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O processo legislativo do Marco Legal dos Games: fase final com pedidos meramente protelatórios

Por Bárbara Teles

O Congresso Nacional analisa desde 2021 o PL 2796, de 11 de agosto de 2021 (“PL 2796/2021”), que pretende criar o Marco Legal para a indústria dos jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia, o “Marco Legal dos Games”.

Apresentado pelo Deputado Kim Kataguiri (União/SP), parlamentar com base no maior colégio eleitoral do país e com grande parte de seus eleitores jovens e gamers, o Marco Legal foi pensado para garantir segurança jurídica e o desenvolvimento do setor, “(…) buscando corrigir distorções e incentivar o setor produtivo de games no Brasil”, como indica o Deputado em sua justificação ao projeto de lei.

Dentre as maiores propostas do autor, está a garantia do correto enquadramento do setor para continuidade do crescimento: a diferenciação clara dos jogos eletrônicos dos jogos de azar e máquinas caça-níqueis. Este, que é um gargalo do setor e abre portas para entendimentos não verídicos, é muito importante para a indústria, principalmente para aqueles estúdios pequenos e startups que dependem de investimentos externos e, para alcançarem, necessitam da segurança jurídica para operar.

Para além do mérito de incontestável importância para o segmento de jogos eletrônicos, pretendo aqui analisar o conjunto de medidas adotadas durante o processo legislativo de apreciação desse projeto, que se encontra em fase final de análise pela Casa Revisora e, em breve, poderá se tornar Lei em todo o país. Porém, medidas protelatórias estão sendo empenhadas para, simplesmente, atrasar o processo de análise e não permitir que os avanços sejam implementados.

Iniciando propriamente a análise do processo legislativo do Marco Legal dos Games, após apresentado o PL 2796/2021, foi designado às comissões temáticas para análise de seu mérito. Em 15/09/2021, por despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, foi distribuída a matéria para as 3 comissões de mérito, quais sejam, as Comissões de Cultura; de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (“CCJC”), em apreciação conclusiva pela última, ou seja, sem que a matéria precisasse ser deliberada pelo Plenário da Casa, composto pelos 513 Deputados Federais.

Recebida na primeira comissão de mérito, uma Deputada foi designada relatora para o caso e foi aberto o prazo de apresentação de emendas para o projeto, sem que nenhuma emenda fosse apresentada pelos parlamentares durante o prazo regimental. A matéria ficou parada por quase um ano, de setembro de 2021 até agosto de 2022, sem que fosse apresentado relatório ou qualquer pedido de realização de audiência pública, ou seja, sem resistência de nenhuma das partes, o que demonstrava que os parlamentares e até mesmo o próprio setor estava de acordo com a proposição legislativa em tramitação.

Durante o período eleitoral, que ocorreu de julho de 2022 a outubro de 2022, a Câmara dos Deputados funcionou de maneira diferente, utilizando-se de semanas de esforço concentrado para votações, ou seja, foram escolhidas algumas semanas do mês para realização de todas as votações no plenário e as comissões de mérito (tirando a CCJC) pararam o seu funcionamento.

Essas exceções ao regimento interno da Casa foram empenhadas para que fosse possibilitado a todos os parlamentares estarem em seus estados e cidades fazendo suas campanhas e apresentando suas propostas de mandato ao povo brasileiro. Com as novas regras eleitorais impostas ao pleito de 2022, tornou-se ainda mais necessária a diminuição da análise de proposições legislativas pelo Congresso Nacional para possibilitar que as campanhas eleitorais fossem realizadas durante o período.

Visualizando que o Marco Legal dos Games estava completamente parado e sem o devido interesse na comissão meritória, o autor do projeto de lei apresentou em 03/08/2022 requerimento de urgência pretendendo que a matéria fosse analisada diretamente pelo plenário da Casa Legislativa. O regime de urgência imposto às proposições legislativas é caracterizado por prazos mais curtos e dispensa de interstícios e formalidades regimentais, agilizando a apreciação das proposições.

Tal requerimento de urgência foi aprovado pela totalidade do Plenário da Câmara dos Deputados no dia seguinte e fez com que o regime de tramitação da matéria fosse alterado e que pudesse ser incluído na pauta para votação em plenário diretamente. De toda forma, seguindo o rito regimental, a urgência não dispensou os pareceres das Comissões designadas (conforme preceitua o §1º do art. 152 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados), os quais foram proferidos em Plenário, como restará demonstrado a seguir.

No Plenário da Câmara dos Deputados, foi designado o relator Deputado Darci de Matos (PSD/SC). Durante a confecção do relatório, órgãos do governo, como Casa Civil e o extinto Ministério da Economia, parlamentares interessados e associações setoriais puderam contribuir com sugestões ao texto legislativo, que foram profundamente analisadas pela equipe técnica da Casa Legislativa e acatadas com mudanças significativas ao texto do PL 2796/2021.

