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O que é Sportwashing e uma análise desse fenômeno nas Copas do Mundo de Futebol

Por: Juliana Hungria Aagaard[1]

Sportwashing é um termo criado a partir da palavra inglesa “whitewashing”, com significado de acobertar/esconder fatos desagradáveis sobre uma coisa ou pessoa, no contexto da campanha de nome Sports or Rights [i] que tinha por base uma crítica ao governo do Azerbaijão comandado pelo ditador Ilham Aliyev em 2003. Com aparição em 2018 na Anistia Internacional (Organização Não Governamental, que defende a mobilização por justiça social no mundo), o termo passou a se consolidar e ser utilizado desde então. Sportwashing engloba, assim, a ideia de o esporte ser utilizado como mecanismo para desviar a atenção de questões importantes que estão acontecendo num determinado país, podendo ser elas questões de cunho político e/ou social, com por exemplo direitos humanos, corrupção e escândalos de atendados à democracia, dentre outros.

Poderíamos comparar com a Roma antiga, à famosa política do Pão e Circo, pela qual a população era mantida entretida por meio dos espetáculos das arenas, evitando que se abrisse espaço para reclamações e rebeliões em decorrência de questões político-sociais. Ou seja, trata-se de uma ferramenta que visa basicamente manipular percepções e opiniões a fim de ocultar um problema real[ii].

Apesar do termo ser recente, como visto, trata-se de prática bem antiga de forma que, tomando-se por base as Copas do Mundo do Futebol, é possível perceber que em 1934 e 1938 a formidável equipe italiana de futebol já tinha sido usada como fonte de influência do governo nazifascista italiano. Nesse sentido, foi definida a Itália como sede da segunda edição da copa em 1934 por meio de um comitê executivo da FIFA no qual um general enviado por Mussolini fez garantir que dinheiro não seria um problema. Mussolini fazia questão de organizar a Copa para mostrar ao mundo a superioridade do fascismo italiano. Ou seja, a copa do mundo de futebol foi utilizada como verdadeiro instrumento para demonstrar a força das ideologias nazifascistas, de forma que a vitória por tais seleções não eram apenas uma vitória desportiva, mas um sinal de supremacia ideais de extrema direita frente às demais Nações.

Devido à Segunda Guerra Mundial, a organização de um novo torneio mundial de futebol foi suspensa até 1950, ano de retomada da Copa. Tal evento, sediado no Brasil, principalmente em decorrência da destruição territorial e econômica da Europa em virtude da Guerra, consolidou o interesse do então presidente Getúlio Vargas que, desde 1942, pretendida realizar uma copa no país. Getúlio, frise-se, era conhecido por dar grande importância aos esportes, por entendê-lo como uma extensão da educação. Tal movimentação de Getúlio com relação ao esporte acaba por reforçar a tendência de governos ditatoriais a usar o esporte como ferramenta para imposição de influência e poder perante outras nações.

Neste ano de 2022 Catar será a sede, marcando a primeira edição de Copa do Mundo do Futebol realizada em um país do Oriente Médio. Catar, um país pequeno de 3 milhões de habitantes, politicamente estável e com uma renda per capita beirando US$144mil, tem uma economia baseada em gás e petróleo [iii], e busca constantemente se destacar e diferenciar da Arabia Saudita incorrendo em uma verdadeira corrida por poder e dinheiro na região.

O conjunto da vontade de se destacar no Oriente Médio junto com sua economia de superavit na balança comercial permitiram um grande investimento no esporte, não apenas na copa do mundo, mas em outras modalidades, como por exemplo a Fórmula 1, permitindo com que o Catar fosse visto pela comunidade internacional como um país aberto e receptivo, moderno e glamuroso, objetivando o cultivo de uma boa imagem internacional no intuito de abrir as portas para novas negociações e globalização.

Contudo, o que é mostrado para o Ocidente é somente o retrato estático do que eles querem que seja visto, sendo a realidade dentro do país bem diversa de tal retrato, onde os direitos sociais mais básicos são negados às minorias. Nesse sentido, organizado como monarquia, apesar de não ter o clamor religioso de seus vizinhos, o Catar não reconhecia o direito de trabalhadores migrantes na construção de seus estádios e somente em 2020 foi aprovada a lei permitindo a escolha do local de trabalho pelo migrante e um piso salarial, aconteceu inclusive uma campanha intitulada “Cartão vermelho para a FIFA – não há copa do mundo sem Direitos Humanos”[iv] Antes da aprovação da lei em 2020, o sistema vigente era o “sistema kafala”[v], no qual os empregados menos qualificados, principalmente dos setores de construção e domésticos, deveriam ser patrocinados por seus empregadores que ficavam responsáveis pelo visto e estatuto legal, o que, na prática, dava ao empregador plenos poderes para que abusos pudessem acontecer. Não era raro, por exemplo, trabalhadores terem seus passaportes confiscados, falta de pagamento, e outros abusos enquadrados em condições análogas à de escravidão.

