Por Cáscio Cardoso
Quando Luiz Felipe Scolari foi demitido do Grêmio, no dia 11 de outubro, viveu apenas mais um momento em que seu trabalho como técnico não deu os resultados esperados e foi interrompido. Vale observar que a demissão aconteceu em um clube onde as coisas também não vêm funcionando. O Grêmio, que tem uma das gestões financeiras mais bem avaliadas do país, exibe um desempenho na série A que aponta para um problema muito maior que o do técnico.
Porém, para não perdermos o fio da meada, deixemos essa parte para o final. Foco na carreira de Felipão, que foi “encerrada” por algumas ansiosas (e talvez magoadas) opiniões já no feriado do Dia das Crianças.
Entre outros destaques, Luiz Felipe Scolari foi campeão brasileiro com 48 anos pelo Grêmio e com 70 anos pelo Palmeiras. Intervalo de 22 anos! Foi Campeão do Mundo com a Seleção Brasileira aos 54 anos e, aos 66, teve sua reputação seriamente ameaçada pela emblemática goleada de 7×1 sofrida para a Alemanha, na semifinal da Copa do Mundo de 2014. Hoje, às portas do 73º aniversário, saiu do Grêmio sem conseguir tirar o time gaúcho da zona de rebaixamento. Porém, comemorou seu 72º ano sendo fundamental para uma sobrevida do Cruzeiro na série B, em 2020.
Vamos observar também Vanderlei Luxemburgo. Ele foi campeão brasileiro pelo Palmeiras 2 anos seguidos, aos 41 e 42 anos de idade. Conquistou a competição pelo Corinthians aos 48, pelo Cruzeiro aos 51 e pelo Santos aos 54, mas é em Campeonatos Paulistas pelo Palmeiras que chama a atenção sua “utilidade” de décadas. Pelo Alviverde de Parque Antárctica, o “pofexô” conquistou o paulista aos 41 , 42, 44, 56 e 68 anos de idade. Nada mais nada menos que TODOS os últimos títulos estaduais do Palmeiras, em três décadas, foram conquistados pelo mesmo técnico, entre suas idas e vindas. Em gerações completamente diferentes do esporte. Da vida. Não só do futebol.
O mesmo vale para Abel Braga, que, pelo Internacional, foi vice-campeão brasileiro aos 36 anos, em 1988, campeão da Libertadores e do Mundial, aos 54 anos, e vice-campeão brasileiro pelo Inter, em uma campanha surpreendente, a partir da sua chegada, perdendo o título por detalhes, aos 68 anos.
Vamos ampliar! Observemos os últimos 4 campeões brasileiros: Fábio Carille, pelo Corinthians, aos 44 anos, Felipão, pelo Palmeiras, aos 70 anos, Jorge Jesus, pelo Flamengo, aos 65 anos, e Rogério Ceni, pelo Flamengo, aos 48 anos.
Na Libertadores, Marcelo Gallardo a conquistou em 2018 aos 42 anos, Jorge Jesus a conquistou em 2019, aos 65 anos, Abel Ferreira a conquistou em 2020, aos 42 anos.
Percebeu o padrão da idade associado ao sucesso aí? Pois é, eu também não. O sucesso de um técnico de futebol não tem relação com a sua idade.
Perdoe-me a obviedade da frase acima, mas o sentimento é que ela precisa ser dita porque, aparentemente, não temos, de forma geral, a menor ideia de como avaliar, profundamente, a qualidade desses profissionais do futebol, mesmo eles tendo tanto destaque. Técnicos são peças na engrenagem, importantes, mas absolutamente sujeitas a resultados, que estão sujeitos às mais diversas variáveis em um jogo, incluindo, até, veja só: a sorte.
Em um país onde a média de permanência de um técnico é de 168 dias, pouco menos de 6 meses, o que corresponde a menos que o dobro de um período de experiência em uma empresa, essa avaliação sobre qualidade de um profissional fica ainda mais comprometida.