Para a votação, a matéria foi incluída na pauta do plenário em algumas oportunidades do esforço concentrado, em 29, 30 e 31/08/2022, e em 05, 10, 11 e 17/10/2022. Todas essas inclusões em pauta foram publicamente divulgadas e houve a oportunização para que a indústria pudesse procurar os parlamentares envolvidos na discussão do tema para a contribuição efetiva com ajustes meritórios do texto.

No mesmo dia da votação, antes da apresentação do parecer do relator, o próprio parlamentar apresentou requerimento solicitando que a matéria fosse, também, redistribuída à Comissão de Finanças e Tributação, o qual foi aprovado e assim foi feito.

Portanto, em 18/10/2022, o Deputado relator apresentou o seu parecer preliminar de plenário com diversas mudanças ao texto legislativo, incluindo a aprovação de algumas emendas apresentadas por outros parlamentares. Em plenário, portanto, o Deputado proferiu seu parecer por todas as comissões de mérito que a matéria foi designada a passar, analisando todos os aspectos relacionados à cultura, à tecnologia, à finanças e à adequação constitucional da matéria. Em seu relatório, o parlamentar destacou que “O projeto é extremamente meritório ainda no incentivo à criação de uma indústria nacional de jogos eletrônicos – com potencial para criar muitos empregos e renda. É importante apontar que, nos EUA, tal indústria gera mais empregos, renda, patentes e tributos do que a indústria cinematográfica”.

Em votação, que contou inclusive com a discussão de alguns poucos parlamentares reforçando a importância do pleito, a matéria foi aprovada por unanimidade pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Dada a aprovação unânime da matéria, sem nenhuma resistência, pode-se inferir que houve um acordo entre todos os stakeholders envolvidos de que esse seria o melhor texto possível para representar a indústria de jogos eletrônicos e de jogos de fantasia.

Após a aprovação do Marco Legal dos Games, as entidades setoriais foram à mídia e comemoraram a aprovação. Ao Valor Econômico, na reportagem de 19/10/2022, as duas maiores entidades setoriais envolvidas nas discussões deram o recorte ao repórter do jornal: “Vice-presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), Carolina Caravana diz que a redução da tributação não necessariamente afetará os preços e que o principal avanço do projeto é garantir mais segurança jurídica”. Em seguida, na mesma reportagem, a outra entidade setorial reforça: “Se o projeto virar lei, destaca [Rafael] Marcondes [presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS)], não haverá mais confusão com apostas esportivas ou promoções comerciais.

Ou seja, depreende-se que haveria um consenso setorial de que o Marco Legal dos Games não só abrange toda a categoria, mas também seria benéfico para garantir segurança jurídica ao setor.

Seguindo com o devido processo legislativo, o Marco Legal dos Games foi enviado para análise da Casa Revisora. No Senado Federal desde 20/10/2022, logo nos dias seguintes a matéria foi despachada pelo Presidente à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), devendo ser submetida posteriormente à apreciação do Plenário.

Na CAE, o Marco Legal dos Games foi distribuído em 01/12/2022 ao Senador Irajá (PSD/TO), eleito o senador mais jovem da história do Brasil e com histórico político muito próximo às temáticas ligadas à tecnologia. O gabinete do parlamentar recebeu por meses diversas propostas e chamou para o debate todos os setores envolvidos pelo PL 2796/2021, tendo feito afirmações públicas sobre o envolvimento de todos os stakeholders durante a produção de seu relatório.

Durante o recesso parlamentar constitucional, de 23/12/2022 a 2/02/2023 (art. 57 da Constituição Federal), não houve muita movimentação do projeto, mas com o retorno das atividades e a nova legislatura, confirmando-se a relatoria do senador, foi dada continuidade às atividades e à apreciação do mérito da matéria.

Passo seguinte, o Marco Legal dos Games foi incluído na pauta da CAE para votação por duas vezes, em 02 e 09/05/2023, chamando atenção para a proximidade da votação do tema. Em 30/05/2023, o senador relator apresentou o seu parecer pela aprovação do PL 2796/2021 com apenas uma adequação redacional no caput do artigo que detém as definições legais, e o projeto foi incluído na pauta da Comissão deste dia.

Durante a reunião deliberativa, após a leitura de seu parecer, dois senadores pediram vistas coletivas da matéria para que pudessem analisar qualquer sugestão adicional ao texto. O pedido de vista é um instrumento do processo legislativo utilizado após a leitura do relatório e pode ser aceito por uma única vez e pelo prazo máximo de cinco dias, improrrogável (§1º do art. 132 do Regimento Interno do Senado Federal).

Assim, respeitado o prazo regimental, a matéria voltou a constar da pauta da reunião deliberativa da CAE em 06/06/2023 e foi aprovada por unanimidade, com a rejeição de uma emenda aditiva apresentada por outro senador membro da CAE, mas que o relator julgou ser objeto de uma regulamentação infralegal, como permite o Marco Legal dos Games.