De forma semelhante, não foram incomuns as insurgências populares no Brasil contrárias a realização da Copa do Mundo de 2014, oportunidade em que a população questionou os voluptuosos dispêndios estatais com a realização do evento em detrimento de severos problemas sociais enfrentados na saúde e educação pública, bem como a desigualdade social generalizada[vi]. Quando um evento desta magnitude está em vias de acontecer, toda a atenção está focada no pais sede, e se os argumentos a favor eram os benefícios sociais que a copa traria ao Brasil, um dos pontos levantados e com grande relevância para a população foi que o orçamento reservado pelo governo de US$13 bilhões seria usado em projetos de infraestrutura nas cidades sedes. Contudo, o que se viu, em verdade, foi que a maior parte deste valor foi usado efetivamente para construções de estádios, gerando grande insatisfação popular[vii].

Assim, o que se vê atualmente é que a tentativa de se abrir para o mundo representa verdadeira faca de dois gumes pois, ao mesmo tempo em que o país tenta vender uma imagem positiva ao mundo, esse mesmo mundo, principalmente ante as ferramentas tecnológicas e de comunicação existentes, pode acabar por tomar ciência de suas eventuais desigualdades e violações gerais de direitos. E, uma vez ciente de tais questões, exercer pressões sociais e políticas para defender a melhor gestão estatal, sempre sentido a um Estado de garantias mínimas sócio-políticas e de direitos humanos, modelo este cada vez mais amplamente defendido em escala global.

O que se verifica, portanto, é que os eventos desportivos de ampla repercussão, à exemplo dos mundiais de futebol, historicamente tendem a, de alguma maneira, ser usados pelos governantes como mecanismo de Sportwashing, seja para fomentar objetivos econômicos, impor ideologias e regimes políticos, seja para mascarar desigualdades sociais e violação de direitos em geral. Contudo, principalmente ante ao fenômeno da globalização e da expansão de mecanismos de propagação de notícias e comunicação, cabe então aos cidadãos e organizações mundiais utilizarem mais do que nunca o exercício de suas prerrogativas políticas, para fiscalizar e exercer pressão popular contra tais condutas, de forma a não macular o esporte em si.

Crédito imagem: AP Photo/Darko Bandic

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[1] Juliana Hungria Aagaard é graduada em Esporte pela USP e graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro do Grupo de Estudos de Direito Desportivo Empresarial do Mackenzie e membro do Sports Business League Mackenzie

[i] COPA, Copa Além da. O sportswashing além do Oriente Médio. Ludopédio, São Paulo, v. 149, n. 20, 2021. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/o-sportswashing-alem-do-oriente-medio/#:~:text=Mas%20o%20termo%20%E2%80%9Csportswashing%E2%80%9D%20em,ditador%20do%20Azerbaij%C3%A3o%20desde%202003. Acesso em: 21 out. 2022.

[ii] ANJOS, Maria dos. Política do Pão e Circo. Disponível em: https://www.parafrasear.net/2007/11/poltica-do-po-e-circo.html. Acesso em: 24 out. 2022.

[iii] BARRÍA, Cecilia. O pequeno país que ficará ainda mais rico graças à guerra na Ucrânia. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61388466. Acesso em: 21 out. 2022.

[iv] JANSEN, Olaf. Catar 2022: direitos humanos continuam em segundo plano. 2022. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/catar-2022-direitos-humanos-continuam-em-segundo-plano/a-61305459. Acesso em: 21 out. 2022.

[v] MIGRANT-RIGHTS.ORG. Reform the Kafala System. 2022. Disponível em: https://www.migrant-rights.org/campaign/end-the-kafala-system/. Acesso em: 21 out. 2022.

[vi] ATKINS, Christopher. The Social Cost of Brazil Hosting World Cup 2014. Disponível em: https://bleacherreport.com/articles/1663701-the-social-cost-of-brazil-hosting-world-cup-2014. Acesso em: 24 out. 2022.

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