E por falar em empresas, no Futebol S/A do último sábado, onde abordamos esse assunto, citamos outros papéis que esses profissionais podem exercer, pegando exemplos de grandes e organizadas corporações, onde cargos de liderança podem ser operacionais, executivos ou consultivos. Veja Muricy Ramalho e Paulo Autuori como mudaram as suas formas de atuação e continuam dentro do futebol. São bons exemplos.
Claro que vale lembrar que no futebol muitos aspectos são distintos em relação às empresas e isso vale também no que diz respeito às lideranças. O técnico é um líder do vestiário, mas que está sujeito a não ser a referência sonhada pelos liderados, afinal, o jogador de futebol, via de regra, ainda não quer ser técnico. Logo, não almeja nem se espelha no seu treinador. Também é muito comum que um técnico ganhe menos que parte relevante dos seus liderados, o que não acontece numa empresa.
Mais dois pontos muito complexos sobre o trabalho dos técnicos é que, diferente do que o imaginário popular muitas vezes propõe, eles nem sempre chegam com o objetivo de revolucionar. A ideia de tomar conta de tudo, da rouparia ao refeitório, ou transformar um conceito, taticamente, de um clube muitas vezes sequer passa pela conversa que termina na contratação. Às vezes eles são anunciados para, “apenas”, serem uma liderança que faça um trabalho para que a montagem e (ou) gestão de elenco ruim possa ter algum resultado de curto prazo. Essas propostas muitas vezes são mais adequadas aos mais velhos. Ao mesmo tempo, com a velocidade das mudanças de comportamentos e referências, da revolução tecnológica, das gerações de pessoas, essas lideranças experientes precisam encontrar conexões com atletas de alta performance cada vez mais jovens. Um técnico de 70 anos pode liderar e ter canal aberto com um jovem talento de 18 anos? Com certeza, mas precisa estar atento a signos e conceitos que talvez não fossem tão comuns em sua juventude e que hoje são decisivos para pontos de contato.
No funil, o que passa é realmente a necessidade de atualização. Pela autocrítica e disposição de aprofundar estudos, mudar conceitos, para continuar competindo em alto nível, expondo-se aos ônus e bônus da decisão. Uma lógica que cabe aos treinadores e gestores. E a profissionais em todas as áreas de atuação. Como reagir a isso? É de cada um. E antes de darmos aos técnicos, mais uma vez, a grande parcela da responsabilidade, faço outra pergunta: porque o Bayern de Munique, que conquistou a Champions, em 2020, com Hansi Flick, aos 55 anos, e também em 2013, com Jupp Heynckes, aos 68 anos, entregou seu comando técnico hoje a Julian Nagelsmann, que tem apenas 34 anos? Porque entrega, apenas, o comando técnico. Não a responsabilidade por montar e gerir elenco, por manter as contas em dia (lembra que Felipão ajudou o Cruzeiro com contas em 2020?) , por assumir, de forma geral, muitas das responsabilidades que são de gestores. O ambiente do clube é decisivo para qualificar ou depreciar o resultado de um trabalho de um treinador. Os técnicos, tanto os experientes quanto os jovens, precisam suar mais o cérebro do que a camisa, e podem até sair do campo de treino, em outra nomenclatura, mas jamais podem ser descartados de forma simplória.
Se não podemos determinar qualidade do profissional como técnico, imagine determinar o momento em que ele deve parar por causa da idade. Nessa história toda, o que envelhece mesmo é o preconceito.
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Cáscio Cardoso é apresentador e comentarista esportivo da Rádio Sociedade da Bahia, do Podcast 45 Minutos e do Futebol S/A. Acredita em um futebol melhor a partir do aprofundamento das ideias e do equilíbrio na relação entre paixão e razão na condução do esporte mais encantador do mundo. É sócio do Futebol S/A.