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O preço da falta de integridade e ética na gestão esportiva

Organizações desportivas enfrentam constantemente preocupações de governança, sobretudo após grandes escândalos e pelo risco reputacional ocasionado ante a comportamentos imorais, antiéticos e ilegais.

O “FIFAgate”, por exemplo, cuja atuação do Tribunal Federal dos Estados Unidos da América, trouxe à tona o envolvimento de notáveis executivos como Ricardo Teixeira, José Maria Marín, Marco Polo Del Nero, Juan Ángel Napout (ex-presidente da Conmebol), Alfredo Hawit (ex-presidente da Concacaf), Reinaldo Vásquez (ex-presidente da Federação Futebolística de El Salvador), em esquemas de lavagem de dinheiro, fraudes em subornos envolvendo a cessão de direitos televisivos e marketing de grandes competições, fraudes bancárias, subornos por contratos ligados a competições organizadas pelas entidades de administração desportiva.

Para combater tais práticas, torna-se gritante a imposição de políticas de governança como balizador de gestão das organizações, assegurando o controle das operações, definindo o escopo de atuação dos dirigentes, controlando os atos dos administradores, condicionando os poderes para tomadas de decisões, entre outras medidas.

A exemplo de medidas de combate a práticas ilegais, a CBF anunciou nesta semana que passará a incluir cláusulas anticorrupção em seus contratos.

Nessa linha, além de estruturarem regras e critérios de boa governança, as entidades desportivas constituem órgãos, como comissões/comitês para assegurar o cumprimento e aplicação das regras.

Na FIFA, por exemplo, o Comitê Disciplinar, de Apelação e Ética (art. 52 Estatutos da FIFA) integram os órgãos judiciais da entidade. Por sua vez, o COB se reestruturou permitindo maior representatividade dos atletas na composição da Assembleia Geral, limitou o mandato presidencial, extinguiu a categoria de membros vitalícios na Assembleia, estabeleceu um Conselho de Ética independente, além de criar o Comitê de Integridade e Comitê de Conformidade.

Segregar poderes políticos e executivos, limitar mandato, estabelecer critérios de elegibilidade a dirigentes, auditar o investimento no desenvolvimento, estabelecer órgãos judiciais orientados por um Código de Ética, impor processos de gestão são apenas algumas das medidas que concorrem para afastar práticas ilegais, antiéticas e imorais. Isso, aliado a critérios de responsabilização dos executores e, sistemas de monitoramento/controle dos atos de gestão.

Entre outros indicadores existentes para mitigar ou afastar a prática de atos ilegais e antiéticos, é a transparência organizacional, a prestação de contas, a ampla divulgação de informações. Portanto, imperioso se faz a objetividade quanto aos critérios de responsabilização, uma vez que a ausência dessas bases acarreta fragilidade no sistema, ante a discricionaridade de quem executa as decisões.

Assim sendo, a responsabilização/punição só ocorre se a conduta for enquadrada como ilegal ou antiética, e para tal objetivo, exige-se que haja anterior tipificação em regulamento. A descrição da conduta como tipo infracional foi o que possibilitou o desdobramento do supracitado “FIFAgate”.

O suborno, a título de exemplo, é definido e tipificado por organizações desportivas de diversas modalidades. A ITF (International Taekwon-Do Federation) conceitua a prática de suborno como  “oferecer, prometer, dar, aceitar ou solicitar uma vantagem (financeira ou não) como incentivo para uma ação ilegal ou uma quebra de confiança” ( ITF, 2012). Por sua vez, a FIA (Federation Internationale de l´Automobile) insere a conduta de “influenciar indevidamente alguém (…) ou recompensar alguém pelo desempenho de qualquer função ou atividade, a fim de garantir ou ganhar qualquer vantagem regulatória ou pessoal” ( FIA, 2017b ), além de exemplificar as condutas como “a concessão de ajuda ou doações, o uso de direitos de voto, destinados a exercer influência imprópria”. Já a FIFA tipifica suborno a “oferta de qualquer coisa valiosa com a intenção de obter uma vantagem comercial imprópria”, enquanto a IRL (International Rugby League), como “um incentivo ou recompensa oferecido ou prometido para obter qualquer vantagem comercial ou outra”.