Em um processo legislativo simples e sem complicações, o PL 2796/2021 já aprovado na Câmara dos Deputados (Casa Iniciadora), agora seguiria para o Plenário do Senado Federal (Casa Revisora) para análise final do seu texto e posterior envio à sanção presidencial. Mas agora, ao final do processo legislativo, depois de anos em tramitação e de passar por todas as oportunidades possíveis de ajustes, estão aparecendo instrumentos processuais protelatórios para impedir o avanço o tema no Congresso Nacional.

No Plenário do Senado, foram então apresentadas emendas para mudar o mérito do projeto e requerimentos solicitando a redistribuição da matéria para outras comissões temáticas, algumas comissões sem sequer ter afinidade dentre as suas competências.

O que se vê aqui são medidas aplicadas que, apesar de lícitas e regimentais, parte de um processo legislativo democrático, são meramente protelatórias e sem transparência com o objetivo final das mudanças sugeridas.

Ora, por que a proposta do Marco Legal dos Games agora (junho de 2023) não representaria o setor se é o mesmo texto legislativo apoiado anteriormente (desde outubro de 2022), se o setor em diversas oportunidades anteriores elogiou o projeto e se as entidades setoriais reforçaram publicamente que participaram efetivamente do processo decisório e construtivo desde agosto de 2021? Algo deve ter mudado no cenário, mas que não está sendo dito às claras.

Desde a última versão do texto, aprovada pela Câmara dos Deputados em outubro de 2022, não se passou tanto tempo para se dizer que a norma está desatualizada ou que tenha surgido uma nova tecnologia capaz de tornar obsoleta a indústria de jogos eletrônicos atual.

Em rápida pesquisa, são duas as principais hipóteses: ou há um lobby muito forte que segura o reconhecimento legal e fortalecimento econômico do setor de jogos eletrônicos brasileiro ou o setor está buscando outras formas de financiamento e verbas públicas, antes não existentes, mas que agora querem ser alcançadas, como a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar 195/2022), que destina bilhões de reais para o setor cultural, em especial o de audiovisual.

Em se tratando da primeira hipótese, que impede a competitividade do setor, essa sim precisa ser repudiada pelo setor, que busca avanços há anos e que agora está bem próximo de alcançar uma norma que garanta a liberdade de oportunidades para o setor, sem uma exigência de autorização para operar ou imposição de burocracias desnecessárias para se avançar.

Em se tratando da última hipótese, tendo a concordar com o que a maioria dos Senadores indicam: não há espaço para tirar verba de outras áreas que foram efetivamente castigadas pelo isolamento social imposto durante a pandemia, para dar a um segmento industrial que na realidade só ganhou e cresceu durante o período da Covid-19. O setor de games, diversamente do cinema, do teatro e dos eventos musicais e culturais, não foi impactado negativamente pela reclusão promovida pela pandemia.

O próprio relatório aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados em outubro de 2022 ressalta: “A pandemia impulsionou o mercado de jogos eletrônicos e o Brasil figura como o 5º maior mercado consumidor, sendo o maior da América Latina, além de ter acelerado a produção de games nacionais. (…) No âmbito da cultura, a proposição em análise é oportuna, pois os jogos eletrônicos representam importante fenômeno da cultura corporal, capaz de desenvolvimento cognitivo e interações sociais. Entretanto, consideramos necessários alguns ajustes que propusemos no substitutivo.”

Alterações do mérito do projeto são válidas e admitidas pelo processo legislativo. Porém, para a elaboração de um Marco Legal setorial, é preciso pensar para além dos privilégios individuais e considerar os avanços coletivos.

Neste caso, pela falta de transparência do que as emendas apresentadas pretendem, mais parecem preciosismos desnecessários e protelatórios, sem fundamento e desarrazoados. Esses preciosismos, caso acatados, não mudarão a essência do texto hoje em discussão e apenas atrasarão a apreciação final do Marco Legal dos Games pelo Congresso Nacional, impedindo que se vire lei aquilo que veio para fomentar a elaboração de políticas públicas voltadas para o setor.

O processo legislativo decisório do Marco Legal dos Games pode estar perto de ser encerrado, seguindo para a sanção presidencial. Caso tenhamos a aprovação pelo Plenário do Senado do texto aprovado na Câmara dos Deputados, em poucos meses o setor poderá colher os frutos de um mercado organizado.

O Brasil está prestes a aproveitar esse avanço legislativo e garantir o desenvolvimento da indústria de jogos eletrônicos e de jogos de fantasia. Com diretrizes claras, será possível fomentar políticas públicas específicas para o setor, por meio de regulamentações infralegais que não engessem o setor, e incentivar a competitividade da indústria como um todo.

Crédito imagem: Ekkaphan Chimpalee

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