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O que foi construído pode ser modificado

Com a renúncia do então presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio, a função de autoridade máxima para organização dos Jogos deste ano foi assumida por Seiko Hashimoto, uma atleta olímpica japonesa que competiu tanto nos Jogos Olímpicos de Inverno, na patinação, quanto nos Jogos Olímpicos de Verão, em eventos do ciclismo.

Recém nomeada como a nova presidente do Comitê, substituindo Yoshiro Mori, que renunciou após fazer comentários ofensivos às mulheres – como tratamos na última coluna – a nomeação de uma mulher poderia ser considerado um belo plot twist, expressão em inglês que indica uma mudança radical no enredo de um filme, de um livro ou de uma série e que objetiva prender a atenção do público.

Mas, embora a nomeação de alguém do gênero feminino neste momento possa parecer um golpe de mestre capaz de manter a atenção do público e agradar patrocinadores e atletas, a biografia da nova presidente demonstra que esse desfecho está longe de parecer algo surpreendente, parecendo óbvia a escolha de alguém com tamanha experiência em assuntos olímpicos e políticos.

Seiko nasceu em 1964, poucos dias antes da data programada para os Jogos Olímpicos daquele ano, razão pela qual seu primeiro nome representa as palavras japonesas “chama olímpica”, uma homenagem feita por seu pai ao evento multiesportivo.

E sua contribuição para o povo japonês não se limita a recordes e medalhas. Após participar de sete edições dos Jogos Olímpicos, a atleta assumiu em 1995 uma função parlamentar eletiva. Em 2006, se tornou chefe da Federação Japonesa de Patinação e em 2008, foi nomeada vice-ministra das Relações Exteriores.

Apesar de assumir os Jogos a menos de seis meses da realização dos Jogos Olímpicos e do desafio de realizar o evento respeitando as restrições impostas pela epidemia que ainda assola o Japão e o mundo, a Presidente conta com a confiança do Comitê Olímpico Internacional que declarou publicamente: Seiko foi a escolha perfeita para a posição e o momento.

Concluo que estamos todos mais ou menos de acordo quanto à qualificação de Seiko Hashimoto para ocupar legitimamente a função de Presidente do Comitê Organizador, certo? A nomeação de alguém cujo currículo une experiência esportiva e vivência política não deveria surpreender, mas ver uma mulher ultrapassando as barreiras invisíveis que dificultam o acesso a posições de liderança ainda causa alguma admiração e, neste caso, conforto.

O grande desafio de Seiko, nos próximos meses, será o de prover a melhor experiência possível aos atletas, apesar das medidas necessárias à contenção da Covid-19, além de garantir a realização do evento, com a segurança e o sucesso esperados.

Já o desafio do Comitê Olímpico Internacional é o de reconhecer que o modo como as mulheres são percebidas deriva de uma construção social em que comentários sexistas eram raramente censurados. E se foi construído, pode ser modificado.

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