.610/1998 (Lei dos Direitos Autorais) afirma que “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de obra literária, artística ou científica”.

– O artigo 29 da mesma lei afirma que depende de autorização do autor a utilização de sua obra.

– Ainda que o artigo 87 da Lei Pelé confira proteção aos símbolos de entidades de prática desportiva, atribuindo a estas propriedade exclusiva, não é extensível às charges, caricaturas e animações feitas dos símbolos, uma vez que são atividade intelectual de seu criador, que os dota de características distintivas próprias.

– Entendimento contrário implicaria na falta de proteção à categoria profissional dos cartunistas e chargistas.

– O direito moral do autor ainda foi violado em razão do não reconhecimento do seu trabalho na comercialização das referidas camisas, conduta vedada pelo artigo 24, inciso II da Lei de Direito Autoral.

Assim, o Sport tentou um recurso especial ao STJ, se sustentando principalmente na violação do artigo 87 da Lei Pelé e no artigo 33 da Lei de Direitos Autorais, afirmando que o Leão, símbolo de sua entidade esportiva, é de sua propriedade exclusiva.

Do resultado: o STJ entendeu que o direito à exclusividade dos símbolos das entidades de prática desportiva não se estende às charges e caricaturas, desde que estas apresentem sinais característicos próprios, diferenciando daqueles originais. Desta forma, concluímos que os direitos sobre o uso da imagem de seus mascotes não absolutos e exclusivos, possuindo algumas brechas a serem exploradas.

CASO CLEVELAND

Durante muitos anos, grupos indígenas protestaram contra o Cleveland Redskins, da cidade de Cleveland. Isso porque, desde 1915, a equipe utilizava esse nome (que em tradução literal de “Redskins” temos “peles vermelhas”), além de possuir como mascot/símbolo uma imagem caricata de um indígena.

Apesar de tradicional e centenária, a imagem teve de ser adptada aos novos tempos. Assim, para se readequar à contemporaneidade e se tornar mais inclusive para todos os públicos, a equipe trocou de nome para Cleveland Guardians, e a figura do indígena se tornou muito mais respeitosa e fiel.

Neste caso em específico pouco citamos o Direito agindo, apesar de terem havido alguns processos ao longo desses 100 anos. Entretanto, é importante trazê-lo para lembrar que, antes de tudo, as mascotes são o símbolo da torcida, influenciando milhares de torcedores (principalmente criaças). Desse modo, uma figura que fira os direitos humanos à beira do campo se torna inaceitável na atualidade, e a tendência é que a imagem dos mascotes se tornem cada vez mais inclusivos.

CASO “GALO DOIDO”

Por fim, o caso mais recente e que inspirou este documento. No último clássico realizado entre Atlético-MG e Cruzeiro, no dia 06/03/2022, uma cena incomum aconteceu.

Em meados do segundo tempo, a equipe visitante (Cruzeiro) abriu o placar, para irritação e descontentamento de 90% do estádio. Acontece que, ao saírem os jogadores do Cruzeiro para comemorar, a mascote do rival, conhecido como “Galo Doido”, partiu para cima dos atletas do time azul. Houve tentativa de intimidação, de segurar os jogadores e incitar algum tipo de clima hostil. Em meio à euforia celeste e o descontentamento alvinegro, tal imagem não foi percebida por árbitro e/ou jogadores, sendo viralizada horas após o fim da partida.

Como consequência, a Federação Mineira de Futebol (FMF) afastou o mascote do próximo compromisso do Atlético-MG como mandante. Apesar de não possuirmos nas legislações desportivas aplicações ao caso dos mascotes, conseguimos configurá-lo em alguns artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva:

– Art. 243-D. Incitar publicamente o ódio ou a violência. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009). PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

– Art. 254-A. Praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009). PENA: suspensão de quatro a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de trinta a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

A verdade é que, a figura dos mascotes como figuras combativas não é recente. Se pararmos para reparar, a maioria possui uma imagina “gladiadorizada”, com feições raivosas e músculos. Não obstante, constantemente se extrapolam nas provocações às equipes adversárias. E, aparentemente, é o que a torcida aparenta gostar, tendo em vista que o mascote da Seleção Brasileira, após adquirir as características citadas acima, atingiu um novo patamar de fama, além de gerar memes e viralizar em praticamente todos os jogos do Brasil.

Por fim, a provocação faz sim parte do espetáculo. Entretanto, os clubes devem se prontificar a tomarem um pouquinho a mais de cuidado para que essas, vindas de figuras que influenciam tão atraentes e influentes ao público infantil, principalmente, não influenciem ainda mais a violência dentro dos estádios. No mais, a tendência é que a participação desses símbolos seja cada vez mais presente dentro da legislação e matéria desportiva.

Crédito imagem: Atlético-MG

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Pedro Deslandes é acadêmico de Direito pela PUC Minas, sendo participante do GEDD PUC-MG e funcionário do Depto. Jurídico do Cruzeiro Esporte Clube.

Referências:

https://renatomorad.jusbrasil.com.br/artigos/539634308/stj-analisa-direitos-autorais-e-de-propriedade-sobre-mascotes-de-clubes-de-futebol

Sport condenado a indenizar cartunista por uso de leão estilizado em camisa de jogo

https://www.itatiaia.com.br/noticia/fmf-suspende-galo-doido-por-peitar-jogador-do-cruzeiro-apos-gol-no-classico

https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201507/20150709151309_0.pdf

A importância das mascotes, por Diego Carneiro

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