Caso não haja subsunção da conduta praticada com o que está descrito em legislação ou regulamento, tal ato pode permanecer sem quaisquer consequências no âmbito jurídico. Por isso, importante que haja a cautela em incluir como prática antiética ou ilegais condutas de forma abrangente, sobretudo considerando os interesses e peculiaridades do mercado que se regula. Como por exemplo, o suborno sem cunho financeiro, como troca de favores políticos ou pessoais, cuja conduta pode passar ilesa, caso não seja considerada a prática de suborno pela ausência de valores pecuniários. Exemplo disso, ocorreu em 2015, quando o então presidente da FIFA Joseph Blatter foi afastado pelo Comitê de Ética por envolvimento em corrupção, nos termos do que constava definido no Código de Ética publicado em 2004, durante seu mandato.

Políticas claras permitem sanções contra violações, além de viabilizar ferramentas para estruturar a governança corporativa. A esse respeito, a FIBA (International Basketball Federation, 2014), IIHF (International Ice Hockey Federation, 2014), IGF (International Golf Federation, 2016) e FIA (2017) reconhecem a caracterização de suborno todo “benefício ou serviço de qualquer natureza”, enquanto a FIFA (2012), ITF (2012), IAAF (International Association of Athletics Federations, 2015), FIS (Federação Internacional de Ski, 2016), considera suborno a prática que envolver “benefício ou vantagem pecuniária, monetária ou outro”, e a FIH (2012), COI (2015), como “benefício oculto”, podendo ser interpretado como quebra de confiança, tal como foi ocorreu na FIFA, em 2015, com a suspeita de troca de votos.

Além da tipificação para o enquadramento de condutas antiéticas, é importante que as entidades desportivas alinhem as políticas de governança com o seus objetivos organizacionais. A FIFA, por exemplo, visa “promover a integridade, a ética e o jogo limpo com o objetivo de prevenir todos os métodos ou práticas, como corrupção (…) que possam comprometer a integridade” do esporte” ( FIFA, 2016 ). Inclusive, vale mencionar que um dos pilares do FIFA 2.0 é a transparência da organização, sua governança e o processo decisório.

Conduto, de nada vale a tipificação da conduta se os critérios de controle, fiscalização e monitoramento das entidades desportivas encontram-se deficientes. A título de exemplo, o COI possui uma linha direta de Integridade e Conformidade, ou IGF acerca de Políticas Antiapostas e Corrupção, como canal ou sistema que viabiliza denúncias ou o relato e exposição de circunstâncias alarmantes.

Além de estabelecer um sistema de monitoramento e controle, é preciso criar órgãos e direcionar os poderes investigatório (solicitar informações dos integrantes sujeitos aos regulamentos) e sancionatório (aplicar as respectivas sanções), a fim de garantir um sistema de frios e contrapesos. Ou seja, nem sempre o Comitê de Ética que apurou os fatos será o órgão que aplicará eventuais sanções, tal como ocorre no sistema judiciário, uma forma de assegurar a imparcialidade e afastar possível conflito de interesses.

Apesar da vasta previsão em regulamentos e legislações, e do desenvolvimento de medidas de combate a corrupção no âmbito do esporte, a vulnerabilidade do monitoramento e controle podem degradar diretrizes de políticas de governança corporativa e ética.

Apesar dos expressivos montantes envolvidos nos casos de gestão temerária, manter os objetivos precípuos das entidades de administração desportiva em linha com políticas de integridade, governança e ética são fatores de uma equação cujo resultado são positivos para os que seguem essa conta. Pode-se afirmar que a boa imagem e reputação das entidades que integram o setor promove a circulação de valores ainda maiores do que pode ser gerado com os atos ilegais e antiéticos, tendo em vista as inúmeras partes interessadas que demandam a cadeia do esporte.

Assegurar a credibilidade da entidade desportiva e o compromisso com políticas de governança, integridade e ética protege o esporte como um todo, e conduz o setor para além do jogo limpo e da incerteza dos resultados, conferindo credibilidade para que o esporte, como um produto a ser consumido, está permeado por toda sua cadeia da necessária responsabilidade corporativa, conformidade à regras e legislações perante os stakeholders, prestação de contas, transparência e lisura nos contratos, processos de licitação da Copa do Mundo FIFA, sistemas de transferências e accountability.

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https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fspor.2021.649889/full

Philippou, C. (2019). Rumo a uma estrutura unificada para antissuborno na governança esportiva. Int. J. Governo de Divulgação. 16, 83-99. doi: 10.1057/s41310-019-00058-w

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