O primeiro a apresentar os sintomas foi o Pascoal, logo antes de entrar no ônibus. Na verdade, já iam pra mais de meia hora de atraso, o time plantado no saguão do hotel, e nada do atacante descer. Naquele dia, não tinha saído do quarto nem pro café, o que fazia o pessoal achar que era algo grave. Ninguém nunca perdia o café. Muito menos o Pascoal.
O Andrade, massagista, vivido de muita cancha e vestiário, cantou a pedra no ouvido do treinador. Isso aí tinha cheiro de bicho. No caso, tinha cheiro da falta dele. No tempo do Andrade, o jogador que fazia doença no dia do jogo, logo antes de entrar em campo, tava passando a mensagem de que queria um a mais na caixinha. Era carta marcada. Sarava assim: a pratinha batia no fundo da lata, e a moleza começava a passar.
Pensaram ser o caso do Pascoal, mas não era. Antes mesmo do treinador tentar negociar com o Presidente um remédio pra cair direto na conta, veio o veredito do médico, ainda com um pé dentro do elevador: 39 graus.
Naquele dia, nem ele nem o Pascoal sabiam que o enfermo seria o primeiro de muitos. E porque não sabiam, com exceção do atacante, meteram o restante dentro do ônibus, apressados pra partida.
Aperto de mão daqui, conversa dali, uma garrafa de água pra cada 3 no vestiário. A gripe foi passando de um pro outro. Como se abrissem a porta do inferno, em uma semana eram tantos os acamados que o alojamento virou enfermaria pra jogador e quem mais precisasse. Não tinha o que fazer. Porta fechada. Cada um pra sua casa. No fim da tarde, ficaram sabendo que do outro lado da cidade, depois do viaduto, o rival tinha feito o mesmo.
Não seria a primeira vez que um surto paralisou o futebol. Entre 1914 e 1918, a gripe espanhola, que não era espanhola, fez o mesmo. De vítima, até o presidente Rodrigues Alves. Por causa dela, adiaram o campeonato paulista de um ano pro outro. Quando voltou, foi disputado sem público, e, mesmo assim, só por quem tinha conseguido até ali a melhor pontuação.
No Rio de Janeiro, a gripe avançava, mas não havia consenso sobre a suspensão do estadual, que seguiu. Apesar de curta, a paralisação também foi inevitável. Veio mais tarde, mas veio. Dois meses depois, quando retomados os jogos, o Fluminense era campeão, mas perdia um atleta. A epidemia tinha se alastrado pela capital e chegado ao tricolor das Laranjeiras. Archibald French, meia-esquerda recém-chegado do Bangú, faleceu durante a competição após ser infectado. No jornal “O Paiz”, se emocionava quem lia que “Já não figurava no conjunto campeão a figura sympathica de Archibald French, que a epidemia colheu tão impiedosamente”.
Hoje, por aprendizado ou por medo, a parada geral veio logo. Vão discutir a papelada, mas a vida é o preço que ninguém quer pagar só pra ver a bola rolar.